Últimas palavras. escrita por GabiMq


Capítulo 1
Estrelas.




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Querido Gus,

Um dia você me falou que o problema da dor era que ela precisava ser sentida. Estou sentindo a dor. Estou sentindo mais que nunca.

Fazem pelo menos 8 meses desde seu último adeus. Desde que o vi pela última vez com um cigarro apagado na boca e fazia sempre minha observação mental de como aquela metáfora era realista e inacreditável.

Fomos a Amsterdã juntos. Contamos boas piadas. Passeamos por bons lugares. Lemos bons livros. Jogamos boas partidas. Tivemos ótimos momentos. Tivemos beijos perfeitos e toques quentes. Se contarmos essa parte de nossa história para alguém, vão encarar como uma história de amor qualquer, não é? Aquelas que as pessoas crescem juntas, se casam e vivem felizes para sempre.

Nunca poderemos nos casar. E nunca poderemos viver felizes para sempre. Isso me dói muito, de verdade.

Não é como se você fosse uma granada. Mas fora algo tão especial que faz falta. Um tanto de falta que não dá para escrever.

Mamãe vive dizendo que estou com um humor diferente do meu. Que as vezes estou toda sorridente e outras me recuso até mesmo a jantar. Ela diz que isso não é saudável para mim e vive me dizendo para conhecer pessoas novas e sair para novos lugares. Até me esforço para isso, mas me parece fora de alcance as vezes. Eu olho para as pessoas e penso que um dia elas podem se tornar importantes para mim, e um dia elas podem me fazer acreditar que estou viva, e um dia elas podem morrer, e então não me sentirei viva mais uma vez. Sei que não é um pensamento racional. Todos morrem um dia. Eu vou morrer um dia. Mas eu simplesmente não consigo. Talvez eu seja ainda muito imatura para me imaginar passando por isso novamente. Mas sejamos compreensíveis comigo, sempre pensei que eu fosse morrer primeiro, e essa sempre foi uma das minhas preocupações... Ser uma “granada”. No fim eu não sei se me sinto agradecida ou extremamente irritada com isso. Eu nunca me perdoaria por te machucar, entretanto acho que você ai do céu não me queria assim, então posso estar te machucando, peço perdão por isso e prometo que no final dessa carta irei tentar ao máximo me acalmar e parar de chorar.

Ah! Tenho uma coisa realmente importante para te falar! Você deixou sua marca no mundo, se é o que quer saber. Minha mãe usa minha história como exemplo de superação e está realmente feliz com isso, e muitas pessoas conhecem uma parte de quem você foi, e choram com uma parte pequena de nossa história. Realmente pequena porque me recuso a ficar divulgando nossos dias por ai. A questão é: Você marcou a vida de mais pessoas que agora acreditam que vão encontrar o amor da vida delas e vão dar muito valor para ele, o que é uma frase que realmente me deixa muito irritada, porque é como se você não tivesse me dado valor ou o contrário. Entendo, não é uma grande marca no mundo, mas acho que você ficaria muito feliz sabendo que tocou a vida de todas essas pessoas.

Se isso não lhe serve Augustus, queria dizer que você mudou minha vida também. Eu passava minhas tardes com meus pais tentando fazê-los felizes mas não acreditando que eu seria capaz porque pensava que era torturoso olhar para sua filha doente diariamente e vê-la cada dia um passo mais perto da morte. Mas aprendi que, embora ainda acredite que é torturoso ver sua filha doente diariamente e vê-la cada dia um passo mais perto da morte, todos morrem, mas o que importa não é isto, e sim as pessoas que você marca durante a vida.

“É tão provável que nós consigamos ferir o universo quanto é provável que nós o ajudemos, e é improvável que façamos qualquer uma dessas duas coisas.”

Citando agora sua frase queria lhe contar mais uma coisa. Eu li sua carta para Van Houten. E chorei com ela. Chorei muito. Você não é um escritor de merda, só é preciso saber arrumar seus pensamentos em constelações, como você mesmo disse. Acho que tenho esse problema também. Acho que esse problema é comum por aqueles que pensam muito. Acho que pensamos muito e acho que penso muito porque aconteceram muitas coisas. Acho de verdade tudo isso.

Queria lhe contar minha reação, acho que queria que você tivesse me visto na hora. Após ler sua carta eu enxuguei meus olhos e a abracei fortemente, com o cuidado de não amassá-la. A abracei e deixei algumas outras lágrimas cairem, mas não desesperadamente, eu sorri porque agora, mesmo depois de... você sabe... eu ainda tinha uma parte sua comigo. Eu tinha suas palavras, uma folha na qual você tocou, sua letra, tinha suas estrelas. Você não faz ideia o quanto isso me ajuda quando estou triste.

Queria lhe contar também outra coisa. Isaac e sua nova amiga. Eu e ele continuamos bons amigos, mas acho que você entendeu o sentido dessa outra amizade dele. Fico realmente feliz dele estar conseguindo superar a Monica. Essa nova amiga não se importa dele ser cego, acho que não tem nem ao menos pena pois enxerga ele como qualquer outra pessoa com visão. E se ela tem pena ao menos não demonstra. Acho que isso ajuda muito a relação dos dois e consigo enxergá-los num futuro próximo dizendo um ao outro que se amam e jogando juntos numa tela escura. Pensei em te contar porque realmente sei que você ficará feliz por ele.

Bem, como é ai no céu? Sempre quis saber como são as nuvens. São fofinhas como vistas daqui da terra? E quando chove?

Sabe, Gus. Sei que essa carta nunca vai chegar a você, mas sei que você deve estar escutando meu pensamento agora enquanto escrevo ela, porque estou tratando de pensar bem alto e até mesmo de falar, embora os soluços atrapalhem.

O que posso dizer mais? Acredito no infinito. Acho que isso ficou claro no meu discurso pré-funeral. Mas eu acredito de verdade no infinito. Se você reparar bem, ainda falo de você falando no presente. Você ainda está presente para mim. E isso não me impede de viver – alguns dias. E eu posso viver 5 ou 50 anos, porém vou sempre me lembrar de você, e dos nossos dias. E sempre vou ter a ciência da existência dos números 0,1 ou 0,12 ou 0,122. E sempre vou saber da infinidade deles. E vou continuar acreditando sempre, sempre mesmo que você me deu uma eternidade dentro de nossos dias enumerados. E vou sempre desejar mais números para você, embora isso seja cientificamente impossível, porém significa que nunca irei esquecer-me de você, tudo bem? É uma promessa.

Queria muito mais números para você, Gus. Mais de verdade. E isso é tudo culpa desse universo injusto que adora me fazer chorar. E desses dias e noites que passam continuamente sem muita coisa ter verdadeiramente mudado e muita coisa ter verdadeiramente mudado. E dessas pessoas que acham que entendem o mundo, mas não sabem o real significado de um cigarro apagado. E voltamos ao universo, porque isso é tudo culpa dele. É culpa dele eu ter perdido você. Dizem que somos forças de pensamento, e obviamente é culpa do pensamento de Alguém ter criado doenças e ter te arrancado de mim assim. Pensamentos são estrelas que não podemos arrumar em constelações.

Por isso que tenho em mente algo que ninguém nunca vai me tirar. Tivemos bons momentos, tivemos momentos dificeis, e tivemos um “até logo” porque realmente acredito que irei te reencontrar. Mas principalmente, a culpa de tudo isso que vivemos, absolutamente tudo, a culpa é das estrelas.

Com amor da outra metade de sua eternidade, Hazel.


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Notas finais do capítulo

Ainda não sou capaz de arrumar meus pensamentos em constelações.