Um Dia Bem Longo escrita por Neir


Capítulo 1
Meu dia a dia!


Notas iniciais do capítulo

Sei lá, me sinto nostálgico re-postando algo que já tinha postado. Se já leu a antiga, vai saber as diferenças. Se essa é a primeira vez... bem, me diga o que achou!



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Aquela voz baixa, preguiçosa e pegajosa arrastou lentamente as palavras rumo à garota na calçada da casa:

– Tome cuidado, certo?

A sentença que foi proferida estava carregada com a ânsia por respostas. O jovem segurava a porta de madeira pesada com a mão esquerda, a outra bloqueando o sol forte que adentrava através do ínfimo portal, iluminando a casa protegida por cortinas pesadas e cinzentas. O pé batia impacientemente, esperando a confirmação que tanto desejava para que pudesse entrar e iniciar sua rotina, e sua mão deslizava nos entalhes tateados pelo seu polegar.

Não é como se fosse importante que ele obtivesse uma resposta, mas seu caráter humano exigia uma confirmação. Não é algo que ele quisesse explicar ou que pudesse ser explicado: Ele simplesmente desejava que sua irmã dissesse “Sim, vou ter cuidado!”

Entretanto, tendo suas expectativas levadas mar abaixo ao observar a silhueta da garota desaparecer na esquina, Yamamoto Akira decidiu que seria melhor confiar no bom senso da irmã. Apesar de parecer boba, superficial ou mesmo infantil à primeira vista, Aika era uma garota de observação perspicaz, com discernimento aguçado e instintos superiores. Como ele costumava comentar na mesa de jantar, “É algo que paira sobre nossa família”.

Sim, a família Yamamoto. A original. Formada atualmente por quatro membros, o círculo familiar era famoso por sua carga honorária: Todos os membros vivos possuíam mérito, independente da área que influenciavam, e eram conhecidos por sua incrível distinção intelectual. O próprio Akira tinha sua carga de méritos. Durante seus anos no colégio, havia ficado famoso entre os estudantes por sua inteligência acima do normal.

Essa não era o tipo de inteligência, entretanto, que levava um aluno a tirar notas excelentes e ser o Top1 do ranking acadêmico. O principal atributo do calado japonês era sua capacidade dedutiva, que o havia levado a decifrar pequenos mistérios e a entender melhor as pessoas através de seus comportamentos.

Sua irmã, por outra lado, já possuía um ramo diferente dessa palavra tão clichê. “Inteligência Emocional”. A capacidade de compreender, entender e saber entrar em contato com diferentes tipos de pessoas, além do equilíbrio e da maestria sentimental, faziam dela a personagem perfeita para a situação pela qual passava Akira.

Era comum ele fazer piadas com seus nomes. Ao pé da letra, Aika significava “filha do amor”, enquanto Akira, “o inteligente”, levando o jovem a dizer, com certa frequência, que Aika não era inteligente no final das contas.

“Apenas uma manipuladora dos sentimentos humanos. Você não vai encontrar nenhum em mim, só pra avisar...”

Assim que ouviu o clássico som da maçaneta travar, deu dois passos para o centro da sala e pensou:

“Então, o que vai ser hoje?”

Primeiramente, o jovem aproximou-se do corredor em sua casa e, garantindo um pouco mais de inércia em frente ao móvel lapidado e cheios de fotos, agarrou um calendário branco que havia comprado no começo de março.

13 de junho de 2012.

Já eram três meses sem frequentar o colégio.

Desde então, vários colegas tinham ido em sua casa, procurando confortar o garoto de sua situação, usando palavras como “acredite”, ou “em breve você vai melhorar”. As visitas tinham, até certo ponto, mantido o jovem ocupado durantes estes dias, mas com o passar do tempo as mesmas tinham se tornado cada vez mais raras, até o ponto que o cenário tinha se tornado o que o jovem encarava todos os dias de sua vida: aquela sua enorme casa vazia.

Sua irmã gêmea sentia, sim, pena do familiar, mas era forte o suficiente para não demonstrar isso. Ela, melhor que ninguém, conhecia o orgulho tolo do irmão, e agia como se ele estivesse simplesmente faltando as aulas por vontade própria.

Era normal chegar, então, a conclusão de que os dois eram gênios distintos. Enquanto ela tinha o potencial para mudar pessoas, ele podia mudar o curso de suas vidas. E era exatamente o que sua irmã, nos últimos três meses, tinha feito com ele. Gradualmente ela tinha corroído seus ideais egoístas e orgulhosos de individualidade extrema e independência existencial, fazendo-o adotar o conceito de que humanos precisam um dos outros, e abrindo seus olhos para a derradeira conclusão: seguir com a vida sozinho, visando apenas a si mesmo e tomando ações por si só era apenas um dos vários modos de percorrer aquela longa jornada.

Graças a ela, seus dias não era tão infelizes. Sempre que podia, ela estava trabalhando com ele, afinal.

Mas não era como se a vida dele fosse uma prisão perpétua. Na verdade, o ambiente que mais se assemelhava a tal cenário seria seu colégio, que possuía um regime integral demoníaco responsável pelo desgosto e desânimo de muitos adolescentes que ele tinha encontrado anos atrás. A única coisa que o impedia de sair de casa era sua própria vontade, formada através de argumentos dolorosos.

Dolorosos ao pé da letra.

A incapacidade de se manter de pé sob o calor do sol, de ir à escola, de subir escadas e no geral, fazer qualquer ação que envolva esforço físico haviam construído para Akira um caminho marcado e repetitividade e simplicidade. E, caso ele tentasse pegar a via ao lado, sentia uma dor insuportável, que o faria ficar com sensações desagradáveis por toda uma semana. Mesmo que ela não fizesse nada, sentiria dor.

Em poucas palavras, ele cansava rápido demais. Ele sentia dor demais. Sofria demais. Não era algo relacionado a seus atributos físicos. Tendo quinze anos de idade e alcançando a altura de 1,68m de altura, Akira tinha o peso ideal de 57kg e era, na verdade, dotado de músculos razoáveis. Não havia causa aparente para aquilo, mas caso se esforçasse, ele cansava, e se cansasse, ele era afligido por uma dor insuportável.

Seguindo reto pelo corredor, Akira alcançou o banheiro, onde escovou seus dentes e fez o reto de suas higienes matinais. Parou um momento para encarar o espelho. Um jovem aparentemente calmo, de olhos verdes opacos e cabelo cinzento, pele clara devido à ausência de sol e leves olheiras devido à noites viradas em frente ao computador. Era assim que ele era.

Se comparado a sua irmã, uma garota alta de longos cabelos prateados e olhos mais verdes que a mais nova folha de um bosque, ele simplesmente não era da família. A única semelhança seriam seus olhos, já que até mesmo a pele de Aika era um pouco mais bronzeada que a do irmão.

– Bem, não é como se eu fosse feio, no final das contas...

E aquilo era verdade. Mesmo com sua reputação de irresponsável, Akira era bastante popular entre as garotas.

Nos “velhos” tempos, claro.

O térreo de casa de Akira possuía dois banheiros. Um era o banheiro em si, que possuía o que é visto em todo banheiro, e outra que ficava logo ao lado, que possuía duas piscinas quentes.

O jovem japonês optou pelo box e entrou em baixo do chuveiro, deixando a água fria acordar completamente seu corpo ainda adormecido.

Seu pai era o dono de uma empresa. Sua mãe, uma artista de renome. Após alguns anos de discussões, o casal havia se divorciado de forma pacífica e civilizada, o que não diminuía, claro, o impacto daquilo nos filhos do casal. Com os últimos acontecimentos e o evento da doença de Akira, ambos tinha passado a se ver mais constantemente: era verdade que o pai visitava Akira e Aika quando tinha tempo livro, mas nem sempre isso era possível. Sendo um homem de negócios, percorria todo o mundo em nome de seu emprego, estando, atualmente, na Espanha.

Yamamoto Kaori, sua mãe, estava no japão, mas passava pouco tempo em casa. Pulando de uma exposição para outra, a mulher se esforçava bastante para ficar com o filho, e sempre que tinha tempo livre, providenciava novos exames e médicos para descobrir o que o afligia.

Graças a isso, eram só os gêmeos dentro da casa. Querendo ou não, os pais eram ausentes.

Akira pegou uma toalha próxima e enxugou sua cabeça. Ainda nu – e um pouco molhado – saiu caminhando do banheiro e atravessou parte do corredor, parando em frente a uma porta branca com os kanjis de “Jardim” e “Éden” destacados em preto na vertical. Lentamente empurrou-a, entrando, assim, em seu quarto.

A cama ainda estava desforrada, e o lençol que usara para se cobrir estava jogado no chão próximo a um caderno rabiscado. Seu quarto tinha apenas uma janela, que dava para a área do jardim lateral da casa, e esta estava ocultada por um cortina padronizadamente cinzenta.

Akira foi até o móvel que estava junto à janela, e abrindo a terceira gaveta de baixo para cima, tirou um calção amarelo com uma faixa roxa nas laterais.

Lembrou da memória desgraçada na qual havia ganhado tal peça de roupa, de uma prima, que insistia em dizer que amarelo era uma cor da sorte e que por isso seria um bom presente de natal.

Observando a ausência de outro calção ou mesmo calça, Akira vestiu a peça, não se preocupando com futuros resultados. Jogou a toalha na cadeira da escrivaninha, saindo do corredor e dirigindo-se a uma porta também próxima, que levava à verdadeira sala da casa.

Akira dizia isso por considerar a sala de visitas – primeiro cômodo encontrado por qualquer um que entrasse pela porta – um ambiente desnecessário. Acima de tudo, a ausência de uma TV fazia dali um local apenas para conversas.

Assim, a verdadeira sala era aquela na qual ele acomodava-se agora, agarrando um dvd de anime e ligando sua TV de nada menos que 190 polegadas.

“Bem... talvez eu deva começar com uma maratona de dragonball...”

Assim que os personagens começaram a se mover, entretanto, Akira perdeu o interesse e, levado por motivos além da compreensão humanada, colocou-se a dormir no sofá.

Depois de um longo sonho que envolvia vampiros, misticismos e superpoderes, ele acordou. A TV ainda mostrava uma gigante genki-dama, que Akira cumprimentou brevemente, para então se levantar e ir até a pseudo-sala principal.

De lá, podia ouvir os urros de freeza, os quais ignorou, apenas para perceber o sumiço do sol. Impressionado, mirou o relógio e conferiu as horas.

07:34PM.

Era uma terça-feira.

E mesmo assim... Aika não estava em casa?

Ao contrário do esperado, o japonês não tinha se surpreendido com sua soneca, e sim com a falta, com a ausência de sua irmã na casa.

“Ela devia ter chegado duas horas atrás... o que pode ter acontecido?”

O jovem sentou-se em uma poltrona próxima, que ficava em diagonal para a porta, e colocou-se a pensar.

“Ela pode ter ido à casa de uma amiga... uhm... não, na verdade se fosse realmente isso, Aika teria me passado uma mensagem. O celular dela poderia ter descarregado, mas se fosse isso, ela teria ligado para mim da casa da amiga. Não. O celular de Aika não descarregou. Eu a vi ligando o celular, e ela só o liga quando pretende usá-lo. Para isso, ela o deixa carregado. É uma droga, mas minha opção favorita está descartada. Eu ficaria sabendo se ela tivesse ido a casa de uma amiga.”

Depois de suspirar levemente, ele adiantou-se:

“Mas espere, ela pode ter ligado e eu não ter ouvido? Afinal, tenho o sono pesado...”

Dizendo isto, o jovem esticou-se e agarrou o telefone que repousava na poltrona ao lado.

“Nenhuma chamada... talvez... ela tenha sido assaltada?” Depois de pensar alguns momentos nisso, ele corrigiu-se: “E quem seria capaz de assaltar uma faixa marrom de karatê? Além disso, o bairro é calmo...”

Abandonando sua mente e começando a falar sozinho, Akira protestou:

– Ah, pelos céus, não me diga que hoje é o dia dela limpar a sala...

“Bem... nem mesmo isso pode ser! O dia dela é na quinta, de todo jeito...”

Após um longo e frustrado suspiro, o jovem esticou-se na poltrona, fazendo com que algumas partes de seu corpo estalassem, para entrar exclamar mentalmente: “Então! O que ela fez de estranho hoje?”

Mesmo que ele se colocasse a pensar nisso, não conseguia ver nada de incomum no cenário de despedida que havia feito parte mais cedo. Ela havia almoçado, deixado seu almoço na mesa, tomado banho, colocado sua farda e, então...

“Sua bolsa estava maior que o normal”, concluiu. “Eu não posso afirmar com clareza quantas bolsas ela tem, mas aquela não é a que é usada para carregar seus livros escolares”.

O garoto então desviou o olhar do teto escuro devido à ausência de luz para as escadas próximas.

Ah, as escadas.

Aquelas eram suas maiores inimigas.

Quando havia sido a última vez que tinha visto o primeiro andar?

Decidido a descobrir, por seu orgulho, a solução para aquele simples mistério, o japonês psicologicamente pressionado começou a subir os degraus. Sentindo as pernas queimarem a praguejando contra Odin e Ares, apoiou-se no portal da porta mais próxima que identificou como sendo a da irmã.

Só de ver a pintura rosa com flores, ele perdeu suas dúvidas.

– Com licença~~ - disse a si mesmo enquanto abria a porta do quarto da irmã. Surpreendeu-se com a organização e iluminação do ambiente. Rapidamente localizou o que faltava no mesmo: um espaço vago incomum declarava a ausência de algum objeto numa prateleira à sua esquerda. Analisando melhor o local, concluiu que tratava-se de, pelo menos, um objeto comprido, mas não conseguia afirmar algo mais que aquilo.

Pensou em abrir as gavetas em busca de uma análise mais... “profunda”... mas depois de concluir que ela não havia levado roupas e de que aquilo não seria muito delicado, afastou-se da cômoda para então movimentar-se em direção à porta.

“Ah... se pelo menos eu achasse algo...”

Antes de sair, entretanto, ele notou um estojo de lápis de cima de uma escrivaninha. Ao seu lado estavam um notebook e alguns mangás, que ele classificou rapidamente como ecchi apenas pela capa. Voltando a mexer sem permissão nas coisas da irmã novamente, o japonês pressupostamente albino passou as mãos por um pingente preso ao estojo enquanto lembrava o dia em que tinha ensinado a irmã a desenhar.

De início, imaginou que o pingente fosse uma caneta G em miniatura, mas logo percebeu que tratava-se de uma espada de kendo.

Como um flashback, a imagem de Aika saindo de casa voltou a minha cabeça.

“Tome cuidado...”

Depois de praguejar amargamente, o japonês saiu do quarto e começou a descer, muito lentamente, as escadas. Ela realmente havia comentado algo sobre aquele atrasado hoje, mas pelo visto, ele estava sonolento demais e não tinha sido capaz de dar a devida atenção.

Tudo que conseguia lembrar é que ela havia pego dinheiro com ele...

E então, como um novo flash, a memória voltou a cabeça dele.

Aika estava atrasada porque iria começar, ainda hoje, suas aulas de kendo. Havia comentado o assunto durante o almoço, momento em que ele ainda não estava totalmente desperto, o que explicava a demora para reaver a memória. O dinheiro havia sido requisitado para a taxa de admissão ou de matrícula, provavelmente algo não muito diferente disso.

Agora ele estava satisfeito.

“O atraso dela... não foi bem um atrasado, pelo que parece.”

De bom humor, o jovem desceu o último degrau da escada e sentou na mesma poltrona, relaxando as pernas quentes e doloridas. “Mas droga... eu até mesmo tive que subir as escadas!”

Coincidentemente, o barulho de chave fez-se no ambiente, e Akira abriu um sorriso.

“Agora é só fingir que eu nunca esqueci de nada...”

– Bem-vinda de volta, Aik–

Imediatamente, Akira fechou a boca e constatou de que tinha algo errado com sua “dedução implacável”. Como ele poderia chamar? Uma... nova constante?

Uma garota de cabelos negros e olhos violetas, de pele no mesmo tom que o da japonesa, adiantava-se ao lado de sua irmã.

Inconscientemente, Akira encarou seu sangue, perguntando, através de olhares: “Quem é essa?”

– Desculpe a intromissão... – disse a figura simpática no arco da casa.

Aika tirou seus sapatos e, como de se esperar, proferiu:

– Bem, fique à vontade...! – e indicando com a mão o garoto sentado na poltrona, disse – esse é meu irmão, Akira. Akira, essa é Sophia – disse ela, deixando bem claro que eu devia me pronunciar.

– A-ah, entre – disse o japonês se levantando – fique à vontade, por favor.

Ao se aproximar de Aika, Akira dirigiu-lhe um novo olhar interrogativo, que rapidamente foi respondido:

– Anh? Você esqueceu, Aki-chan? Eu não disse que traria uma conhecida aqui na quinta? – a menina assumiu uma expressão indignada – Foi ela que me levou no clube de kendo, eu tinha avisado que traria ela pra jantar aqui hoje! E não foi só hoje, eu estou comentando desde segunda!

Antes de qualquer reação imediata com a menina, o japonês notou algo de estranho no protesto de sua irmã. Imediatamente lançou a onomatopeia.

– Einh? Hoje não é terça, Aika?

– Eh? Não, hoje é quinta.

“Qui... quinta?”

– E como você limpou a sala e foi ao kendo?

– Eu pedi que uma colega ficasse no meu lugar...

– Pediu... a uma colega...?

Depois de uma fração de segundo, onde Akira refletiu sobre o que sua irmã havia dito, ele desabou em gargalhada. Sem entender, as garotas assistiram o jovem se contorcer na poltrona em que havia se lançado há pouco, até lentamente recobrar o fôlego.

– A-Akira...?

“Ah... eu sou uma decepção! E pensar que ela podia simplesmente ter pedido ajuda de uma amiga...!”


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Notas finais do capítulo

Caso você aguentou isso até o final, obrigado pela leitura!