O dia sempre começava escuro, com Gabrielle envolta em uma larga manta azul celeste desenhada com flores, formando um casulo comparado ao de uma borboleta. A primeira coisa que se enxergava ao abrir os olhos era o cinza escuro de sua parede, contrastada com montes imensos de roupas que iam do chão à altura do criado mudo. Caixas de pizza, carregadores de eletrônicos e porta-copos do Starbucks eram itens quase colecionáveis, comparado ao tanto que você encontraria se remexesse naquela bagunça. Pela parede e juntos, amontoados, ficavam os pôsteres de bandas que ela gostava: Paramore, The Strokes, Sleeping with sirens, The Killers e o que você nem imaginasse que um dia pudera existir. A primeira menção em se mexer era para desligar o "maldito" despertador matinal e a "maldita" lâmpada de abajur que jazia reluzente todas as noite e todas as manhãs, abençoando e infernizando. Ao botar os pés no chão, naquele momento, sabia que o cuidado devido devia ser tomado... O chão do quarto nunca seria um lugar seguro, qualquer vidro poderia ter sido enterrado ali sem ser visto, sujeiras nada-bem-vindas e desconhecidas habitavam o lugar sorrateiramente a cada noite, cada vez mais presentes. Seguindo até a janela, onde ficava uma bela cortina escura num preto opaco, já se podia sentir cada raio UV tomando conta de sua visão, afinal, não era tão ruim estar sempre no escuro. Depois de quatro longos passos e dois movimentos rápidos dos braços, a cortina estava aberta e também, as persianas de cor clara. O dia, com toda certeza, havia começado.

A garota atrás do espelho a encarou. Os cabelos com a cor ruiva recém-retocada, desgrenhados e volumosos. Seus olhos castanho-esverdeado estavam cheios de remela e rodeados por fortes olheiras, resultados da noite mal dormida repleta de maus sonhos. Os lábios secos clamavam por água, mas Gabrielle não se dirigiu diretamente a cozinha quando abriu bruscamente a porta do quarto.

Ao invés de descer as escadas, seguiu até o fim do longínquo corretor, ignorando os quadros pendurados nas paredes cor marfim. Os elétricos olhos azuis já eram bem claros em sua memória, não precisava de imagens detalhadas para ferir-se mais ainda.

A grande porta de madeira estava entreaberta. A ruiva espiou, mas não havia nada para se ver além de lençóis e cobertores bagunçados sobre a cama. Logo abaixo, roupas espalhadas eram visíveis.

— Estou entrando, não esteja nu – disse ao mover lentamente a porta, procurando o amigo com os olhos. O quarto estava vazio e a porta que dava acesso ao banheiro estava fechada.

— Como sou obediente, estou tomando banho de cuecas – gritou uma voz melodiosa vinda lá de dentro, e Gabrielle riu baixinho, enfiando-se embaixo dos grossos cobertores da cama, que ainda tinham o cheiro dele impregnado em seus grossos fios de algodão.

Fechou os olhos e apreciou o momento, permitindo-se esquecer de toda a dor, culpa, problemas e segredos. Deixou os minutos passarem como segundos, ignorando que Lucas logo sairia do banho e a veria exatamente como as garotas pateticamente apaixonadinhas dos filmes de romances que eles tanto faziam piada.

­— Pesadelos novamente? – indagou, seu cabelo respingando água por todo lado quando ele encostou a cabeça na cama, sentado no chão.

— O que você acha?

— Que você precisa esquecer tudo isso – afirmou, entrelaçando seus dedos nos dela. Gabrielle queria apagar as lembranças, sim, mas não podia negar o fato de que ela fora a faísca para todo o acontecimento. – Olha, ruiva, nós não podemos ficar aqui o dia todo. Especialmente você, que sequer tomou banho ainda. Então – começou, arrastando-a para fora da cama -, levante este traseiro da minha cama e vamos tomar café da manhã.