O misterioso caso de Ayne Clearwater escrita por Menino das Sobrancelhas Firmes


Capítulo 2
2 - Borrão




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Eu não estava lá no momento em que ela cortou os pulsos, ou quando ela jogou o carro no abismo, ou quando ela se enforcou... Enfim, eu não estava lá por Ayne, não naquele dia... Foram tantas histórias e estórias sobre seu suicídio que era difícil saber qual era a verdadeira, embora, ouvir sobre o 'incidente' com o carro sempre me pareceu mais a cara de Ayne, se ela morresse... Ela queria que fosse rápido, como me disse naquele breve dia de verão jogada sobre o carpete molhado do celeiro.

‘De onde você assistia as estrelas quando era menor?’ –Ela sempre perguntou isso, e por incrível que pareça, sua voz doce e calma ainda ecoa no fundo de minha mente com as mesmas palavras, puxando o fim de ‘estrelas’ e sorrindo assim que dava o ar de questão. Ela sempre perguntava... Sempre questionando sobre tudo. Se tinha algo que me fazia amar e odiar Ayne, era o tom questionador dela. Ás vezes parecia tão invasivo, mas ás vezes as perguntas eram tão... Maravilhosas. Quem diabos questionaria isso em mil anos de vida?

‘Eu não sei’ –Era sempre minha resposta, talvez porque eu realmente não soubesse, ou quem sabe, porque nunca entendi o que ela queria ouvir.

‘Minha avó sempre disse que as estrelas são pessoas, pessoas que realmente se importaram com você. Aquela maior...’ –Seu dedo meio torto, meio fino, apontava para uma estrela brilhante ao lado da lua. –‘É Jesus Cristo em pessoa, enquanto todas as outras bilhares flutuando por ai, são pessoas que deixaram a terra. Pessoas que morreram’. –Seu sorriso estava futilmente bonito naquela noite, Ayne vestia um vestido de cetim cor de pérola e prendia o cabelo por trás das orelhas com a grande franja sobre a testa.

‘Isso é besteira’. –Eu indaguei passando os dois braços por trás da cabeça. A velha janela do topo do celeiro mostrava um céu sem nuvens banhado por milhares de luzinhas, exatamente como àquelas das árvores de natal, mas essas, estavam presas em um grande vão escuro na galáxia.

‘Eu acredito. Você acha que eu serei uma estrela um dia? Será que eu serei pequena? Ou você acha que eu seria grande Ian?...’ –Ela pouco me chamava pelo nome, talvez porquê não fosse tão grande quanto sua longa chuva de perguntas. –‘Eu queria ser grande, eu estaria olhando pra você. Você teria medo se eu estivesse olhando para você Ian?’

‘Porque diabos você está falando sobre morrer?’

‘Eu estou falando sobre ser uma estrela’. –Ela mordeu os lábios. Aqueles lindos lábios. –‘Você tem medo de morrer Ian?’

Eu não respondi.

‘Eu queria que fosse rápido. BEM rápido. Eu não queria sentir, eu acho que não sentirei, talvez não doa tanto quanto pensam. Talvez seja menos assustador. Você não acha?’ –Ela tagarelava naquela noite, talvez por causa dos dois goles de vinho que tínhamos tomado e deixado cair sobre o tapete do celeiro dos Hilstons. –‘Eu acho que seria legal morrer, do tipo... Deve ser como dormir, e todos gostam de dormir, por mais que se joguem na escuridão, e tenham sonhos ou pesadelos com imagens que lhe assustam, por mais que você não saiba se vai acordar... Você ainda gosta de dormir. Você não gosta?’ –Ela sorriu. Cruzou os braços sobre os seios para se proteger do frio, eu poderia lhe oferecer minha blusa, mas era inapropriado... Ayne era minha melhor amiga. –‘O que mais me assusta...’

‘O que lhe assusta?’ –Meus olhos estão pesados, poderíamos dormir ali e ir embora no outro dia. Mas não, eu não colocaria Ayne em um monte de feno velho cheio de aranhas e escorpiões.

‘É ser encontrada. Eu não queria que as pessoas me vissem morta’. –Elas nunca viram Ayne, ninguém nunca viu seu corpo, eu não te vi apodrecendo. –‘É estranho que depois que você morre, simplesmente todos querem te ver dentro daquela caixa de madeira, você está amarelando, começando a feder, ficando podre para ir debaixo da terra’. –Não você Ayne, eu ouvi dizer que você estava linda, mesmo após o acidente de carro. –‘Eu não entendo como alguém queira que essa seja as ultimas pessoas sobre uma pessoa. Eu prefiro que percam meu corpo, que eu NUNCA seja encontrada. Eu quero que a ultima coisa que todos pensem quando chamarem meu nome, seja meu sorriso’. –Era a ultima coisa que eu lembrava dela, seu sorriso fechando a porta... Naquela tarde, algumas horas antes de Ayne se matar. Ela havia dito ‘Eu não vou á festa, mas lembre-se de olhar as estrelas por mim’. Talvez aquilo era um adeus, eu deveria ter entendido... Ela não perguntou nada naquele dia. Ela apenas... Respondeu.

Um latido oco e longe começa a ficar mais alto e eu acordo. Estou com a testa ensopada de suor. A luz da manhã invade o quarto me banhando em um canhão de fotossíntese. O cão continua latindo baixo. Pulo da cama e corro para o cheiro delicioso que sai de minha cozinha. Ouço Jude falando com alguém e o cachorro sessa sua voz.

–Jude? –Chamo.

–Aqui... –Ele diz de dentro da cozinha. –Temos visita.

Arregalo os olhos e sou surpreendido por Alice com seus cabelos loiros cacheados pulando pra cima e pra baixo.

–Blackmonth, que saudades sua. –Diz minha prima.

–Alice, o que você faz aqui? Quer dizer... Oi. –Digo rindo.

Sento do outro lado da mesa, há pães e salsichas fritas sobre a bancada. Agarro um copo de suco.

–Eu só passei pra trazer uns últimos documentos para você. E entregar o Angus pro Jude. Esse cachorro tava me matando.

Vejo Angus abanando o rabo de um lado para o outro enquanto saliva em minha cerâmica preso á perna do seu dono.

–Espero não ter problema termos um cachorro em casa. –Diz Jude.

–Tudo bem. Angus é da família. –Sorrio.

–Eu tenho que ir, vou pegar Reiser no aeroporto... Parece que todos os velhos amigos estão sendo tragados para dentro dessa cidade de volta. –Alice corre e bate a porta.

–Sendo tragados? –Pergunto para Jude.

Ele sorri e vira a frigideira com mais salsichas.

–Você não sabia? Reiser foi embora pouco depois da morte de Ayne. Uma semana depois... Você ainda estava aqui.

–Eu achei que ela tinha ido fazer uma viagem aos seus tios. –Digo juntando as sobrancelhas no topo da testa.

–E foi... Mas ela nunca mais voltou. Até... –Ele morde um pedaço do pão. –Hoje.

–Porquê? –Pergunto começando a comer.

Dois minutos se passa em silencio até que um de nós abra a boca.

–Talvez por ser seguro voltar agora? –Jude meio que pergunta e afirma.

Acabo de tomar meu café da manhã. Puxo a chave da livraria e prendo em uma corda, vou até o vão de livros e me tranco pelo lado de dentro. Pego todos os documentos relacionados á morte de Ayne e guardo embaixo de uma tábua no chão. Saio do lugar e tranco novamente, a chave fica presa em minha bermuda e logo depois é despejada em uma caixa embaixo de minha cama.

Não quero ninguém tendo acesso aquele lugar, não enquanto eu entender o que aquilo realmente quer dizer...

Pego as chaves do velho Mustang 79 de cor vermelha e saio de casa. Pelo retrovisor vejo Jude e Angus pintando uma das paredes do segundo andar, a casa realmente começa a parecer melhor. Passo em uma central de material de construções e acabo comprando pinceis novos. Volto ao carro, há uma marca de cigarro no banco do carona, quando passo os dedos posso ver Ayne e eu estacionados com Lilian, Reiser e Phelipe no banco de trás. Nós quatro fumávamos maconha olhando a cidade do alto e eu acabei deixando o cigarro cair no banco. Ayne quase me matou dizendo que sua avó perceberia. Eu pedi que ela dissesse que o cigarro era meu, eu era o favorito da velha... Ela não brigaria com Ayne.

Quando vou ao mercado acabo esbarrando com uma velha amiga de minha mãe que fica gastando meu tempo dizendo o quanto estou grande e bonito, perguntando como minha mãe está e dizendo que não queria comentar mas acha estranho que eu volte a casa de Ayne já que ela morreu, eu respondo com um simples ‘A casa não é mais de Ayne, é minha agora’.

Pago no caixa e corro para o carro, do lado de fora, enquanto dirijo... Parece que o mundo passa como um flashback, tudo se torna um borrão preto e branco e quando dou por mim, estou estacionado na frente da casa de Phelipe. No lugar onde eu estive dois anos, oito meses, quatro dias e algumas fodidas horas atrás. No lugar onde eu estive quando Ayne Clearwater decidiu morrer.


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Notas finais do capítulo

E então... Vocês acham que Ayne se matou ou foi assassinada? Qual será o motivo da volta de Reiser para a cidade? Quem é Phelipe? Porque Jude precisou morar com Ian? Até onde Ian vai ir para conseguir descobrir a verdade? O que é a verdade? Afinal... É sobre isso que o livro fala. Sobre o que é a verdade. Deixem um review dizendo o que espera para o futuro da história e contando o que achou do capitulo 2. :)) Até... amanhã talvez?



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