A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 3
Estirada como um pedaço de carne




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Quando me dei conta que estava estirada no chão e vi um monte de pessoas á volta, percebi que estava acordada.

Fiquei feliz por não estar inconsciente. Rapidamente senti minha perna esquerda dolorida e logo após isso, uma dor aguda na mão que eu havia me apoiado estava aparecendo. Desde pequena sempre odiei multidões e Lívia sabia disso, ela apareceu dentre os idiotas que riam do meu sofrimento. O toque do sinal me salvou e todos foram para suas salas. Avistei Lukas a poucos passos de mim que rapidamente me pegou no colo e me levou para a enfermaria.

“Que sorte a minha do meu irmão estudar no mesmo período que eu e o bom... ele é sarado” pensei.

“Tudo vai ficar bem maninha...”.

Ouvi Lukas pensando. Eu não podia ser tão pessimista o suficiente pra não curtir o colinho dele. Fiquei acordada todo o tempo ouvindo a discussão patética do diretor do colégio com o meu irmão de como aquele acidente tinha acontecido.

Resolvi tomar uma iniciativa, eu estava sentindo dor e aquele papinho furado não estava adiantando nada.

– Aí! Eu ainda estou aqui, será que dá pra alguém ver o que aconteceu com a minha perna e com a minha mão! - Gritei e consegui fazer todos prestarem atenção em mim.

Longe de mim estavam a Lívia, o Lukas e o diretor. Senti falta do Lô e da companhia dele quando estou sozinha.

E será que ele esta bem?Aquela confusão na minha cabeça será que ele sumiu?

– Ah! - gritei sem perceber - Onde está você Lô? – Choraminguei.

– O que foi Clarinha? - Perguntou Lívia.

– Onde está o Lorran? Ele foi embora? – Perguntei.

– Ele esta sumido desde que você caiu, e depois que o seu irmão te pegou no colo eu não lembro de ter visto ninguém - ela tentou explicar, mas ela também parecia estar preocupada - Clara posso te fazer uma pergunta bem besta? - Agora ela murmurava.

– Pode. - Aquele tom dela estava me deixando nervosa.

– Você é a fim do Lô?

– Não! Por quê? Nós somos apenas amigos. - Falei sem pensar duas vezes.

– Eu... É que... – ela gaguejava - Eu vou procurar ele está bem?

– Vai tranqüila! Eu espero...

Ela fez que sim com a cabeça e se afastou me deixando somente com o Lukas e o diretor que ainda estava aos berros.

Por mais que o Lukas discutisse com o diretor pra ficar ali comigo até mamãe chegar não adiantaria ele já tinha uma opinião formada.

– Não, não e não. - Insistia o diretor.

– Não precisa Lukas eu estou bem. - Falei antes que me estressasse.

No fundo, no fundo eu queria dizer que estava bem mal, mas isso só iria deixá-lo mais irritado.

Ele olhou pra mim com uma cara de desaprovação e pisquei para que ele entendesse (ainda bem que ele sacou rápido). Antes de sair ele me deu um beijo na testa e fiquei sozinha naquele quarto branco. Adormeci por alguns minutos e pude ouvir um pedido de desculpas ao pé do meu ouvido, cheguei a pensar que era a minha consciência (santa ignorância), mas resolvi abri os olhos para checar. Abri os olhos e vi Lorran de cabeça baixa resmungando alguma coisa que parecia imperceptível pra mim.

Que bosta! Eu senti a necessidade de levantar o rosto dele, mas não pude. Minha mão doía demais e nem sei o que aconteceria comigo se me mexesse.

Enquanto eu o fitava, ele nem desconfiava, até que a porta da enfermaria se abriu bruscamente. Era minha mãe. Não me dei conta do tempo que tinha passado ali e nem percebi que o cochilo que eu tinha tirado talvez tivesse durado tempo de mais.

Lorran pulou da cadeira e tentou ficar em pé, dava pra perceber o quanto ele estava cansado.

– Quer que eu a ajude a levá-la para o carro, tia Sandra?

Mamãe adorava quando ele a chamava de “tia”, até hoje não entendo o porquê (ela simplesmente gosta).

– Eu já estou acostumada a carregá-la... Não se preocupe, me liga para... Você sabe do que eu estou falando!

Alguma coisa ela esta tramando, mas eu estou cansada de mais pra desvendar mais um rolo da minha mãe.

O remédio que eu tomei assim que caí era muito forte, nem senti Sandra me tirando da cama. Pela segunda vez em apenas uma semana eu estava a caminho do medico. Chegando lá, o Dr. João me cumprimentou de modo diferente sem o tom monótono, hoje ele parecia estar feliz ou esperançoso até!

Ele examinou minha mão e me deu os parabéns por quebrá-la. Por sorte se houvesse velocidade, talvez tivesse acontecido coisa pior. Só pensar em mais problemas a dor cabeça voltou.

E ainda pra completar coloquei um tipo de tala, um bagulho doido lá, na minha perna. Assim que acabamos os exames o Dr. me chamou para uma conversa séria e que mudaria todos os meus dias a partir de hoje.

– Clara, eu andei pesquisando um caso de uma amiga minha, que infelizmente não está mais aqui...

– Ela morreu? Sinto muito. - Falei sem pensar.

– Não Clara, ela não morreu – disse ele rindo – A Drª. Luiza Barbosa mora hoje em Roma, foi pra lá por motivos pessoais e fazer pesquisas sobre sua doença...

– Minha? - Falei alto de mais.

– É ela tinha um paciente com uns problemas parecidos com os seus, e hoje ela me mandou um e-mail perguntando se tinha notícias dele, mas eu procurei nos arquivos e vi que ele não aparece aqui há uns 11 anos.

Meu rosto congelou. Fazia quase 12 anos que eu freqüentava a clínica Olhei o Dr. João e falei:

– Mas Dr. João, você entrou aqui na clínica, porque foi indicado pela Dr. Luiza para ficar em seu lugar, não é verdade?

– Como você ficou sabendo disso eu não sei, mas é verdade. Não precisa de tanta formalidade eu te conheço há anos, e estou cansado de ser tratado como um velho. Só me chame pelo primeiro nome.

Suspirei de alívio, chamá-lo de Dr. João Frederico Duarte não era lá mil maravilhas, mas eu continuava tensa tinha me acostumado com a formalidade, e queria saber mais informações sobre esse caso.

– Obrigada João, mas se você tiver qualquer novidade você me avisa, por favor? - Eu implorava.

– Com certeza, Clara, eu estou animado com essa notícia e vou procurar saber mais coisas.

Saímos do consultório e fomos ao encontro de Sandra na sala de espera.

– D. Sandra eu já expliquei tudo direitinho pra Clara que ela pode tirar a tala amanhã e o gesso só no final do mês. - Ele disse piscando pra mim.

Despedimos-nos e voltei com mamãe para casa. Aquilo me surpreendeu, talvez existisse alguém como eu! Eu não estava acreditando, aquela era minha chance de conversar com alguém que me entendesse exatamente. Ao mesmo tempo me senti triste, espero que essa pessoa também não tenha sofrido o mesmo que eu. Voltei pra casa pensando somente nessa pessoa, ao menos imaginando e cruzando os dedos para que possamos nos conhecer. Uma amiga, ou amigo como eu. Sonho. Dentro do carro o silêncio predominava menos os pensamentos de minha mãe preocupados comigo. Ela estava exausta e mesmo assim bolando mil coisas para o jantar.

– Mãe, não se preocupe comigo, hoje podemos lanchar, que tal? É sexta-feira relaxa! – tentei acalmá-la – Quando você chegar a casa, toma um banho e descansa que eu me viro ok?

– Ah filha muito obrigada!

Dentro da minha cabeça eu sabia que se eu não fosse um tanto “diferente” ela não precisaria se estressar e andar com o carro pra lá e pra cá. Sandra é meu exemplo, mesmo depois do trabalho que eu dou a ela, ainda se preocupa se vou ou não gostar do jantar. Ela merece mais... Tive uma idéia. Chegando a casa tentei me mostrar o mais independente possível para que ela se tranqüilizasse. Dava para andar fazendo um esforço, mas mesmo assim aquela dorzinha nunca cessava. Fui direto para o meu quarto, pelo menos uma alegria no dia: estava chovendo. Em meia hora saí do meu quarto e nem vestígio de Sandra na cozinha, ela havia ouvido meu conselho, tomou banho e agora está ferrada num sono de pedra. Ótimo! Pelos meus cálculos Lukas tinha saído com Flávia e chegaria bem tarde, hoje para ele era dia de farra.

– Tenho que colocar meu plano em prática. - Repetia a mim mesma convicta da besteira que ia fazer.

Fui ao meu quarto, fechei a janela, peguei o dinheiro e parti para padaria. Reconsiderei o que tinha pensado e mudei de idéia: eu não estou fazendo nada de errado, tenho 16 anos e quero comprar pão. Quando saí do prédio instantaneamente senti uma leve dor de cabeça e à medida que eu andava a dor aumentava.

“O que está acontecendo aqui”?“ Porque eu não pedi pizza por telefone?”

Não é possível, continuei andando com a cabeça baixa e apertei o passo, quanto mais rápido eu andava mais aguda eram as pontadas. Tão atordoada pela dor, só o que me motivava a caminhar era o pensamento:

“Se fosse a minha mãe, faria tudo por mim”.

Senti que dei uma esbarrada brusca em alguém e quase fui ao chão novamente, a minha sorte foi que a pessoa era rápida e me segurou com firmeza pela mão não engessada. Estava em pé outra vez e agora a dor de cabeça tinha desaparecido olhando aquele rosto todas as dores que me atormentavam desapareceram...

Logo em seguida sorri e tentei falar algo:

– Me desculpa? Eu sou uma desastrada, eu devia olhar para onde ando, eu não te vi aí... Não que eu esteja dizendo que você é invisível.

Enrolei-me ,legal, gaguejando sem conseguir montar uma frase que fizesse sentido, e ainda por cima comecei a ficar vermelha.

Ele soltou minha mão rindo e pegou a carteira que tinha deixado cair e disse:

– Tudo bem, acontece.

Ele seguiu andando na direção oposta a minha.

Quando entrei na padaria parei de pensar em qualquer coisa e tentei ouvir seus pensamentos. Agora que eu queria tinha que funcionar! Alguns instantes de silêncio e eu pude ouvir.

Era uma melodia que ele cantarolava e mais nada, não dava para ouvir claramente, a distancia me impedia. A dor voltou só que dessa vez mais amena. Comprei o pão e voltei para casa ainda nas nuvens.

Incrível! Sandra ainda estava dormindo. Fui para cozinha, dei tudo de mim para fazer o cachorro quente da vovó Cibele, o cheiro estava maravilhoso, isso contradisse o que eu achava sobre só saber fazer doces. Mas não valia a pena acordar mamãe. Fui refletindo para o meu quarto, sobre as minhas dores de cabeça constantes, e me dei conta de que ultimamente elas não tem me dado uma trégua, são muito freqüentes. Por quê? Que raiva que me dá, tudo de ruim acontece comigo, só comigo! Caramba!

Outro discurso em vão no mesmo dia, outro discurso inválido, porque Deus não me responderia. Era o que eu pensava, quando virei às costas para a janela um trovão estremecia lá fora e eu que esperava uma resposta não me contive e também tremi. Olhei pela janela os raios e trovões que tanto amava, ainda me pergunto por que esses fenômenos me encantam tanto. Já fiz inúmeras pesquisas sobre eles e acho que sei mais do que deveria saber. Para mim a natureza é um dos melhores presentes que alguém poderia receber. É pena que não esteja sendo valorizada como deveria, o mundo está mudando. Olhei minha árvore particular e fiquei triste por pensar que ela pode não estar comigo por mais tempo devido a essas mudanças.

Cheguei a uma conclusão besta e pior, falei em voz alta:

– O que causa minha dor só pode ser um garoto!


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