A última primavera escrita por Valerie


Capítulo 20
Último




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Teimoso como sempre ele tinha razão. Procurei uma forma de distrair-lo puxando papo.

– Como conseguiu esses machucados?

Ele riu e falou com a maior naturalidade:

– Depois que te vi desmaiada nos meus braços, eu fiquei descontrolado e saí quebrando tudo. Aí algumas pessoas ficaram com medo dos meus olhos vermelhos e atiraram coisas em mim.

Tinha que mudar de assunto rápido, aquele não era o melhor a se falar. Conversamos sobre sua capacidade de ler mentes.

– Eu também não entendi, só sei que veio de repente, junto com uma lembrança que não é minha. Era como se eu estivesse escondido em algum lugar observando um casal brigando...

Fingi que não ouvi e continuei limpando suas feridas abertas que provavelmente doíam.

– Comigo também foi assim, eu vi um casal morto, no chão, uma mulher ruiva e um homem moreno, os mesmo que eu vi numa lembrança um dia antes da formatura...

Depois disso Paolo me perguntou se eu os reconheceria se os visse novamente. Respondi que sim, claro.

“Acho que já entendi tudo.”

– Entendeu o quê?

“Vai no meu terno e pega uma coisa dentro do bolso”

Fiz o que ele disse e as únicas “coisas” que encontrei foram dois papéis. Um reconheci de cara, minha lista. E o outro uma foto do casal das minhas lembranças. Sorrindo abraçados a um garotinho, felizes, num circo. Olhei para Paolo e mesmo sem entender o que ele tinha descoberto, tive a cara de pau de perguntar:

– Quem são eles?

“Meus pais adotivos. Eu tinha acabado de ser adotado por eles quando fomos passar o dia num circo. E quando voltamos para casa, os poderes tomaram conta de mim como naquela vez no parque. Só que eu não tive controle, e os matei, como tentei matar você. Eles sabiam da minha doença, mas mesmo assim me aceitaram. Ainda lembro dos gritos de Melody implorando para que eu não a matasse...”.

Toda aquela explicação agora fazia sentido, e se encaixava perfeitamente aos flashes de lembrança que eu tive.

– Não precisa dizer mais nada. Eu já entendi... - Implorei.

– Ao nos tocar passamos parte dos poderes e lembranças.

Ele dizia desviando os olhos de mim, como se sentisse vergonha do que fez.

– O casal gritando que você viu, eram meus pais. Quando se separaram. - Esclareci.

Parei de falar, era muita coisa para um dia só. Rapidamente sentei na beirada da cama e virei seu rosto de volta para mim.

– Não se sinta culpado... Eles estão te olhando lá do céu.

Ele me puxou com as mãos para deitar, e fiz o que deveria fazer. Deitei ao seu lado e pedi que ele me perdoasse por me meter num assunto tão delicado. Cantei e o ninei como uma criança, conseguir faze-lo dormir não foi fácil, mas ele se confortou e sorriu com minha ultima frase da noite:

– Hora de dormir, meu amor.

Ele dormiu e eu também, aos poucos o sol ia nascendo, clareando o quarto e dando vida as flores que tinha trazido na noite passada. Me arrependi de não fechado a cortina e a claridade me fez acordar. Ao olhar o relógio, vi que era cedo, cedo até demais pra quem foi dormir tarde. Perdi alguns minutos fitando o bebê de 19 anos ao meu lado dormindo tranquilamente que precisou de cafuné pra cair no sono no dia anterior.

Tentei contar carneirinhos, mas acho que me perdi e acordei Paolo por minha estupidez.

– Você estava no 187, ainda bem que parou porque isso dá tédio e não sono.

Me mexi assustada com suas palavras, minutos atrás ele estava ferrado no sono.

– Te acordei? - Perguntei torcendo os dedos para ouvir um não.

– Não, foi a claridade, odeio dormir no claro.

Sua voz era melhor e tinha ganhado uma aparência mais saudável.

– Vamos aproveitar que acordamos cedo e praticar. - Ele disse.

– O quê?

– Tira essa agulha que está passando sangue pra minha veia, já esta no final. Depois vai ajudar a levantar.

Teimoso e apressado, não consegui fazer com que ele mudasse de idéia.

– Você está machucado e seus ferimentos podem abrir. - Expliquei.

Ele não disse nada, só levantou o lençol que o cobria e arrancou alguns curativos. As feridas que limpei ontem, hoje não passavam de arranhões. Me pediu apoio, e eu dei mesmo sem ter coragem de ser cúmplice de seus atos insanos. Abriu um sorriso quando conseguiu levantar, como o meu que o encorajava a tentar andar.

Aos poucos soltei seus ombros, segurando somente pela mão até deixá-lo em pé sozinho. Rimos e fiz questão de abrir uma água do frigobar, como forma de comemoração. Ele esticou os braços, me convidando para um abraço, fui sem medo de machucá-lo e me surpreendi com sua frase ao pé do meu ouvido.

– Tudo que tem preço é barato, pois pode ser conquistado. E o preço de estarmos juntos é a nossa vida.

Não tive tempo de bolar uma resposta a altura, porque a porta se abriu bruscamente.

– Mamãe? Bom dia.

Soltei o Paolo com o susto. Sua expressão era difícil de decifrar. Nem brava, nem pulando de alegria, nem preocupada, ou chateada. Era mais para... Surpresa.

– Paolo, querido saiu do coma! E Clara, faz o favor de me explicar o que o padrinho do Paolo está fazendo na sua cama e não você.

Ai Jesus Cristo, ela colocou as mãos na cintura. Lá vem bomba.

– Eu vim fazer uma visita ao Paolo e como só de ouvir a minha voz ele acordou, resolvi passar a noite aqui, talvez ele ficasse logo bom.

Cutuquei-o para que ele não me desmentisse, mas não foi preciso, ele tomou a frente do problema e deu sua explicação.

– Na verdade D. Sandra, eu pedi que a Clara ficasse.

– Mas o que aquele homem roncando na sua cama tem a ver com isso?

Kaylon surgiu bêbado de sono com cabelo desgrenhado e o rosto marcado.

– Eu? Hã... É uma boa pergunta.

– Aproveitando que estão todos aqui quero pedir a dona Sandra que me permita namorar a sua filha.

Senti meu queixo caindo, lágrimas fluindo, pernas, braços, mãos e lábios tremendo ao ouvir aquilo. Tudo era perfeito demais.

– Desde que namore em casa, e vestido, pra mim tudo bem. Já esta na hora da Clara desencalhar. E não me chame de “Dona”, por favor.

Ele riu e foi até a mochila de roupas que estava jogada no sofá e vestiu de propósito uma camiseta escrita: paz e amor. Eu continuava parada como uma estatua, absorvendo informações.

– Está tudo bem? - Perguntou Paolo passando a mão no meu rosto.

– Tudo ótimo. - Falei segurando suas mãos.

Para completar o brinde de água, chega o Dr. João que por sinal se chocou ao entrar no quarto.

– Vou examiná-los, mas não os prendo aqui nem mais um dia, estão em ótimo estado, isso é um milagre.

Por fim, tivemos alta e saímos todos juntos para comemorar. Almoçamos: Eu, Paolo, Mamãe, Lukas (que não conseguia aceitar a diferença de idade entre Paolo e eu, eu acho que ele esta fazendo charminho porque também é mais novo), Flávia, Lorran, Lívia, Kaylon, Dr. João, Vovó Cibele. Unidos, comemorando nossa saída do hospital.

– Filha, nem assim que terminarmos de almoçar você podia sair com Paolo e seus amigos pra comemorar o namoro, que tal?

– Amei a idéia, mãe!

O almoço foi aproveitado por cada um, a comida era boa e o ambiente era de alegria. Combinamos de ir ao parque, hoje seria o último dia dele cidade e se não fossemos teríamos que esperar até o ano que vem.

A idéia veio diretamente de Lorran que prometeu trégua ao Paolo desde que ele dissesse onde ele compra suas blusas.A caminho do parque me contou sua historia resumida. Mas era o suficiente para entender seus motivos de silencio a cada vez que certos assuntos vêm a tona.

Ele foi abandonado pela mãe biológica, que não aceitava o filho por ser diferente das outras crianças, num orfanato. Foi adotado varias vezes e devolvido todas às vezes. Até ser adotado por Melody e Breno que morreram quando Paolo teve seu primeiro descontrole de poder. Ele não voltou ao orfanato por medo e fugiu de casa. Morou na rua por meses até Kaylon (irmão de Melody) colocar toda a polícia do bairro atrás dele, e o encontrar. Depois disso ele entrou em tratamento com a Drª. Luiza Barbosa até saber sobre mim. Aos nove anos ele desistiu do tratamento e dos remédios que não tinham efeito. A Drª. Luiza viajou a procura de outros casos parecidos e ele começou a me vigiar.

– Você era tão pequena e fraca, que eu não tinha coragem de chegar perto.

– Sério? Eu nunca o vi, só sentia dores e mais dores.

– Eu pensava que sua cabeça fosse explodir se tocasse em você, mas me dei conta que suportava no dia que esbarrei em você na padaria.

Andei mais devagar para saber mais de como ele me via antigamente. Era engraçado.

– Chegamos, em qual quer ir? Perguntei.

– No que a gente deveria ter ido há um mês.

Roda gigante.

Lá em cima, já dentro da cabine vimos juntos o por do sol. Antes de falar qualquer coisa ele me agarrou, me deitando no seu colo, macio e seguro. Olhei seus olhos e vi que nada iria nos separar.

Enquanto nossos lábios se tocavam, o beijo que se formou teve direito a uma trilha sonora, mas dessa vez era eu quem pensava.

“A melhor a parte de mim levo meu caminho até você;

Isso é o que me deixa mais forte, me faz tão bem...

Me faz tão bem que perco o medo.

E me sinto melhor, já posso enfrentar todos os meus problemas.

Pois agora sei, que quando acabar você vai estar aqui.

Eu posso ver, posso sentir.

Quando tudo acabar será você e eu,

Mais uma vez posso sentir, a melhor parte de mim.”

No mesmo instante ele descolou nossos lábios e abriu um sorriso enorme. Seus pensamentos eram iguais aos meus.

“Eu amo você”

– Posso te perguntar uma última coisa? Perguntei.

– Sim, mas só essa, chega de perguntas por hoje.

– O que estava fazendo no parque no dia em que nos conhecemos? Sabe, no meu aniversário.

Corando em seu colo eu ansiava pela resposta, e ele me respondeu calmamente:

– Esperando você.

Eu já não sentia mais o vazio no meu peito, ele estava transbordando de amor, e essa primavera que passou foi a última que eu pensei estar sozinha.


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