Quando chove no mundo de alguém escrita por Tio Memphis


Capítulo 3
Capítulo 3 - A vontade de viver.




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"O que está acontecendo? Onde estou?" Meu corpo estava flutuando, mas havia algo diferente naquele mundo, estava tudo escuro, mas eu podia me ver claramente. Havia algo gelado percorrendo meu corpo, mas eu não podia me mexer, "correntes", "mas o que está acontecendo?"

Não importava o quanto eu me debatesse, as correntes não saiam do meu corpo, eu não caía, e a escuridão não se dissipava, então o pânico tomou conta de mim, coração disparado, respiração irregular, comecei a me debater mais violentamente, então o verdadeiro pesadelo começou.

Como se já não bastasse aquela situação, as correntes começaram a apertar, então a vida começou a passar pelos meus olhos.

"É assim que tudo vai acabar? É isso que nós vemos nos nossos últimos momentos?", as correntes estavam ficando cada vez mais rentes a minha pele. Quando as correntes começaram a apertar violentamente eu percebi que o fim era inevitável, percebi que era inútil lutar, "acho que agora é hora de morrer, que seja rápido pelo menos", então me entreguei.

Nesse pequeno espaço de tempo todos os arrependimentos vieram à minha mente, todas as coisas que deixei de fazer e todas as vezes que eu poderia ter dado tudo de mim e simplesmente deixei de lado pelo medo de tentar. É a mesma coisa de quando você deita para dormir e pensa em tudo que poderia ter feito no dia e não fez.

Milhares de momentos passaram na minha mente como um relâmpago, rostos de pessoas que considerei importantes para mim, rostos de pessoas que me feriram, rostos de pessoas que feri, meu próprio rosto que cheguei um dia a odiar, mas com o tempo aprendi a conviver comigo e com tudo o que eu não poderia ser, todo o arrependimento, toda a culpa, tudo, tudo passou por mim naquele momento.

— Porque você está desistindo? — ouvir a voz daquele garotinho me fez esquecer de todas aquelas lembranças — Você ta tão desesperado pra morrer? Não tem mais nenhum motivo pra viver?

"Como uma criança pode fazer tudo isso com a minha mente?". Nesse momento os pensamentos se voltaram para aquilo que eu não pensava a muito tempo. "O que me faz seguir em frente?". Me obriguei a pensar no que me fazia feliz, no que me dava esperança, mesmo que o momento me levasse a pensar que tudo estava perdido, e foi isso que me deu força. As correntes apertavam violentamente, podia sentir o sangue escorrendo de várias partes do meu corpo, mas mesmo assim fiz mais um esforço desesperado para me soltar.

Não sei muito bem o porquê, mas ver aquele garoto me observando me fez persistir, "Não aqui, não agora, não vou deixar esse garoto sozinho aqui, não quero mais ficar sozinho, não, eu não posso morrer!". Por algum motivo, pensar no que eu estava deixando para trás, em tudo o que eu prezava, fazia a dor das correntes diminuir, e o olhar piedoso daquele garoto era como um abraço reconfortante.

"Não sei bem o porquê eu continuo lutando, afinal, quais são as minhas motivações?", hesitar fazia meu corpo doer, como agulhadas no fundo da minha alma, então o pequeno garoto se aproximou de mim, eu podia sentir o alívio da pequena presença.

— Porque tantas dúvidas?

Algo dentro de mim despertou naquele momento, abri meus braços com toda a força que consegui arranjar, num último ato desesperado para sobreviver, "se isso vai partir meus braços, não importa, só quero seguir em frente, não posso morrer com tantas dúvidas", então ouvi as correntes quebrando e soltando da minha pele.

"Dói", pensei, "dói muito", as forças estavam quase abandonando o meu corpo, eu sabia que iria perde os sentidos. "Não! Não desmaie! Você não pode morrer aqui!". Me forçando a permanecer acordado eu senti quando parei de flutuar e comecei a cair, "Ótimo, a queda vai me matar agora!", mas para a minha surpresa apenas aterrizei suavemente no chão, como uma criança que a mãe coloca levemente no berço.

Agora aquele mundo não era mais um mundo negro, nem mais o mundo branco imaculado, sim, agora ele estava branco, mas meu sangue escorria sando um tom escarlate ao chão, "enfim um pouco de cor nesse mundo, que ironia...".

O pequeno garoto continuava a me observar, parado, como se estivesse em uma distância segura, olhando com curiosidade, não era mais pena, não era medo, não era mais compaixão, apenas curiosidade, fria a calculista curiosidade.

— Porque não desistiu? — perguntou com uma curiosidade puramente verdadeira.

— Não podia morrer em um lugar desses, e não podia deixar você sozinho.

Ele sorriu, aquilo me assustou, não por ele ter sorrido, mas pela sensação de paz que habitava naquele sorriso sincero, não pude deixar de sorrir de volta, mesmo com a dor, mesmo depois de tudo que havia passado, só consegui sorrir de volta.

— Garoto, seja sincero, eu e você somos a mesma pessoa? — embora me sentisse um tolo, tive que perguntar.

— Isso seria impossível! — disse ele, mas agora com um sorriso totalmente diferente.

— Por um momento cheguei a pensar que você era eu, acho que isso é uma loucura.

— Não somos a mesma pessoa, você não é a mesma pessoa de ontem, nunca somos a mesma pessoa, você fez questão de esquecer de mim, tenta fazer isso todos os dias, então nunca vou ser o mesmo.

— O que é você? — "enfim encontrei a pergunta certa".

— Achei que você me reconheceria, mas acho que estava muito errado, não importa agora, você está muito machucado — disse ele se aproximando.

Lembrar dos meus ferimentos fez meu corpo latejar violentamente, a dor me fazia tremer, meu sangue esfriou. Então ele se aproximou mais, algo em seu olhar parecia piedade, então vi que suas mãos brilhavam, e quando encostou em mim pude sentir algo correndo por todo o meu corpo, senti as feridas se fechando, senti toda a angustia desaparecendo. Enquanto aquele pequeno garoto me curava, pude perceber.

"Sim, não é a toa que ele é tão familiar, sou eu, aquele garoto não sou eu, mas é uma parte de mim, mas o que ele quis dizer com tentar esquecer?"

Naquele momento não fazia sentido perguntar, eu podia ver o cansaço no rosto do garoto enquanto ele me curava, então simplesmente o observei enquanto ele me salvava, e pelo que eu senti, não era a primeira vez.


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