Dark as night. escrita por ThEmzi


Capítulo 2
Sonho.


Notas iniciais do capítulo

Esse é o primeiro capítulo e espero realmente que leiam e gostem. Aceito sugestões e críticas (desde que sejam construtivas), ainda estou planejando a história de um modo geral, mas já estou gostando, então.. rs Boa leitura!



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– Os Gors o seguiam mata adentro, mal sabiam os monstros que o fugitivo era um grande caçador. Ele havia preparado armadilhas por toda a floresta, pois sabia que viriam atrás dele, atrás da vila onde ele vivia. – As crianças à minha volta esboçavam a surpresa e apreensão conforme eu contava a história, a mesma de sempre. – O caçador atraía as criaturas rapidamente para suas armadilhas, e aos poucos eles eram eliminados! – Diminuí o tom de voz, dando suspense. BAM! Três caíram em um buraco de espinhos, mas ainda havia um grande número atrás do homem. Ele continuou a correr, colocando todas as forças que lhe restavam nas pernas e dando o melhor de si para continuar. “Peguem eles!”, disse um Gor, e ele viu mais dois ativarem um tronco que desceu rapidamente, atingindo-os em cheio e mandando-os para longe. O caçador estava cansado, mas carregava um tesouro consigo, algo que precisava proteger: um ovo de dragão. Ele corria, ignorando as dores nas pernas, e então quando..

– Thena, já basta por hoje, não acha? – Serna surgiu ao meu lado, fazendo as crianças saltarem.

Perdão, Serna, sabe como é mais fácil eu me distrair enquanto conto história para elas. – Justifiquei-me, levantando e limpando as vestes sujas.

Serna era mãe de pelo menos três das crianças que mantinham os olhos fixos em mim, raramente alternando para a loira que se pusera ao meu lado. Era uma mulher jovem, acredito que não devia passar dos quarenta, mas ela nunca se deu ao trabalho de confessar sua idade. Tinha cabelos loiros curtos, um tipo de loiro mais puxado para o escuro, os olhos eram redondos e os tons castanhos eram tão simples que era o que os fazia tão bonitos. Serna também era quase uma mãe para mim, no pouco tempo em que estava na caravana atual, a mulher cuidava de mim como sua própria filha, apesar dos meus dezenove anos. Em retribuição, eu cuidava não só dos filhos dela, mas também de todas as crianças quando os pais não estavam.

– Sei bem, Thena, mas já está tarde e todos precisamos dormir. – Os lábios finos formaram uma linha reta, o que era raro. Quase sempre os lábios dela puxavam em um sorriso nos cantos.

Suspirei longa e pesadamente, pousando as mãos na cintura enquanto observava os pequenos olhos me encarando, quase todos tinham uma súplica como se dissessem para não permitir que fossem dormir, mas eu, mais que qualquer um deles, sabia o quanto era preciso.

– Vamos, todos para a cama, agora. Dormindo em três, dois, um.. – Bati palmas, chamando atenção até que todos estivessem de pé e se encaminhando para suas barracas, mesmo que o tivessem feito em meio a resmungos.

– Obrigada, Thena. Vá dormir, você precisa descansar, você sempre precisa quando seu pai sai para caçar com os outros. – Serna me conhecia muito bem, aquilo me perturbava.

– Logo vou, não se preocupe, apenas darei uma olhada para conferir se estão todos bem em suas barracas. – Garanti.

– Boa noite, garota. Bons sonhos.

– Boa noite, Serna.

Vi-a distanciar-se com seus três filhos, duas garotas e um menino, ele era o caçula e, também, o mais apegado a mim.

Eu não conseguiria dormir tão cedo, mesmo que quisesse. A noite me acolhia bem, estava escuro o suficiente para que poucos me notassem quando passei a caminhar em volta das várias cabanas da caravana que acompanhava há algumas semanas com meu pai. Infelizmente era assim que se vivia nos tempos atuais, se fosse possível dizer que isso era viver. Viver como nômades, sempre correndo de um lugar para outro buscando um pouco de paz. Não temos paz, nunca temos paz. Os Gors, Berenes e demais criaturas estão sempre por aí, e nunca nos deixarão em paz até que encontrem quaisquer sinais d’O Nascido.

Meu pai havia ido caçar com os outros homens mais uma vez, e eu estava mais uma vez em conflito comigo mesma, apreensiva sem saber quando veria meu pai novamente, ou se sequer o veria. Nunca se sabe quem voltará vivo de uma caçada, essa era a razão para que eu sempre fosse contra meu pai ir junto, mas ele se sentia na obrigação de fazê-lo.

Demorei a voltar para minha cama, ou melhor, meu saco para dormir, feito de algumas peles de animais que eu sempre colocava sobre a grama do lado de fora das barracas. Eu era a única a dormir do lado de fora todas as noites. Não chovia e nem mesmo nevava há algum tempo, o ar estava fresco e eu ouvia perfeitamente o som dos animais na mata não muito distante. Aquele campo aberto em que a caravana estava era e ao mesmo tempo não era algo vantajoso. Poderíamos ver qualquer um se aproximar caso isso ocorresse, mas também éramos alvos fáceis ficando em um local tão visível. Era perturbador.

Tentei fechar os olhos e dormir, balançando a cabeça de um lado a outro repetindo a história do caçador em minha mente como meu pai sempre contava quando ainda era pequena. Gostava de me lembrar das noites em que eu tinha paz, que meu pai ainda permanecia comigo por saber que eu precisava dele, por saber que ele sempre foi tudo que tive em minha vida.

Há dois dias estávamos ali, e em menos de duas semanas perdemos mais de quinze pessoas, especialmente crianças e mulheres. Tudo por culpa d’O Nascido.

– O Nascido.. – Ri com escárnio, colocando o braço sobre os olhos quando os senti úmidos. Eu não iria chorar, eu não podia chorar.

Limitei-me a observar o céu, não havia sequer uma estrela e eu preferia daquela maneira. Por inúmeras vezes me peguei pensando no tal Nascido. Ele não estava em meu pequeno grupo, e nem nunca esteve em nenhum outro grupo pelo qual passei nos meus dezenove anos de vida. Anos e anos vi magos e criaturas encontrarem crianças que possuíam – por sorte ou azar – alguma dose de poder, o que atraía quase sempre os monstros que acabavam com nossa paz.

Temos magos conosco agora, dois ou três, fracos, mas que ainda assim sentiriam o poder d’O Nascido a quilômetros. Tal ser não estava entre nós e ainda assim perdemos crianças e mulheres por culpa dele. Eu passei a odiá-lo sem nem mesmo conhece-lo. É difícil demais ter de aceitar que crianças e mulheres morrem todos os dias por alguém assim.

Estava cansada e ainda pensava em meu pai, atentava-me aos sons sempre que conseguia me concentrar bastante. O vento, animais rastejando e caminhando à distância, e o velho aperto no peito por não saber o que estava por vir nos próximos segundos, minutos, horas.. Tudo era tão incerto quanto qualquer outra coisa. Apenas a morte nos era garantida, apenas a certeza de que tudo acabaria um dia. Eu só queria poder ajudar a evitar algo doloroso e torturante, queria poder ajudar todos a descansar e relaxar, a dormir sem ter que dormir com o pensamento de que a qualquer momento tudo poderia acabar.

Não me dei conta de quando adormeci mas, quando acordei, desejei não tê-lo feito.


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Notas finais do capítulo

Qualquer errinho ou trecho mal construído, me avisem. Beijos.