Você estava deitada no sofá, sem forças para levantar nem sequer um dedo. Estava passando aqueles documentários sobre bichos, da Discovery. O habitat natural dos Puffins, incríveis animais islândicos. Isso só serviu para te lembrar do que você queria esquecer a todo custo. Seu telefone começou a tocar pela milésima vez aquele dia, você decidiu que iria ignorar todas as ligações. O maldito aparelho emitiu o som cortante e muito animado da sua própria voz.

– E aí!? Você está ligando para (S/n)! Deixe sua mensagem depois do beep que mais tarde eu te respondo, ok!? – Disse o aparelho no volume mais alto possível, te irritando. – (S/n)? Moi moi! É o Tino. É... Eu só liguei para saber se você está bem. Nós estamos todos nos perguntando por que você sumiu de repente. Está tudo bem? Você pode me procurar se precisar de qualquer coisa. Liga pro Emil. Ele parece ser o mais preocupado de todos. Se cuida. Berwald, Lukas e o Mathias mandaram um abraço! Não se esquece de ligar pro Emil, ok?

Seus olhos se fecharam quando Tino desligou o telefone. Você não ia ligar de volta, muito menos ligar para Emil. Você precisava de um tempo pra pensar, um tempo pra desembaraçar seus neurónios e consertar o que o seu coração tinha feito. Você não podia mais olhar para Emil depois daquela noite. Aquela maldita noite que você desejava apagar da sua memória para sempre. Aquela droga de noite.

Os olhos arregalados e azuis de Emil voltaram a assombrar sua cabeça. O maxilar do rapaz tinha caído e se recusava a se levantar. Tarde de mais pra voltar atrás. Você já tinha ido longe demais para desistir.

– O que você disse?

A vontade de rir e dizer que era tudo uma pegadinha e falar o famoso “ Você tinha que ver a sua cara!” era enorme. Mas não dava mais para voltar.

– Eu gosto de você, ok? Muito. Muito mesmo. Mais do que o normal. Eu gosto muito de você.

O vento gelado bateu nos seus rostos, bagunçando seu cabelo. O silêncio te incomodou. Emil estava lá, te encarando como se você tivesse acabado de atropelar um bebê.

–Você só pode estar brincando com a minha cara. Eu não estou acreditando nessa... Palhaçada de novo.

Depois disso você foi embora. Não queria mais ficar ali. Seu peito doía, e sangrava. O autor daquela ferida era Emil, e sua indelicadeza. Como ele podia ser tão quente e protetor mas ao mesmo tempo ser tão... Frio... bruto... Um palerma! Será que ele era tão retardado ao ponto de falar assim com uma garota?

No dia seguinte você se premiou com seu prato favorito e varias guloseimas. Passou o dia inteiro comendo e escutando música. Recompensa por você ter sido corajosa o bastante para abrir o jogo com Emil e por ele ter sido um babaca insensível. Depois passou mal a noite toda por ter comido mais do que conseguiria. Karma é uma vaca.

Você tinha se afastado dos rapazes, e de Emil também. Mas passava 15 minutos e algum deles te ligava pedindo notícias, perguntando se estava tudo bem, te convidando para ter uma famosa “maratona noturna de vídeo games, filmes, séries e trotes” na casa do Mathias. Tentador.

Sua caixa de mensagens apitou novamente. Repetiu a maldita mensagem, sua voz mandando as pessoas deixarem recado e o estridente apito, indicando que o recado estava sendo gravado.

– (S/n), é o Lukas. Estamos preocupados com você e com meu irmãozinho. Os dois se recusam a conversar conosco. Tino acha que ele está preocupado com sua desaparição repentina. Eu acho que aconteceu algo entre os dois. – Isso te fez levantar do sofá e correr cambaleando até o aparelhinho aonde Lukas continuava falar. – Fale com ele. Eu sei que você o ama. Reconheço verdadeiro amor de longe e só queria dizer que sua atitude é egoísta e infantil. Ah, Mathias está te chamando para ir á casa dele. Ele diz que se você não aparecer ele vai ficar chateado com você. Estamos sentindo sua falta.

A mensagem acabou, mas você continuou em pé, perto do telefone. Lukas tinha razão, você estava sendo infantil. Mathias, Tino, Berwald e Lukas não tinham nada a ver com sua decepção amorosa. O único que merecia seu distanciamento era Emil. Se ele não gostava de você, poderia ter falado em um tom mais amigável e educado.

Seus dedos agarraram o telefone e passearam pelas teclas enquanto você decidia para quem ligar. Tino? Lukas? Sua mãe? A pizzaria?

Bingo!

Nada melhor para dar um boost no seu humor! Sua barriga roncou só de pensar no motoboy com uma pizza de calabresa, o cheirinho provocando seu estomago e... A campainha toca e você se assusta. Quem poderia ser agora?

Você caminha até a porta, fica na ponta dos pés e vê quem estava na sua porta pelo olho mágico. Seus olhos se arregalaram ao ver um rapaz com cabelos claros, escorado na sua porta. Seus olhos azuis lavanda agitados e os dedos presos na campainha. Emil toca a campainha novamente, dessa vez um pouco mais impaciente. Você escora na porta e leva as mãos aos lábios.

“ Não, não, não. Não. Ai Deus! O que eu faço? Eu atendo a porta? Mando ele ir embora? Não, isso é a pior opção possível. Vou deixar ele pensar que eu não estou em casa. Isso! Eu não vou falar com ele. Não quero levar um segundo fora. Assim que ele desistir eu vou telefonar para Tino, ele vai me ajudar a esquecer Emil de vez.”

Emil tocou a campainha novamente, dessa vez repetidamente e ainda bateu na porta. Você sentiu a vibração do braço dele contra a madeira, e pela força que ele estava usando você deduziu que ele estava ficando irritado.

– (S/n), eu sei que você está aí. Não adianta fingir que não está escutando.Opna dyrnar, já?

Você abriu uma fresta da porta, só o bastante para ele ver metade do seu rosto. Você tentou parecer neutra, mas ver o rosto dele te lembrou daquela noite. Foi como uma bala no seu estomago, que você suportaria sem chorar e sem reclamar.

– Me dê três bons motivos para abrir a porta pra... Você.

– Um, se você não abrir eu vou ficar fazendo barulho na sua porta até alguém chamar a policia. Dois, precisamos conversar. E... Eu trouxe doce.

Ele te mostrou o saco de doces, torcendo para que você cedesse e abrisse a porta, e você queria muito. Queria abrir a porta, gritar e rir igual a uma louca, se jogar nos braços do rapaz islândico e revelar que não aguentava mais. Estava chutando o balde e se não fosse para ficar perto dele, você não conseguiria mais viver em paz.

O fato é que enquanto seu coração se desmanchava como papel na água, sua expressão era uma armadura de ferro que não deixaria o desespero penetrar em seu coração.

– Pode deixar o doce no tapete. Mais tarde eu pego.

Quando você ia fechar a porta, um tênis all star ficou no espaço restante para fechar a porta, impedindo que se fechasse. Emil abriu a porta e entrou sem nem mesmo pedir licença, trancou a porta e ficou com as chaves na mão. Você avançou em direção do corpo dele para tentar pegar as chaves, mas ele coloca no bolso traseiro da calça.

– Você acha que eu tenho medo do sua bunda, Emil?

– Eu sei que não, mas eu não vou deixar você tocar no meu traseiro até você ouvir o que eu tenho que te dizer.

– Eu não quero saber, ok?

Você se sentou no sofá e tampou os ouvidos como uma criança malcriada, fechando os olhos e tentando não deixar as emoções estragarem tudo.

– Vá, barn. – Ele disse dando uma risada que te fez apertar as pálpebras. – Não adianta, você continua me ouvindo (S/n).

Você sabia que se abrisse os olhos, as lágrimas que você tinha segurado desde que ele tinha entrado iriam vencer sua força de vontade.

– Eu vou tentar fazer meu melhor. Droga, eu sou horrível nisso. – Emil disse em tom baixo, desligando a TV. – Desde que você disse aquelas coisas pra mim e saiu correndo eu não consegui dormir. Fiquei pensando naquilo. O. Tempo. Todo.

Suas mãos foram se afastando das orelhas, e as lágrimas começaram a molhar seus cílios.

– Eu andei bebendo. Muito. Eu não sei se você notou mas eu estou um pouco bêbado agora. – Ele disse rindo uma risada um pouco sem graça. – Talvez isso até me ajude a desabafar agora. Skít. Tudo culpa do Lukas. Se não fosse por ele nada disso teria acontecido.

– Lukas? Do que você está falendo? – Você diz abrindo os olhos, e ficando muito confusa. Lukas de repente entra no meio da história.

– Não precisa mais fingir, (S/n). Lukas já fez isso antes. Sempre que ele descobre que eu gosto de uma garota, ele convence ela a se “declarar pra mim” como um favor. Ele nunca aprende, mas tenho que admitir: ele é muito persuasivo e manipulador. Eu já tive várias namoradas que ele as obrigou a fazer isso.

Você ficou pálida. Oi? O que? Desde quando? Por que? Lukas nunca tinha falado sentimentos e Emil na mesma frase. Pelo menos, não para você.

– Já chega, eu não quero mais ter que me enganar com essas declarações de mentira. Eu sei que meu irmão está fazendo isso para me ajudar, mas eu quero encontrar alguém que realmente me ame. Eu sei que agora você está com vergonha de encarar os outros e ter que lidar com Lukas depois de ter fracassado, mas está tudo bem. Ninguém mais sabe sobre o que aconteceu, e Lukas não está bravo com você. Ele ainda está tentando me convencer que você gosta de mim e vive falando de qualidades suas pra mim. – Ele disse com a voz tremula. Os lábios vacilando e a garganta cortando algumas letras. – Mas a verdade é que... Vocês dois me machucaram. Não é culpa sua, mas... Eu não posso acreditar que... Puxa! Ele é um rassgat! Por que tinha que ser você?

E nesse momento ele começa a soluçar forte, não aguentando a pressão. Sua barriga deu um nó e você se sentiu a pior pessoa de todas, deveria ser julgada e executada em praça pública. Agora você entendeu o que estava acontecendo, ele não queria ser rude com você. Ele tinha saído tão machucado quanto você.

– De todas as outras garotas... Ele tinha que escolher você. Eu estou apaixonado por você. Eu não consigo acreditar... Eu estou perdidamente apaixonado por você e por mais que eu tente, eu não consigo odiá-la.

Ele começou a xingar em sua língua materna, enquanto escondia a face nas mãos. Nesse momento, seu telefone tocou. Você não tinha tempo para isso. Estava agachada perto de Emil que tinha se deixado cair em uma poltrona enquanto chorava.

– Emil, por favor. Emil. Me escuta. Para de chorar. Por favor, você tem que me ouvir.

Ele continuou a chorar e a xingar em um tom de voz alto, perto de um grito. Sua voz alta e super animada mandou deixar recado depois do sinal, prometendo ligar de volta. Quando a voz de Lukas começou a falar.

– Eu liguei faz um tempo, mas eu tenho impressão de que tinha que ligar mais uma vez. Meu irmão não atende o celular e eu já deixei inúmeras mensagens no correio eletrônico. Espero que ele não tenha feito nenhuma besteira. Ele tem chegado muito bêbado em casa ultimamente, e está me ignorando. Eu não sei por que.

Emil parou de chorar quando escutou a voz do irmão. Ele se levantou e caminhou até a escrivaninha aonde o aparelhinho continuava a transmitir a mensagem de Lukas. Você temia que ele quebrasse o seu telefone, mas a única coisa que ele fez foi ficar escutando.

– Enfim. Eu quero ver meu irmão feliz. É tudo que eu mais quero. Você o faz feliz, e ele te faz feliz. É obvio e tão claro quanto a luz do dia. Eu sei que você não quer falar com ele, mas eu acho que está na hora dos dois crescerem e resolver esse assunto. Você está machucada, eu entendo, mas se você o ama de verdade deveria correr atrás dele. Eu sei que você o ama muito, mas não é saudável o que os dois estão fazendo um com o outro. Estão se auto destruindo, quando os dois podem ser felizes. Juntos. Eu suplico a você, (S/n). Encontre meu irmão. Você é a única que pode fazer com que ele volte a ser meu irmãozinho mais novo.

– OOOOOUUUUU! (S/N)! NÃO SE ESQUEÇA DE IR PARA MINHA CASA HOJE A NOITE! VAMOS PASSAR TROTE E...

O telefone foi desligado e Emil ficou parado, encarando o aparelhinho enquanto você se levantava e andava na direção dele. Ele rapidamente enxuga as lágrimas e tenta se recompor. Ele fez uma cena e tanto, você deve estar achando que ele era um idiota explosivo.

– Lukas nunca te mandou fazer nada?

– Não.

– Fáviti. Aquilo era verdade?

– É.

Vocês ficaram em silêncio por alguns segundos, depois começaram a rir. Era tudo tão estúpido, não fazia sentido. Os dois ficaram dias remoendo feridas inexistentes, tentando odiar uns aos outros quando a verdade estava estampada em tudo: no céu, nas paredes, nas estrelas no toque de telefone e no gosto amargo de uma dose de Jack.

Vocês eram dois idiotas.

Vocês dois se amavam.

– Somos muito infantis. – Você disse rindo.

– Somos.

Ele te abraçou com força, afundando sua cabeça no peito dele. E agora os restos das suas lágrimas começaram a cair e molhar a camiseta do rapaz. Ele encheu o topo da sua cabeça com beijos. Você levantou o rosto e sorriu.

– Não vamos comentar sobre isso com mais ninguém.

– Samníngur.

Ele tomou seu rosto pelas mãos e forçou os lábios dele contra os seus. Foi um beijo ansioso e revigorante. A energia passeava das pontas dos seus dedos e viajava pelo seu corpo até encontrar Emil, que trocava de energia com você. Você sentiu o gosto de Jack dos lábios dele, e para falar a verdade você nem se importou.

– ég elska þig.

– Eu te amo muito. Nunca duvide disso.