As ruas da cidade estavam vazias. Bem, não exatamente, ainda havia carros, mas estavam enferrujados e com um pouco de vegetação já crescendo a sua volta; e havia as manchas marrons de sangue seco pelos cantos aonde quer que se olhasse. Parecia com a introdução de um videogame que Charlie jogara uma vez. Em outra época ela teria achado aquela imagem o máximo; seu pensamento agora, no entanto, é que os croats podem estar lá escondidos por entre as sombras dos prédios e que eles podem atacar a qualquer momento e pode ser o fim.

Ela respira fundo e continua andando, a única pessoa que deve ser capaz de notar o seu nervosismo é a garota que está segurando a sua mão e que com certeza deve estar sentindo o leve tremor que havia nelas. Jo não comenta nada, apenas continua com a sua outra mão segurando a arma e seu olhar é direcionado ao caminho, procurando por potenciais alvos, mas Charlie tem certeza que ela percebeu porque, segundos após os tremores começarem, a outra garota passou a segurar a sua mão ligeiramente mais forte.

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A população de croats ao redor do acampamento antigo havia crescido muito ao longo dos últimos meses. Mover-se era sempre um risco, mas ficar ali parada pareceu ainda mais arriscado. Naquela noite elas e o resto do grupo montaram um acampamento provisório no alto de uma colina, bem aos arredores da cidade, e Jo acabou pegando o primeiro turno de vigia.

Já passava da meia-noite quando Charlie saiu de uma das barracas e foi a sua direção.

“Insônia?” Jo perguntou.

“Mais ou menos. Acho que eu desacostumei a dormir sozinha.”

“Eu sinto muito, o meu turno só termina depois das duas da manhã.”

“Tudo bem, eu te faço companhia até lá.”

“Obrigada.”

“Pelo menos não está tão frio. Lembra da vez que nós tivemos que ficar de vigia naquele armazém, em novembro?”

“Eu lembro que você arranjou uma maneira bem criativa de nos manter aquecidas naquela noite...”

“Pois é... Mas, mudando de assunto: porque nós estamos indo pra um acampamento que vai demorar semanas de viagem pra chegar, quando o daquele seu amigo fica só a alguns dias de viagem?”

“Nós decidimos que essa não é uma boa ideia.”

“Porque não? Uma viagem menor diminuiria muito os nossos riscos. Eu sei dos problemas quanto a suprimentos, mas é assim praticamente em todos os lugares, e-”

“Eu não quero vê-lo, okay?”

“Porque não?”

“Não é apenas isso, o outro acampamento tem a segurança bem melhor, e suprimentos; é realmente uma comunidade; é um lugar que daria pra a gente viver mesmo e não só sobreviver.”

“Tá, eu entendi, mas porque você não quer ver o seu amigo?”

“É difícil explicar.”

“Tente.”

“Ele se tornou duro. Todos nós mudamos, mas com ele é diferente: é como se tivessem tirado tudo que me fazia gostar dele e só sobrou a missão. Dói ver ele daquele jeito, e me assusta porque eu sei que daqui a alguns anos eu provavelmente vou estar igual.”

“Você não vai.”

“Eu quero acreditar nisso, mas é difícil às vezes...”

“Essa é uma referencia a X-Files?”

Jo sorriu e pôs a palma da sua mão contra o seu rosto.

“Meu deus! Como eu acabei com a maior nerd do universo?”

“Acho que é uma combinação de bom gosto com pura sorte.”

“Essa foi uma pergunta retórica.”

Charlie riu.

“Você realmente é, sabe?” Jo comentou.

“A maior nerd do universo? Sim, eu estou bem ciente disso.”

“Não! Quer dizer, isso também, mas eu estava me referindo à sorte. Te encontrar foi a maior sorte que eu dei nesses últimos anos.”

“Obrigada. Igualmente.”

Charlie encostou a sua cabeça no ombro da loira. Jo beijou de leve a sua testa e ficaram em silencio assim, olhando para o céu e para cidade infestada no horizonte.