Gris escrita por Petit Ange


Capítulo 9
Capítulo 8: Dive Into the Heart




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GRIS
Petit Ange

Todas as famílias felizes são iguais. As infelizes o são cada uma à sua maneira.
~ Anna Karenina (Tolstói).

 

 

 

Capítulo 8: Dive Into the Heart. [26]

 

- É verdade... Eu matei Ienzo...

Demyx engoliu em seco.

- Seu irmão, Ienzo? – na verdade, não era para ele ter se surpreendido. Era normal; Zexion nasceu de uma mãe e de um pai, e muito provavelmente tinha irmãos. Não era nenhuma surpresa.

Mesmo assim... Que face era aquela?

Pelos deuses, que Zexion era aquele que estava se corroendo em culpa? Que estava... Se importando?

Ele sempre foi-lhe gelado. Dava-lhe a impressão de gelo puro. E, mesmo assim, a igual impressão de “negro”. Não era o branco da neve; por mais que tivesse uma aparência efêmera, por assim se dizer, não era alguém a quem se associa a pureza e a brevidade.

Zexion era alguém a quem inconscientemente se atribui a negritude, o mistério, as portas fechadas de um templo construído em pedras ásperas e gélidas.

...Seria esse o interior do templo?

Onde ele, na verdade, adorava o único irmão?

- ...Como assim, você “o matou”? – não. Era um erro. Demyx não devia interpretar aquilo literalmente. Sabia disso também. Mas a pergunta saiu sozinha. – Você... Zexy, você...

- Eu o deixei lá sozinho. Não é diferente de deixar um coelho na toca dos lobos. Não é diferente... De tê-lo matado. – sussurrou.

Alguma parte muito racional de si, talvez aquela que ainda não havia sido calada pelo poder absoluto do sake, ordenava que ele parasse de falar agora mesmo.

Que se calasse, como sempre fazia, e dissesse “agora é minha vez de novo” ou “bem, é isso”. Mas a outra parte não queria mais ficar quieta.

Aquele poder era intoxicante. Uma confissão não difere muito, em base, de um batismo; ambos lavam uma alma. Ambos purificam alguma coisa lá dentro, fazem perceber que, enfim, você pertence à algum lugar.

Zexion sempre desprezara esse poder, talvez porque, no fundo, bem no fundo, já soubesse o quão doce podia ser. Era preferível sentir sempre o mesmo sabor amargo no fundo da garganta do que, um dia, entrever uma única chance de poder, enfim, permitir-se viciar naquela textura doce do fato de alguém simplesmente ouvir. Nem julgar nem concordar, apenas ouvir.

Estava havendo, e isso ele podia sentir, uma grande batalha dentro de seu próprio coração inexistente. Em nenhum momento ele moveu um músculo, mas sentiu claramente que o suor brotaria de si se assim continuasse.

Então, encarou Demyx. E percebeu que aquele foi seu pior erro.

Qual é o nome daquele azul dos seus olhos que, num primeiro momento, ele quase achou que fossem verdes-água? “Azure”, não é?

Dependendo do quanto de luz ali refletia-se, onde eles estavam... Era um azul estranho, aquele. E bonito, precisava admitir. Ele podia se transformar em verde-água, quase que magicamente, mesmo sendo um azul óbvio. Talvez os olhos de Demyx, assim como aqueles ditados todos pregavam, mostravam justamente quem ele era.

Alguém que podia sempre se transformar magicamente em outra pessoa. Como a água, que ia de um lado para o outro, sempre se adaptando, mas nunca parando num mesmo lugar. Quem sabe, fosse esse seu charme. Aquele azul de mar profundo que evocava exatamente a sensação “aquosa” vinda de si.

Zexion pensava em água e em neve quando o via. Era estranho duas imagens tão opostas se cruzarem assim, mas era verdade. O branco puríssimo, aquele que tudo tinge e influencia no Verão.

Era isso. Porque Zexion sentia toda aquela escuridão em si ser, lentamente, preenchida de branco. Não a escuridão branca, o vazio absoluto; apenas de branco.

Como a água ao quebrar rochas.

- Não... – sussurrou, então, sentindo a voz mais fraca do que pretendeu. – Já está tudo bem. Já passou. Eu... Acho melhor dormirmos.

É claro que o quarto ficaria cheirando a álcool. Ah, deuses, era melhor se levantar e abrir, ao menos, a janela, para que os camareiros não os olhassem como aqueles de Utsunomiya (se bem que Demyx merecera aquela livrada. Devia até socá-lo de novo por aquela algema): como se fossem loucos de atar.

- Não lembro onde li isso, mas não é bom pra saúde dormir com coisas ruins na mente. Assim como também não é bom sobreviver só à base de café. – Demyx sussurrou, escondendo o tom de reprovação que quase escapou na última sentença. – Isso não passou, Zexion. Isso nunca passa.

Ele suspirou. – Já passou, sim. Eu matei Ienzo e isso é um fato imutável. E é isso.

- Só porque você aceita um fato, não quer dizer que o reconhece...

E, para a sua surpresa indizível, as mãos de Demyx, muito devagar, rumaram ambas para a de Zexion, aquela que não segurava a garrafa, e prenderam-na nas suas.

- ...Porque, se você o tivesse reconhecido, não estaria chorando assim.

Como se houvesse levado um tapa, o rapaz quis, por um momento, se afastar bruscamente e reclamar. Mas, assim como alguém que é ferido e não se move devido à surpresa ou à dor, ele também não o fez.

- ...Não estou chorando. – declarou. Mais como se quisesse acreditar piamente naquele fato.

Porque, afinal, aquele sempre foi seu mantra.

Ele nunca estaria chorando.

- Eu sei. – Demyx assentiu. – Por fora, você não está. Nunca esteve, é verdade. Mas, por dentro... Eu sei que você o faz o tempo inteiro. Como se quisesse morrer. Ou melhor... Como se quem tivesse de ter morrido fosse você, não seu irmão.

Zexion imaginou que ele fosse dizer algo assim.

Imaginou porque ela estava em todos os livros, em todos os filmes. Pessoas que choravam e, ao mesmo tempo, nunca choravam de fato, estavam aos montes. Era um clichê tão básico quanto “e ele respirou”.

...Mas não era mentira. Ou melhor: Zexion se esforçou o resto de sua vida (ou o que sobrou dela, depois da morte do caçula) para fazer valer essa mentira.

Porque “uma mentira bem contada se torna uma verdade”. Ela é como um casamento: você tem de ter um compromisso com uma meia-verdade. Quanto mais séria for ela, mais será “até que a morte os separe”. Uma mentira depende unicamente de quem a contou, assim como quem a contou irá depender sempre dela, sempre acreditando que ela é a “verdade”. E, assim, ela se tornará uma própria.

Era assim que Zexion queria que fosse. Dizer a todos que a morte de Ienzo o abalou, mas só. Era assim que devia ter sido.

Mas, se fosse assim, por que o vício em trabalhar...?

Por que a dificuldade em dormir todas as noites, pelo simples fato de que deitar sua cabeça num travesseiro era uma afronta...?

Por que acreditava que relaxar era automaticamente voltar àquela vez, a última vez que viu seu irmão...?

- Manju... – e sentiu-se sorrir muito de leve.

- Hã? – quanto a Demyx, era impossível entender o que Zexion acabara de falar.

- Ienzo gostava de manju. Era uma das poucas coisas que admitia que gostava. Ele... Ienzo só gostava das coisas. Não amava nada. – passando a mão, nervosamente, pelos cabelos azuis, o rapaz engoliu em seco. – Olhando para trás, eu devia ter percebido. Era como se, desde o dia em que ele nasceu, já soubesse que precisava se matar sem levar absolutamente nada consigo.

Só então ele percebeu, depois de ter sussurrado a última palavra, que Demyx continuava com as mãos envolvendo a sua, e que, provavelmente, sequer estava ciente daquele fato.

Teve vontade de fazer como no ryokan, bater nele e tirá-lo de perto de si. Virar-se e dormir, exigindo que ele procurasse qualquer lugar, nem que fosse o tapete do corredor lá de fora, mas que não chegasse perto dele e de SUA cama.

Mas era só uma vontade...

Só uma vontade tola, como aquela de ter sido capaz de mudar o passado.

- Eu tinha feito uma promessa à mim mesmo no dia em que nossos pais se separaram. Lembro que estávamos em seu quarto, eu cuidando dele, que dormia em seu berço, esperando nossa mãe chegar com a decisão do juiz. – suspirou. – Tinha prometido que, se nossa mãe não o fizesse, se nosso pai não o fizesse... Mesmo que o mundo inteiro não o fizesse, eu iria reconhecê-lo. Se fosse assim, se Ienzo já tivesse nascido para ser odiado, então eu iria amá-lo por mim e por todo o mundo. Não ia deixar aquele menino ter uma existência vã. Eu tinha prometido isso...

Ah. Então, era isso, afinal?...

Era essa a dor que estava sentindo todo esse tempo?

Aquela dor que vinha em pequenas ondas, o tempo inteiro? Incansáveis... Era isso que significavam?

Era a dor de ter sido só mais um absolutamente nada?

“A dor de quem fica para trás é tão grande ou até maior que a de quem vai”. Zexion lera isso em algum lugar e concordara brevemente.

Então, era isso que significava?...

Ienzo não amava nada, sabia muito bem disso – porque ele conhecia seu irmão. Só ele conhecia-o. Ienzo só gostava das coisas.

Isso significava, então, que o próprio Zexion também foi só uma coisa gostada?

Ou seus sentimentos eram assim tão insignificantes que, nem por um momento, chegaram ao coração do caçula?

Será que ele não pensou, nem que fosse só um pouco, no quanto sua morte iria abalar o primogênito?

Era só até ali que sua influência chegava?...

Naquele limiar entre a vida e a morte, no qual um suicida já está morto muito antes de se matar de fato?

Aquela sua promessa tinha um valor tão irrisório assim...?

Tão irrisório quanto a própria vida de Ienzo?

...Porque o caçula jogou-a fora com muita facilidade. Foi só um aperto, um puxar e um sopro de ar.

Alguma vez, na verdade, Ienzo já valorizara sua vida...?

Ah, sim. Ele nunca o fez.

...Então, era por isso. Porque, não importava o quanto Zexion o amasse, o garoto não se amava. Um boneco que já nasce quebrado não é capaz de ser consertado.

O destino dele era ser desprezado desde que nasceu, é isso?

E o que isso mudou? Nada. Total e absolutamente nada.

Do mesmo jeito que fora Ienzo. Um nada.

Se era assim, se o destino já está feito e não há nada que influencie, nada que faça real diferença...

Então por que ele continuava se controlando?

Por que sentia sua mão tremer nas mãos de Demyx?

Por que os olhos... Por Deus, por que seus olhos ardiam tanto quanto seu peito?

Zexion já estava sentado na cama. A garrafa, em algum momento que nenhum dos dois prestou atenção, havia caído ao chão e ficado ali mesmo, sem quebrar.

Mas, mesmo sentado, ele sentiu-se desabar.

Era como ver suas próprias fundações, aquelas muralhas enormes de pedras geladas, irem caindo uma a uma, cheia de sons, perfeitas em suas demonstrações.

E o que havia sobrado diante de si?...

Só uma ilusão. E Demyx, que continuava encarando-o.

Nada mais.

- Eu fiz o que podia... – foi só isso que pôde concluir. Porque fez mesmo tudo o que podia.

- ...E isso foi o suficiente. – Demyx completou.

Surpreso, Zexion precisou encarar o rapazinho uma vez mais para perceber o que ele estava fazendo.

Os lábios do moreno encostaram, muito delicadamente, em sua testa. Um toque tão rápido quanto intenso.

Por um momento, só por um momento, Zexion teve vontade de abraçar aquele garoto (sim, porque mesmo sendo alto, ele duvidava que o outro fosse mais velho). Um momento muito pequeno, mesmo assim, poderoso o suficiente para que quase tenha se entregado à ele.

E, então, veio ela. Aquela língua deslizando por seu rosto.

Zexion descobriu do pior jeito possível que ninguém precisava de um banho de água fria para se acalmar. Bastava um imbecil lambê-lo. O resultado é o mesmo.

- O. QUE. VOCÊ. ESTÁ. FAZENDO????? – rosnou, aumentando propositalmente o tom na última palavra.

- Zexyyy~... Que gostinho de kuroame[27] você tem...! – Demyx agarrou-se nele. – Aquela textura docinha e meio amarga ao mesmo tempo, que derrete na boca!~

...Zexion surpreendeu-se consigo mesmo.

Algum dia, em algum momento, já teve vontade de abraçar aquele... Imbecil?

- Você está bêbado...? – mas foi mais uma pergunta retórica do que alguma que merecia, de fato, respostas.

Porque, no segundo seguinte, Demyx jogou-se no colo do outro, ronronando como um gato depois de uma farta refeição.

E parou.

Só por um segundo, o rapaz de cabelos azuis teve a presença de espírito de sentir seu pulso; porque o idiota parecia mesmo morto. Estava parado em seu colo. Mas, é claro, jogou a idéia fora no mesmo segundo. Demyx era um idiota. Estava só dormindo.

...Não é?

Para comprovar, cutucou-lhe a cabeça, sentindo que ia estourar alguma veia, tamanho o ódio correndo nelas, e morrer de hemorragia cerebral. O moreno resmungou alguma coisa e achegou-se mais no colo de seu companheiro de fugas.

Eu estava confessando minhas dores... Eu estava completamente...”, engasgou, num misto de fúria e vergonha intensa, antes de terminar seu pensamento. “Esse cretino... Esse...

Suspirou, passando a mão pelos cabelos.

Era melhor se acalmar, não? Eles já causaram problemas demais. Agora, tudo o que precisavam era de menos incômodos com possíveis assassinatos ali dentro.

Ah, dane-se...

- MORRA!!!

E Demyx acordou no meio daquela madrugada, percebendo-se na escuridão completa do quarto, no chão gelado, em meio às garrafas de sake, e com uma marca de chute em sua barriga.

 

~x~x~x~

 

Este era um pensamento que Zexion jamais iria dividir com ninguém. Se pudesse, não o faria nem consigo próprio.

Mas, quem sabe, a única coisa que a mãe deles apreciava em Ienzo era sua semelhança com ela. E com o primogênito, por tabela. Porque, graças aos céus, seus dois filhos se pareciam com ela, mesmo sendo homens. Não tinham nada (ou praticamente nada) do pai.

O azul do cabelo de Ienzo era diferente. Não era uma nuance mais pálida, acinzentada de azul-real. Os cabelos do garoto eram mais puxados para o violeta. Não chegavam a exibi-la assim, totalmente, a ponto de alguém achar que era lilás. Era apenas um azul que vagamente lembrava a outra cor. Se fosse comparar, diria que se parecia com o azul das bandeiras ou lenços de St. Patrick.[28]

Tirando aquele detalhe, porém, qualquer um podia afirmar que eram irmãos. As franjas de Ienzo não lhe caíam daquele jeito violento pelo rosto como as de Zexion. Mas era um cabelo rebelde, que também teimava em ocultar parte dos olhos.

Quando Zexion encarava o caçula, era como estar vendo um prolongamento de si próprio. A mãe também já lhe dissera isso.

...E nunca soube se aquele “elogio” alegrou ou desgostou Ienzo.

- Ei, onii-chan... – sim. Quem o olhasse, jamais diria que um rapaz tão sério e distante pudesse se permitir chamar de “-chan”. Mas Ienzo era o único que possuía tal liberdade. – ...Soube que você passou em primeiro lugar.

Sentado na cadeira de sua escrivaninha, o primogênito tirou os óculos que usava para ler e estudar, assentindo com um meio-sorriso.

- É verdade. – concordou.

- Então, eles vão pagar para você?! – sentado na cama de Zexion, o garoto abriu um sorriso enorme. O sorriso de um irmão admirando o outro.

Zexion precisava admitir que, afinal, aquele era o sabor de ter um parente assim tão próximo. Aquele olhar; a vaidade das vaidades era ser admirado daquele jeito tão respeitoso e, ao mesmo tempo, tão íntimo.

Seria assim que se sentia um pai com seu pequeno filho?...

Pensando bem, não era assim muito diferente. Ienzo parou de beber leite materno muito cedo porque sua mãe não agüentava-o mais, e depois disso, quem cuidou dele de fato foi apenas Zexion.

Porque a senhora da casa parecia mais preocupada e ocupada com outros assuntos que não seus filhos. Isso era normal.

- Bom, se eu manter minhas notas altas assim... – concordou de novo, sentindo-se um tanto embaraçado. – ...Vão me pagar até para que eu respire.

- Ah! – agarrando o travesseiro de Zexion, Ienzo riu. – Legal, vou contar pra todos os meus colegas que meu irmão passou em primeiro lugar na universidade mais concorrida do Japão!

Sentindo-se corar de fato, agora, o rapaz preferiu recolocar seus óculos e fingir que ainda estava estudando.

- Acho que é melhor não fazer alarde a respeito, Ienzo... – resmungou. – Além disso, foi só um teste. Eu ainda não posso entrar.

Isso não abalou o caçula.

- Mas isso quer dizer que é só você estalar os dedos, assim, e já estará lá dentro de novo. – sorriu. – Como o esperado do meu irmão!~
Zexion suspirou.

E, com uma coragem que não achou que fosse precisar para aquilo, forçou-se a encarar seu irmão.

- Ienzo... – sussurrou.

Porque ele sabia. Não adiantava nada Ienzo mentir-lhe.

Zexion sabia tudo sobre seu pequeno irmão. Desde aquele dia, no berço, onde ele prometeu que iria amá-lo para sempre e por todos, ele aprendeu tudo sobre Ienzo. O jovem não podia esconder nada do primogênito.

Nem o fato de que, na verdade, seus colegas de classe o repudiavam. Era assim mesmo, ele sabia. Um dos grandes problemas do Japão, amplamente discutido por psicólogos e programas imbecis de TV, era aquele: a escolha de um macho-ômega no meio dos machos-alfa. Aquele lobo pequeno, o elo frágil da alcatéia.[29]

Em seus tempos de ginásio, Zexion também foi considerado uma ovelha negra. Muito retraído, preso em seu mundo, quase como um autista, só lendo... Era repudiado pelas garotas por ser estranho, mesmo que dono de uma beleza quebradiça, e evitado pelos garotos, enojados por sua mera existência.

Talvez aquilo também fosse genético, como os cabelos azuis: Ienzo era o macho-ômega de sua sala. Ele sentava-se em silêncio de manhã, de tarde e de noite.
A única pessoa que sabia que ele existia, de fato, era Zexion.

Por isso, não havia ninguém a quem alardear aquela passagem do rapaz à boa universidade. Porque Ienzo não tinha amigos a quem se vangloriar do fato.

- Pois não? – mas ele, com aquele seu sorriso inocente, acreditava que estava tapeando-o. Protegendo-o de dor. Mas era mentira.

...Ienzo só estava se ferindo ainda mais ao guardar aquilo só para si.

- Espere pra ver, irmãozinho. – sorriu-lhe, quase que maternalmente. – Um dia, e você próprio vai se surpreender, irá fazer mais diferença do que eu jamais fiz.

E o adolescente baixou os olhos.

- Um dia... – concordou.

 

~x~x~x~

 

Luz do sol. Inconfundível.

Num movimento automático, ainda que desajeitado, Zexion colocou o braço sobre seus olhos, protegendo-os daquela luz horrível.

E praticamente saltou da cama, para sua surpresa, no momento seguinte.

Ah, sim... Provavelmente, sua irracionalidade acabou por pensar primeiro que sua própria razão.

O que havia feito ontem a noite?...

Foi a primeira coisa que tentou se lembrar.

Tudo o que lembrava era de Demyx, garrafas, muito álcool e...

...Uma confissão. Zexion sentiu o rosto esquentar incontrolavelmente, sentindo-se um completo imbecil, ainda mais que o moreno.

Ele havia falado tudo aquilo mesmo, ou era só uma ilusão?!

...Precisava ser só uma ilusão!

Mas... Ao encarar a cama vazia, as garrafas de sake no chão e a janela entreaberta num possível surto de inteligência antes dele ter caído em completa inconsciência alcoólica, para que o ar pudesse entrar e levasse o mais longe possível aquele cheiro de bebida. Apesar de que dificilmente sairia tudo...

Passou a mão pelos cabelos, nervosamente.

De resto, tudo era um borrão disforme. Mas tinha no pé a sensação de ter chutado algo.

...Ah sim. Disso, se lembrava. Demyx, o cretino infeliz.

Encarou, confuso, as cobertas da cama. Elas eram de um azul muito delicado. Um azul que muito lhe lembrava o violeta.

...Assim como Ienzo.

Fazia tempo que não sonhava com seu irmão.

E Zexion percebeu, com desgosto, que sua cabeça latejava. Não soube se por causa da ressaca ou pelo sonho.

Não era hora disso... Onde estava o maldito Demyx?

Na verdade, queria chutá-lo de novo, apenas pelo bem de sua sanidade. Ou pegar um daqueles seus livros grossos, quase como bíblias, e jogar certeiramente na cabeça do infeliz, até verter sangue dali. É... Aí seria uma boa manhã.

O som da porta do banheiro se abrindo o despertou, enquanto ele bagunçava ainda mais seus cabelos, e o fez virar-se.

Demyx saía dali de dentro como se sequer houvesse bebido até desmaiar no colo de outro marmanjo na noite anterior. Estava alegre, radiante e... Só com uma toalha.

Zexion tateou em busca de um controle, de um livro, de uma bituca de cigarro...

Qualquer coisa serviria para jogar na cabeça do imbecil!

- Bom dia, Zexy. – e o idiota nem parecia abalado por se mostrar assim.

- S-seu... – rosnou, ainda grogue de sono (mas suficientemente acordado e sóbrio para saber que aquilo era ERRADO!).

- A recém acordou, é? – e o moreno sorriu. – Vá logo tomar um banho e vamos tomar café-da-manhã. Hoje temos uma longa viagem até Nagano!

...O quê?


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Notas finais do capítulo

[26] Faixa 7 da OST 1 de Kingdom Hearts II.

[27] Doce caramelado de Okinawa que lembra balas de açúcar mascavo.

[28] Na Inglaterra, esse azul recebe tal nome por ser associado às cores da Ordem de St. Patrick. Na Irlanda, por sua vez, a cor é simbólica para o país.

[29] A título de curiosidade: recentemente, o Ministro da Educação do Japão, Bunmei Ibuki, esteve na TV falando sobre esse problema, após quatro suicídios em um mês graças ao bullying.



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