As Crônicas do Equilíbrio escrita por Tiagobm


Capítulo 2
Cataclisma


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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As marcas continuaram incomodando Lucio pelo resto do dia, o que o impediu de prestar atenção nas aulas, não que ele fosse realmente prestar atenção, mas, ao menos, não pode nem fingir que se interessava.

As horas na escola passaram da forma como se devem em qualquer instituição de ensino, tediosamente chatas. Felizmente Lucio pode desfrutar de uma manhã inteira na companhia de uma garota.

Mas não era só uma garota, era "a garota". Sarah era como se chamava. Bonito não? A única coisa mais bonita que seu nome era seu rosto. Nada mais nada menos que um rostinho de anjo. Os cabelos loiros caíam cacheados pelos ombros e, junto com seus olhos verdes e seus labios rosados, formavam a imagem do paraíso. Um típico nome de anjo para um típico rosto de anjo.

Mas, aquele não era um dia qualquer na escola, por isso mesmo a demora a transcorrê-lo: Aquele era o dia especial de Lucio, o dia em que ele contaria para Sarah tudo o que escondeu desde o primeiro dia em que se conheceram há 3 meses atrás. Tudo já estava planejado, Lucio sempre foi bom com planos, parte disso talvez se deva à horas incessantes com jogos de estratégia no computador.

Um encontro no parque, nada mais perfeito. Afinal, parques são feitos para isso. Lucio entraria lá como um menino, mas, saíria de lá como um homem. Depois da aula, nosso pequeno apaixonado mal teve tempo de se arrumar.

Correu para casa, tomou o banho mais rápido de sua vida e deu uma curta olhada no espelho antes de sair. Seus cabelos pretos caíam por seus olhos igualmete escuros que aparentavam o cansaço de sempre.

Somada a tudo isso,a pele morena de Lucio confirmava-o como um exemplo de nativo de um país tropical. Algumas pessoas são agraciadas com a beleza dos latino-americanos. Outras são o Lucio.

Apesar de tudo, a beleza não é tudo nesse mundo e Sarah sabia disso, ou era o que Lucio esperava. Ele ensaiou um sorriso no espelho antes de sair correndo para o parque.

Passados quinze minutos, ele já estava sentado em sua melhor pose de "sei o que estou fazendo". Lucio esperou cinco minutos que mais pareceram cinco horas até sua amada chegar aos bancos.

Os bancos da grande praça circular cheio de verde e vida postavam-se ao redor de uma grande estátua de um anjo qualquer. Irônico? Talvez. Sarah usava um bonito vestido verde que combinava com seus olhos.

Ao vê-la, o pobre garoto teve de concentrar suas forças para não fazer nada ridículo como, por exemplo, babar diante da face da beleza. Ao vê-lo ela esboçou seu sorriso de sempre, um sorriso daqueles que derrete o coração do mais frio dos bárbaros. Lucio retribuiu o sorriso com o seu próprio improvisado, o sorriso daquele que teme mostrar tudo o que sente.

Enquanto se aproximava, Sarah disse em seu tom delicado:

–Bom tarde Lucio! Deixei você esperando por mim muito tempo?

–N-Não, claro que não.Cheguei a pouco tempo!

–Ah, que ótimo.

Tempo vai, tempo vêm, e Lucio mantêm sempre em mente o objetivo daquela conversa. Por mais que ele saiba da importância do momento, ele deixa que o tempo se esvaia embalado pelo medo.

Eles conversam sobre trivialidades, com a intimidade daqueles que já se tratam como confidentes, acostumados a passar seus momentos juntos. Depois de vários minutos recobrando a coragem, Lucio dá os primeiros passos que transformam um garoto em um homem.

Ele se aproxima de Sarah, como se atraído pelo magnetismo de seus olhos de jade, e fala enquanto seus rostos se distanciam por centímetros: -Sabe Sarah, eu chamei você aqui por um motivo em especial.

Ela nota a mudança em sua postura mas não sabe ao certo do que se trata, muito menos como reagir. A insegurança em sua voz é palpável:

–T-Tem é?

–Sim.

–E... O que seria?

–Bom... É o seguinte: Tem uma hora em que a pessoa não consegue mais resistir ao seus sentimentos, muito menos escondê-los do mundo. E quando essa hora chega, é preciso encarar os medos e botar para fora tudo o que sente, e é isso o que vou fazer. Sarah, nesses 3 meses em que nos conhecemos tudo o que consegui fazer foi me apaixonar mais e mais por você e, dentro do meu coração, eu posso sentir que você é a garota certa. Me daria a chance de ser o garoto certo?

A expressão no rosto da menina muda na hora de um olhar curioso e para puro assombro e, por fim, medo. Ela fala com a voz aguda, quase esganiçada:

–Oh Deus! Não!

–Nossa, tudo bem então.

Bem, Lucio imaginou que poderia dar errado, mas essa reação foi deveras desnecessária. Digo, tudo bem algo ruim acontecer, mas, "isso"? Isso era inesperado, ainda mais vindo de Sarah. Ele tenta disfarçar então:

–Entendo. Claro, se você não quiser eu não vou ficar bravo nem nada.

Ela responde ainda em estado de choque:

–Não é disso que estou falando! Olha para trás!

Lucio olha, até que foi uma bela desculpa para esconder as possíveis lágrimas que se formavam. Mas, quando ele percebe do que se tratava o assombro de Sarah, não pensa mais em esconder qualquer tipo de coisa. Seu cérebro ocupado demais tentando entender o que está acontecendo.

A estátua em suas costas começava a rachar por inteira. De repente, é percebido algo antes inaudível, um tremor. Bem, não um tremor ao certo. Talvez um rosnado, como se a própria terra os ameaçasse. O rosnado vai se intensificando, tornando-se cada vez perigoso e perceptível.

E, num só momento, a tensão toda se dissipa. O momento morre, e tudo fica calmo, calmo demais. Lucio tenta raciocinar. O que foi aquilo? Mas, de um só momento, todo o silêncio e a quietude se transformam. As ruas começam a tremer, os alarmer dos carros desatam a soar, construções se quebram e o caos se espalha. A estátua do anjo se desintegra.

Não, na verdade, desintegrar não se trata da palavra certa. Se a estátua houvesse se desintegrado, não haveriam pedaços de pedra do tamanho de cabeças voando na direção deles.

Apesar de não ser lá um deus grego ou um fisioculturista, haviam três qualidades das quais Lucio se orgulhava: Sua habilidade no League of Legends, sua mente afiada e seus reflexos aguçados. Duas dessas qualidades foram essenciais para que ele conseguir salvar Sarah, puxando para fora do banco enquanto os tremores continuavam.

Lucio tenta ficar de pé mas cai no mesmo momento, sua cabeça gira e as marcas em se antebraço parecem queimar. Sarah vai em seu auxílio enquanto pergunta:

–Mas, o que é isso?

Lucio esboça um sorriso fraco e responde:

–Se eu soubesse, não teria escolhido esse lugar para passar a tarde.

–Sempre com tempo para uma piadinha né?

–A vida é mais bonita com piadinhas.

–Então vamos sair daqui antes que não haja mais vida! Que tal?

Lucio se apoia e Sarah e ambos rumam sem direção, em busca de algum abrigo. Infelizmente, o jovem não tem tempo para apreciar a proximidade com sua amada, agora ele precisa se concentrar em não morrer no meio daquele fim de mundo que veio sem aviso.

Sarah tenta usar seu celular enquanto anda, mas, vira-se para Lucio e diz: -Sem sinal.

–Você esperava ter sinal em meio à essa catástrofe??

–É a Tim cara. Eu nunca espero ter sinal.

–Vamos tentar achar um lugar coberto, olhe pro céu, as nuvens estão ficando escuras.

–Agora que você, falou, o vento também está ficando muito forte. Estranho, não me lembro de ter visto na previsão do tempo que choveria.

–Certo... O mundo está acabando do nada e você acha estranho que a previsão do tempo não previu chuva?

–Vá se catar!

Eles andaram pelas ruas da cidade observando o caos que havia tomado o Rio de Janeiro: Todos haviam deixado seus carros no meio da rua para saírem correndo, criando assim um mar de automóveis nas avenidas paradas.

As pessoas se amontoavam e empurravam pelas ruas, cada qual tentando impor seu direito de viver ante o dos outros. As calçadas lotadas do centro mais pareciam o calçadão de copacabana no reveillon.

Enquanto corriam, Lucio avista em uma pequena tv numa loja de eletrodomesticos cenas do mundo todo. Ele cutuca Sarah e diz preocupado:

–Parece que não é só aqui que isso está acontecendo!

–Sinceramente, eu estou com muito medo.

–Não tenha, vai ficar tudo bem.

De repente o jovem se lembra do quão delicada é Sarah e de como aquilo tudo podia estar afetando-a. Ele nota finalmente a insegurança em seu olhar, o medo nos seus passos. Ela pergunta trêmula, com os olhos marejados enquanto usa seus ombros de apoio:

–Vai mesmo?

–Sim.Tenho certeza.

Lucio odeia mentir.

Ele então percebe que estavam perto de sua casa, o único porto seguro que ele poderia pensar no momento. Apenas algumas ruas para poderem descansar daquele tumulto.

–Vamos, se chegarmos em casa, podemos pelo menos nos esconder em local conhecido.

–C-Certo.

Mas, quando o apartamento de Lucio já podia ser visto no horizonte, uma pedra de um dos prédios acima deles cai, como se o destino desejasse o fim do casal. Tomado por instinto, Lucio puxa sua querida para perto e coloca o braço por sob os dois.

As pedras esmagam, em parte, o jovem herói mas são desviadas para o lado pelo gesto. Lucio agora possuía ferimentos que sangravam em seu braço esquerdo, e, infelizmente, não parecia pequenos.

Mas, por mais que sua própria dor fosse lanciante, o que mais o machucava era ver que Sarah chorava em seus braços. Tomado de têrnura, ele a abraça e sussurra:

–Não se preocupe, estou aqui para te proteger.

Ela sussurra de volta, num desespero palpável em busca de um apoio, um salvador:

–Sempre?

–Para todo o sempre.

Como em um filme de final feliz, ante aquelas palavras, todo o cenario pareceu mudar. Os tremores pararam, os ventos cessaram, e o céu parecia se desanuviar. Sarah olha em volta e diz com um meio sorriso:

–Será que temos uma trégua?

–Talvez tenha sido apenas um curto desastre climático.

Como em resposta à suposição presunçosa de Lucio, um último e perigoso tremor vêm a tona para fechar com chave de ouro a tragédia grega. Dessa vez, o desastre não destruiu prédio nenhum, não provocou vento nem morte. Apenas um buraco, uma fissura. Uma enorme fissura sob os pés de Sarah que começava a cair. Desesperado, Lucio a empurra para fora do buraco que se formava.

Mas, enquanto isso, não percebeu o buraco que se formava em seus próprios pés. Ele não teve tempo de fazer nada, apenas observar atônito enquanto sua amada lhe estendia a mão que chegou a roçar na sua antes de cair.

Lucio não queria morrer. Afinal, quem quer? E, de repente, ele percebe que é cedo para morrer. Percebe que há muito o que ainda não fez. Percebe que há muito que não devia ter feito. E percebe por fim que há muito o que deve fazer, Sarah era a prova viva disso.

Parece que, no fim das contas, a vida sempre parece menos medíocre do que realmente é quando estamos em frente às portas da morte.


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