Apocalypse Please escrita por The Klown


Capítulo 1
Capítulo I




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 A loja de fantasias estava apinhada de pessoas, crianças e adultos. As crianças escolhendo as fantasias que bem quiseram e os adultos, não parecendo muito felizes, pagando o preço necessário para sua compra ao caixa e saindo. Sendo véspera do famoso Dia das Bruxas, o movimento por aquelas bandas era bem comum. Pessoas que deixaram as compras para o último momento faziam a sua opção no momento em que o caixa registrava altas quantias de lucro.


 Na noite seguinte, supostamente várias das pessoas que se encontravam no interior daquela loja estariam do lado de fora, trajando os produtos recém-comprados e batendo de porta em porta, na esperança de ganhar alguns doces, como mandava a tradição. Vestir-se-iam de vampiros mirins, com tinta vermelha representando o sangue abaixo de suas mandíbulas, fantasmas, usando longos trajes brancos semelhantes a lençóis sobre suas cabeças, ou de mortos-vivos, improvisando em falsas feridas e uma pele putrefata não-convincente. E logo após a noite, guardariam os trajes em seus respectivos guarda-roupas, onde acumulariam poeira na solidão, até serem invariavelmente descartados na lata do lixo ou serem usados por apenas mais uma noite no ano seguinte, reiniciando o ciclo.


 Para a felicidade dos donos da loja, a primeira alternativa era o que geralmente se seguia, consequentemente fazendo as pessoas mais uma vez dirigirem-se a sua loja para comprar alguma fantasia para o Dia das Bruxas que se seguiria, assim enchendo mais uma vez o respectivo bolso de capital.


E a loja por todo o mês de outubro permanecia agitada, para a felicidade do caixa, que desprezava os meses em que ficava em estado vegetativo na loja, esperando em vão a entrada de clientes. Seu nome era Keith Norton, e observava o típico dia-a-dia dos pais e seus filhos em busca de fantasias decentes. Vez ou outra, uma criança havia de espernear para conseguir a roupa que queria, que por vezes era cara demais para que um dos pais a pagasse de bom grado. Quando algo do tipo acontecia, Keith ria interiormente ao ver a expressão “ok-ok, compre essa merda de uma vez” na face do adulto.


Porém, de vez em quando Keith sentia uma pontada de inveja das famílias que freqüentavam a loja. Ele desejava ter uma criança para cuidar, um filho ao qual amar, se apegar. Não estava nem perto de conseguir um filho, visto que era um solteiro de trinta e dois anos. Estava tornando-se velho, e estava ao ponto do desespero. Queria formar uma família, mas as poucas garotas pelas quais sentiu algo realmente não eram feitas para ele. Angie (Angelina), sua primeira namorada séria, o abandonou para ficar com um jogador da Liga de Futebol Americano. Na atualidade, estava solteira, divorciara-se do jogador, um tal de Chuck, após pegá-lo na cama com duas outras mulheres mais jovens do que ela. Keith não sabia do desfecho da relação de Angie, por isso ainda se remoia por não ter sido um namorado decente para ela.


No resto de seus relacionamentos, o desfecho foi semelhante. Desentendimentos, traições, e o diabo a quatro impedia Keith de arranjar uma mulher com a qual passar o resto de sua vida. E isso o entristecia.


Todavia, estava ansioso para o dia útil terminar. Gostaria de retornar para o seu apartamento e aproveitar o pequeno-mas-não-muito objeto que trazia consigo, guardado em uma sacola plástica abaixo do balcão. Era um computador portátil-daqueles que se viam nas vitrines das lojas de eletrônicos. O que ele adquirira não era dos mais modernos, apenas o que algum tempo de economia com salário de caixa de lojas de fantasias poderia comprar. E estava satisfeito. Por fim poderia aproveitar as maravilhas da telecomunicação. Anunciar que não possuía um computador em plena cidade de Chicago, em Illinois, era pedir para pagar mico. Todos possuíam aqueles aparelhos da nova geração em suas casas, muitas vezes levando consigo os aparelhos portáteis - como o que ele tinha em mãos no momento.


Keith deu uma olhadela para o relógio fixo a parede, enquanto contava o troco para um garoto que estava comprando uma fantasia de bruxo. Ao entregar as moedas na mão do garoto, que saiu correndo da loja, saltitante e seguido pelo pai preocupado, expirou o ar em seus pulmões, aliviado pelo dia de trabalho estar acabando. Se ele possuía algum defeito, era ansiedade. Quando sabia que algo de bom o aguardava, mal podia esperar. E este “algo bom” estava representado pelo seu pequeno e novo computador.


Seis horas da tarde, um homem franzino adentrou a loja. Aparentava estar na casa dos cinqüenta anos, e trabalhava naquela loja havia dez. Era Dennis, o substituto de Keith, que ocupava o turno da noite. Eles sempre haviam de fechar mais tarde na época do Dia das Bruxas, devido ao usual tumulto. Ao ver Dennis passar pelas portas, Keith recolheu seus pertences – incluindo o seu novo “brinquedo” – cumprimentou seu substituto com um aperto de mãos e saiu pela porta da frente, satisfeito. Voltaria a pé para casa, que não ficava muito longe do lugar no qual se encontrava.


Preocupou-se com a possibilidade de ser assaltado. Era algo muito comum por aquelas bandas, principalmente quando a noite se aproximava. Espantou suas preocupações com um aceno ao invisível com a mão direita e pôs se a caminhar pelas ruas movimentadas.


 A comum poluição auditiva de Chicago infestou os seus ouvidos ao aproximar-se do centro da cidade. Pessoas estressadas andavam de um lado para o outro, consultado o relógio de pulso ou conversando (berrando) em seus telefones celulares. Carros rasgavam as ruas, com velocidades acima do limite, soltando ao ar seu som de buzinas e sirenes.


 Keith andava serenamente, em contraste à metrópole ao seu redor. A primeira coisa que faria ao chegar em casa seria instalar a sua nova belezinha digital. Ele já tinha certa experiência com computadores, aprendeu a trabalhar em um no seu antigo emprego. Quando morava na casa de seus pais, os dois não se davam ao luxo de ter alguma coisa moderna em casa. Diziam que eram coisas do demônio, religiosos e conservadores como si só.


 Keith ouviu um estrondo atrás de sua cabeça. Virando-se rapidamente, como as pessoas ao redor, presenciou um carro batendo em um hidrante que, quebrado, começou a espirrar água em alta pressão para o céu laranja, devido ao sol poente. O carro em questão era um taxi que perdeu o controle. Keith viu enquanto pessoas aproximavam-se para ajudar os passageiros do carro, mas permanecendo ao longe. Acidentes de carro também era algo que ele costumava ver durante o dia a dia, embora não estivesse acostumado a presenciar um ao vivo.


 Mantendo distância, pegou um ângulo de vista melhor e viu duas pessoas sendo retiradas do carro. Uma delas era o motorista, um homem ligeiramente feio com feições bem marcadas, aparentando ter uns quarenta anos. Isto é, pareceria assim se não tivesse pedaços de vidro e plástico rasgando-lhe a face. Um dos olhos parecia gravemente ferido, com um pontudo pedaço de vidro reforçado do pára-brisa praticamente atravessando-lhe. O maxilar estava quebrado, o nariz estava espirrando sangue no rosto dos que estavam tentando lhe tirar dos escombros, e a parte direita de sua face possuía um imenso corte. A imagem proporcionou a Keith náuseas, mas nada comparado ao que sentiu ao ver o passageiro do táxi.


 Ele parecia que já estava morto antes do acidente. Sua pele estava pálida, parecendo estar no primeiro estágio de putrefação. Pedaços de plástico e vidro também enfeitavam e distorciam a sua cabeça sem cabelos, e a estranha posição de seu corpo indicava que vários ossos tinham sido quebrados. Talvez o homem tenha sido jogado para frente no impacto.


 Pelo o que Keith conseguiu ouvir, as pessoas não tinham idéia de como o táxi havia perdido o controle, apenas se descontrolado sem motivo e batido em alta velocidade com o hidrante. A fila de carros em volta do acidente começou a aumentar, e a cacofonia típica de Chicago estava ampliando-se além dos limites comuns. As pessoas que saíam do carro ajudavam a carregar os corpos dos dois acidentados, enquanto chamavam ambulâncias, bombeiros, polícia, e o que mais conseguiam contatar.


 Keith parou de olhar para o desastre automobilístico e colocou-se de volta ao caminho de casa. Ou era o que pretendia, até ouvir um grito agudo. Uma mulher próxima ao acidente, trajando uma daquelas roupas de mulheres de sucesso (molhada por ocasião do acidente, quando o hidrante estourou), apontava para o que se pensava ser o corpo do Passageiro. O tal estava levantando se lentamente, fazendo caretas com os pedaços de vidro e plástico pendurados ao seu rosto. Uma visão horrível.


 Estendendo os braços empapados de sangue, tentava aproximar-se de algum dos espectadores, e alcançou um que estava paralisado pelo choque de ver uma pessoa em tal estado andando, com relativa rapidez. O Passageiro lhe cravou os dentes no pescoço do Cara Paralisado, que gritou em dor e empurrou o Passageiro para longe. O Motorista do Táxi também se levantava, e olhares mais atentos perceberam marcas de dentes na região do ombro, semelhantes às que agora o Cara Paralisado portava em seu pescoço. Uma mordida inesperada no ombro era o suficiente para perder o controle do táxi, não?


 O Motorista estava com o olho que não estava perfurado, examinando o ambiente ao redor. O globo ocular estava opaco, cinzento. E ele também tentava se aproximar de alguém desavisado, com os dentes a mostra. Todos começaram a se afastar, e o Cara Paralisado caiu no chão asfaltado, espumando.


 Keith estava perplexo com a cena, e quase soltou um berro ao ver o Cara Paralisado levantar-se de supetão e morder o braço de uma senhora próxima, que soltou um grito de levantar os cabelos.


 O Motorista e o Passageiro começaram a mancar em direção aos desavisados, que tentavam fugir pela profusão de pessoas e carros que passavam por lá. A Senhora do Grito mordeu um colega desavisado, que cinco minutos depois estava no mesmo estado.


 Keith percebeu que estava vendo Chicago se tornar o próprio inferno frente à seus olhos.


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