Mais uma vez, ele está mais uma vez, com os olhos vidrados, provavelmente lembrando-se do passado. Não foram poucas as vezes que vi Dantalion assim. Mesmo estando comigo, eu já o flagrei distante, pensando em outras coisas, pensando em Salomão.

“O legitimador”, “O descendente de Salomão” é somente isso que eu sou. Se não fosse por meu sangue, o que eu seria? Ele só está comigo, porque eu sou descendente do rei que ele tanto amava. Eu não sou Salomão, nem nunca serei. Será que ele não pode entender isso? Não posso tomar seu lugar.

Entro em meu quarto no horário do almoço, as provas estão próximas, e não é só porque um demônio consegue fazer com que eu esqueça o meu lado realista e ouça meu coração, que vou deixar minhas notas caírem, longe disso. Mesmo com a cabeça cheia, como sempre, a única coisa que quero é me concentrar, porém a primeira coisa que vejo ao entrar, é o demônio de olhos vermelhos deitado em minha cama, dormindo.

Sinto a raivar borbulhar, como ele ousa fazer isso? Dormir em minha cama em pleno horário de almoço. Preparando-me para dar um berro, no propósito de acorda-lo, acabo me deparando com sua face adormecida. Simplesmente viro pedra, meus braços e pernas perdem a capacidade de movimento. No lugar da raiva, sinto a dor dar lágrimas se apoderarem de meus olhos. Por quê? Você diz que me ama, mas continua pensando em Salomão. Eu não sou o suficiente?

Não deixo as lágrimas correrem, devo ser forte, não posso chorar por uma simples paixão. Suspirando, sento-me na beira da cama. O que será que se passa em seus sonhos agora? Esse maldito ser, que se auto intitula um demônio, nunca vai superar suas dores do passado, eu sei disso, eu não superei as minhas.

Ouço o leve som de sua respiração compassada, minha mão, automaticamente se move sobre sua bochecha, até que arrumo uma mecha solta de seu cabelo. O maldito deveria dizer logo, que nunca vai me amar como amava Salomão, porque mesmo sendo parecidos, ainda não somos a mesma pessoa. Quero dar um fim nisso logo.

- Idiota, por que você insisti tanto em dizer que me ama se sabe que não é verdade? – as lágrimas correm sem minha permissão.

Levanto-me indo até o banheiro, quanta idiotice, quando foi que deixei meus sentimentos se apoderarem tanto de mim? É ridículo chorar por algo como isso, então por quê?

Assim que volto, Dantalion está deitado, porém seus olhos estão entreabertos, essa seria a hora perfeita para manda-lo embora, porém, não consigo falar nada.

Ele pisca, sonolento olha pra mim, sento-me novamente na beira da cama.

Por um segundo, ele ergue seu corpo o suficiente pra ficar da minha altura. Sinto o calor de seu corpo próximo ao meu. Seus lábios, gentilmente, tocam os meus, sinto uma tremedeira subir por minha espinha. O gosto daquele suave beijo dura mais do que eu gostaria, me sinto sem ar. Uma dor profunda se apodera de meu coração.

- Will, eu te amo. – Diz enquanto segura minhas mãos, voltando a dormir em seguida.

Minha cabeça fica em branco. Não diga esse tipo de coisa, idiota. Não faça esse jogo comigo.

Você não me ama.

Você amava Salomão, e sempre vai ama-lo.