O dia mal amanhecera, iluminando os céus azuis de Richarten com seus tênues raios dourados, e a cidade já despertava alvoroçada. Àquela altura, todos os habitantes do continente sabiam sobre a guerra que se aproximava. Não se tratava mais de uma suspeita ou murmúrio, mas sim de um fato real, e que aconteceria muito brevemente.

         Verkan, o conselheiro de Priston, aguardava a chegada dos guerreiros da elite enquanto pensava pela última vez na estratégia que tinha adotado, refletindo cautelosamente para que nenhum deslize fosse cometido. De qualquer forma, não havia mais tempo para pensamentos receosos, pois o momento era chegado. O momento para reunir os guerreiros da nova geração da elite, pela primeira vez naquela nova época. Verkan jamais imaginaria que uma segunda guerra fosse acontecer em menos de alguns milênios.

         O conselheiro desceu as escadas de sua torre no medieval castelo de Richarten e respirou profundamente o ar fresco da manhã ao sair pela porta. Os guardas do castelo estavam em seus postos, mais atentos do que nunca, porém, nenhum sinal dos guerreiros até aquele momento. Verkan tirou um relógio oval do bolso de seu manto, observando que passavam das sete horas da manhã. Lembrou da conversa que havia tido com Alec na noite passada, e sorriu sutilmente quando a frase do Mech lhe saltou da memória, prometendo veementemente que seria o primeiro a chegar no início daquela manhã. Alec era precipitado, como sempre.

         Não tardou para que o primeiro guerreiro chegasse, subindo em uma ensaiada corrida as escadarias que davam para a base principal do castelo, ornada por bandeiras verdes. Ninguém poderia ser mais majestoso naquela corrida do que um Knight, o escolhido para o dom da elegância e do galanteio. Seth apresentou-se em uma sagaz reverência em frente ao conselheiro, vestido com toda a pompa de um cavaleiro de sua classe. Sua enorme espada reluzia a luz do frágil sol.

 

- Olá, Verkan. - Seth cumprimentou, cordial

 

- Que bom lhe ver, Seth. Se a situação fosse outra, eu poderia lhe cumprimentar com um "bom dia". - comentou o conselheiro

 

- Não há problema. Certamente terão manhãs que valerão à pena o cumprimento. - Seth confortou, sutilmente sorridente

 

         Muito brevemente ao momento da chegada de Seth, o segundo cavaleiro se apresentou. Alec, desta vez trajando sua armadura e todos os outros apetrechos bélicos de costume, mostrava impaciência enquanto subia as escadas, saltando de dois em dois degraus para economizar tempo. Prontificou-se ao lado de Seth, ofegando alguns instantes antes de falar qualquer coisa. Certamente, havia corrido com toda a sua velocidade de sua casa em Pillai até Richarten.

 

- Perdoe a minha demora, conselheiro. - o Mech redimiu-se, reverenciando-o brevemente

 

- Pensei que estaria batendo na minha porta antes mesmo que o sol nascesse. - Verkan brincou, sutil

 

- Vontade não me faltou, acredite. No entanto, tive alguns contratempos, se posso assim dizer. - Alec sorriu gracioso

 

- Poupe-me de suas explicações. Admita logo que estava dormindo. - Seth zombou, brincando com a situação

 

- Feche essa boca, Seth. - Alec riu

 

- Parece que temos mais convidados para nossa reunião particular. - Seth sorriu, lançando um olhar para as escadas frontais

 

         Em um ritmo não muito preocupado, ao menos aparentemente, se aproximavam a Archer Mystic e a Atalanta Lady Die, caminhando juntas. Conversavam amistosamente, enquanto a Atalanta gesticulava alguma coisa em meio à sua fala. Mystic assentiu, antes de mover o rosto para cumprimentar os guerreiros já chegados e o conselheiro. Lady Die acompanhou os movimentos da Archer, copiosamente. Ambas vestiam suas armaduras e carregavas suas armas.

 

- Bem vindas, senhoritas. - Seth foi elegantemente gentil

 

- Olá, pessoal. - Mystic cumprimentou, sorrindo

 

- Yo. - Lady Die apenas ergueu a mão, muito sutilmente, naquele seu cumprimento quase frio

 

- Bom, quase todos estão aqui... - Alec constatou, olhando para os companheiros ao redor

 

- Se aquele preguiçoso do Electro chegar, estamos bem. - brincou Seth, referindo-se à personalidade indolente do Pike até então ausente

 

- Ora, Seth. Fazendo fofoca tão cedo? - uma voz se aproximava pelas escadas, em um tom cheio de escárnio

 

         Electro chegara no momento exato em que seu nome fora pronunciado. Vestia sua armadura e a inseparável máscara azul, tal como o gorro da mesma cor. A foice era quase cruel, talvez a maior das armas entre as dos guerreiros que aguardavam em frente ao conselheiro. O Pike era mesmo preguiçoso e irreverente, aquele era o seu modo de agir, mas parecia que seu relacionamento com os guerreiros do grupo era o melhor. Foi notável seu primeiro lance de olhar para Mystic, que lhe devolveu o olhar no mesmo tom. Talvez eles não se importassem que todos ali tivessem percebido.

 

- Ótimo, agora só falta Murdoc, Hakuna e Mizu. - Verkan constatou, satisfeito pela presença da maioria

 

- E aí, velho. - Electro sorriu ao cumprimentar o conselheiro, passando pelo mesmo e indo postar-se ao lado de Alec; disfarçou perfeitamente o tremor interno que sentiu ao ouvir o nome de Hakuna

 

- Aff. - Verkan suspirou, revirando os olhos para o alto como se não tivesse percebido aquela costumeira indelicadeza

 

         Mystic conteve-se para não rir, afinal, aquilo seria ainda mais indelicado. Virou o rosto disfarçadamente para o lado, gargalhando internamente, quando percebeu a chegada do casal de místicos. O Mago de longos cabelos azuis como cataratas de água caminhava calmamente ao lado de sua esposa, a Sacerdotisa Hakuna. Ambos vestiam seus robes de batalha, e carregavam seus cajados místicos nas costas. Certamente, dentre os guerreiros presentes, o casal de feiticeiros era o mais belo, o mais fascinante.

 

- Atrasados? - Mizu perguntou, cumprimentando os guerreiros com um gesto de rosto muito sutil

 

- Não se preocupe. Murdoc ainda não chegou. - Alec comentou sorridente

 

- Ah, que alívio. - Hakuna murmurou docemente sorridente, com o braço dado com o marido

 

- Ora, aquele brutamontes! - ralhou Lady Die, impaciente - Como ele ousa nos deixar esperando? - cruzou os braços, irritada

 

- Vou dar uma coça naquele maldito. - Electro bateu um punho contra uma das mãos, zombeteiro

 

- É mais provável que você leve uma coça. - Mystic murmurou, gargalhando reclusa ao abafar a boca com uma das mãos

 

- Ora... - Electro franziu o cenho para a Archer, superficialmente ofendido

 

- Já chega, vocês todos. - Verkan interveio, revitalizando o clima amistoso no grupo de guerreiros

 

         Após breves minutos, o último guerreiro chegou. Murdoc não perdeu tempo subindo as escadas, de modo que apenas saltou para cima da base do castelo onde todos se encontravam, causando um leve tremor no solo rochoso. Todos o olharam assombrados com a repentina chegada, exceto Lady Die, que o encarava com uma competitiva fúria. Afinal, ela não havia esquecido a derrota que tivera contra Murdoc no Battle Castle.

 

- Finalmente. - Alec suspirou, deixando os ombros cederem

 

- Ótimo, vamos começar a reunião. - Verkan anunciou, tirando um pergaminho fechado de dentro do manto verde

 

- Como assim? Aqui na rua? - Electro sondou, olhando para cima e fitando o céu já ensolarado

 

- Alguma coisa contra? - o conselheiro espichou o olhar para o Pike, erguendo cruelmente as sobrancelhas

 

- Err, não. - Electro abriu seu sorriso mais amarelo, embora ninguém tivesse o visto por conta da máscara de tecido

 

- Então escutem. - o conselheiro pigarreou sutilmente, abrindo o pergaminho e passando os olhos pelo mesmo - Como já lhes informei pelo pergaminho da noite passada, Fury fugiu das masmorras onde estava preso por um selamento e está organizando uma guerra contra as cidades do continente. Se demorarmos a agir, será tarde demais. Há suspeitas de que ele está comandando um exército, e a missão de vocês é investigar esses indícios. Separados em duplas, lhes mandarei para alguns pontos onde imagino que algo pode estar se formando, e muito perto de iniciar uma investida contra o continente. - anunciou formalmente

 

- Por que duplas? - perguntou Mystic, curiosa

 

- Se encontrarem alguma das partes do exército do Fury, analisem se com seus poderes conseguirão exterminar todos com eficácia. Individualmente, isso se tornaria trabalhoso, por isso os mandarei em duplas. Se o inimigo estiver em número muito grande, apenas observem e voltem com um relatório de informações. Se algum de vocês encontrar o Fury, não ataquem, pois não podem vencê-los sozinhos. - explicou cautelosamente o conselheiro

 

- E se ele estiver na forma humana, como o reconheceremos? - Alec sondou, reflexivo

 

- Saberão que é ele, acreditem. Um homem com uma aura tão cruel e negra é impossível de ser confundido com um humano. Apenas voltem e reportem a situação. Vocês têm até o anoitecer do dia de amanhã para retornarem, e quando o fizerem, se reúnam em Navisko. Eu estarei esperando por vocês lá. - afirmou Verkan

 

- Fácil demais. - sorriu Lady Die, precipitadamente triunfante

 

- Não apresse as coisas, Lady. Agora os dividirei em duplas. Prestem atenção. - anunciou o conselheiro, olhando para o pergaminho - Lady Die e Murdoc irão para as montanhas de Greedy Lake.

 

- Há! - exclamou a Atalanta - Sem chance! Não vou pra lugar nenhum com esse monte de músculos. - protestou ela, irritada

 

- Sem contestações, Lady Die. Isso é uma missão importante para o continente, então não coloque suas futilidades acima dos seus deveres como guerreira. - cortou Verkan, assombrosamente sério

 

- Aff. - suspirou Lady Die, percebendo a irônica satisfação no sorriso de Murdoc

 

- Mizu e Alec irão para Eura. Mystic e Hakuna irão para Iron, onde supostamente está escondido o Fury, por isso tenham muita cautela. Como alguém terá de permanecer na cidade para o caso de uma invasão surpresa, Electro cuidará das cidades de Richarten e Pillai, as mais importantes. E por Seth ter ficado sem dupla, ele irá sozinho para Heart Of Perum. Todos deverão se lembrar do prazo de tempo para que retornem e não atrair atenção demais em suas investigações. - avisou o conselheiro

 

- Ora, que nostálgico. Heart Of Perum deve ser muito chato. - bufou Seth, conformado com o que lhe fora imposto

 

- Sacanagem, velho! - reclamou Electro em uma careta inconformada - Por que eu tenho que ficar com a parte mais chata? Putz, me mande com o Seth e cuide você das cidades. - baixou os olhos, emburrado

 

- Você ficará nas cidades, Electro, e não tolerarei reclamações absurdas. Eu tenho mais o que fazer. - declarou Verkan

 

- Ótimo. Quando devemos partir? - perguntou Mystic, empolgada

 

- Agora mesmo. Nos encontramos em Navisko daqui duas noites. Agora vão. - o conselheiro deu a ordem

 

- Certo! - assentiram os guerreiros, partindo imediatamente, cada dupla em sua direção

 

         Finalmente, haviam permanecido apenas Electro e o conselheiro. O Pike murmurou alguma reclamação tão baixa que não se pôde ouvir e afastou-se, caminhando lentamente pelas ruas de Richarten. Verkan sorriu daquela teimosia, adentrando novamente as entranhas de seu castelo. A partir daquele momento, as peças do tabuleiro começavam a se mover, e logo a jogada principal estaria pronta. O resultado dependeria exclusivamente daqueles guerreiros, que não poupariam esforços para proteger Priston.

 

 

Shellby POV On.

 

 

         Era agradável saber que eu não estava mais sozinha. Alec prometeu que estaria ao meu lado, que me protegeria, e mesmo não sendo mais uma garota iludida por palavras bonitas, eu me sentia extremamente bem ao pensar naquilo, ao lembrar da noite passada. No entanto, me entristecia saber que logo ele partiria, e eu entendia o nível de gravidade daquela missão. Verkan tinha sido meu mestre desde muito tempo, e eu não precisava ser comunicada de nada para saber qual seria o próximo passo dele como conselheiro daquele continente. Alec partiria ao encontro do perigo, das trevas, e meu coração apertava-se aflito a cada passo que eu avançava pelas ruas de Richarten. Eu precisava encontrá-lo antes que ele fosse embora. Eu precisava daquela despedida, acreditando fielmente que ele voltaria para mim. Nada importava se ele me prometesse que voltaria, e eu o esperaria o tempo que fosse preciso.

         Não soube se pela sorte ou pelo destino, encontrei-o na saída de Richarten que dava para a floresta. Ele estava acompanhado de um Mago, que eu sabia ser Mizu, o feiticeiro da elite. O tempo corria, mas eu corria ainda mais depressa. Tremendo ao vê-lo dar longos passos para fora da cidade, passando pelo portão, não pude controlar minha voz. Gritei, revelando-me a mais desesperada. Estúpida e apaixonadamente desesperada. Ele virou-se surpreso ao ouvir a minha voz, encarando-me com seus amorosos orbes verdes, e eu soube que ele podia ver meu rosto nostálgico através da aba daquele chapéu sobre minha cabeça.

 

- ALEC! - gritei com toda a minha força, correndo desesperada na direção do portão, onde ele permanecia à minha espera

 

- Hum? - o Mago murmurou confuso, encarando-me com a maior de suas surpresas; eu sabia o que ele estava pensando. "O que a mulher do BC está fazendo aqui?"

 

- Shellby! - Alec abriu seu sorriso mais radiante, abrindo seus braços quentes para que eu me jogasse neles

 

- Alec! Espere... - supliquei ofegante ao me aproximar dele e embrenhar-me em seus braços; braços que se fecharam ao redor do meu corpo, apertando-me docemente

 

- Como você soube que... - ele tentou perguntar, mas não havia tempo para conversas demasiadas e eu precisava me despedir, de modo que delicadamente atropelei sua fala

 

- Isso não importa agora. - cortei, sôfrega - Eu não poderia deixar você ir sem me despedir. - revelei, apertando-o naquele abraço - Por favor, volte logo! - pedi, com o rosto escondido em seu peito metálico

 

- Ahn, vou esperar logo ali. - Mizu deu-nos espaço para aquela despedida, afastando-se alguns passos à frente

 

- Eu voltarei, certamente. - prometeu-me ele com um sorriso afável - Não se preocupe, em duas noites estarei de volta.

 

- Sentirei sua falta. Tudo voltará a ser solitário na sua ausência, mas eu estarei esperando para quando voltar. Só me prometa que voltará bem. - pedi, erguendo o rosto para lhe olhar nos olhos, de modo que meu chapéu caiu para trás; incrivelmente, não me importei com meu rosto descoberto, pois eu só queria que o olhar verdejante de Alec invadisse o meu

 

- Eu prometo. - assentiu ele, passando uma das mãos pela maçã de meu rosto, exageradamente corada com aquele toque

 

- Tome cuidado. - foi meu último pedido, e então eu o deixaria partir, mesmo que meus braços insistissem em agarrar o tronco dele junto ao meu peito

 

- Shellby, não tenha medo. - murmurou ele com o rosto ao lado do meu, de modo que sua boca praticamente tocasse o alto de minha orelha - Porque eu te amo. - e então sua voz dançou em meus ouvidos da maneira mais aveludada possível; eu tremi

 

         Quando consegui erguer o rosto para encarar aquele olhar profundo, percebi que Alec já se afastava de mim. Nada pude dizer, nada pude expressar diante daquela declaração senão um espanto emocionado. Seu rosto se afastava do meu, sorrindo delicadamente como se nos conhecêssemos há décadas. Senti como se nada no mundo pudesse me tornar mais feliz, afinal, tudo que eu mais queria era ter meu amor correspondido, e eu o tinha. Eu sabia que aquele sentimento era verdadeiro, era caloroso. De meus olhos brotavam lágrimas, mas eu não as deixei cair enquanto observava a imagem de Alec se afastar até desaparecer no verde escuro da floresta. Não deixei lágrimas rolarem por meu rosto, pois aquele era um momento feliz, e eu prometi que não mais choraria.

 

 

Shellby POV Off. Alec POV On.

 

 

         Já nas entranhas profundas da floresta, rumo ao frio congelante de Eura, eu caminhava ao lado de Mizu. Sentia que meu corpo vibrava, assim como meu coração. Eu era um homem feliz, um homem completo. Eu tinha tudo o que precisava, e nem mesmo aquela guerra me incomodava tanto. Shellby era o meu amor.

 

- Então, está saindo com a garota do BC? - Mizu sondou curioso, parecendo incrédulo diante do que havia visto

 

- Não estamos saindo. Ela é minha mulher. - respondi com a maior satisfação que um homem apaixonado poderia ter ao dizer que tinha uma mulher, e que ela era realmente sua

 

- Desde quando? - o Mago injetou seus olhos surpresos sobre meu rosto

 

- Desde agora. - afirmei, abrindo um gigantesco sorriso, o que era suficiente para que minha contagiante felicidade fosse percebida.