Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 9
Capítulo 8




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Dessa vez, o sono se rompe de forma menos atormentadora, ainda dilacerante, mas menos enlouquecedor.

De novo ele se põe sentado, mas dessa vez sua cabeça não roda violentamente, apesar de o mundo ainda parecer nublado, na mesa em frente, Klaus o observa com insistência, com um rolo limpo de bandagens e algodões.

– Estava te esperando acordar.

– A missão teve sucesso? – a mera movimentação de seu tórax enquanto respirava o torturava, não se deu conta de que estava prendendo a respiração até o ar começar a lhe faltar.

– Sim senhor. – ele responde, um tanto ausente. – Vou trocar as bandagens.

– Eu dormi quanto tempo? – ele tira o cabelo do rosto com a mão boa.

– Dois dias. Usou a dose toda de anestésico.

– Hm...

As mãos de Klaus distraidamente procuravam desatar o nó frontal das ataduras encardidas de vermelho. Morpheu observava o trabalho em silêncio pacífico, parte olhando o trabalho, parte olhando a parede, sem se focar em nenhum dos dois verdadeiramente, seus pensamentos ainda flutuando no líquido sufocante do anestésico que o havia impossibilitado por mais de um dia.

– Fico feliz que não tenha infeccionado... – Klaus comenta como uma escapada casual do silêncio, focando-se menos no cheiro forte de sangue.

– Você foi eficiente em limpar o veneno antes que se prendesse a minha carne. – respondeu, contingente.

– Hm... Ainda dói muito?

– Apenas o bastante para que eu não me esqueça de que ainda estou vivo. – sua resposta parecia dolorosa, mas na realidade era o atestar de como ele realmente se sentia sobre o assunto.

– Sabe que eu poderia resolver isso muito mais rapidamente... Não sabe?

– Você fez isso pelos outros soldados? – a pergunta era simples, destituída de raiva ou reprovação.

– Não.

– Então não fará por mim. – ele olha na direção do doutor, que desenrolava as bandagens ao redor de seu braço.

O doutor suspira de qualquer maneira.

– Sim, senhor... – ele da a volta na maca, indo desenrolar as ataduras ao redor de seu ombro e seu peito. – Quando a unha atravessou seu ombro, eu tinha certeza de ter ouvido sua clavícula se partir...

– Ouvidos impressionantes. – sua resposta carregava o tom baixo de incredulidade que normalmente tinha quando o comandante se via cético diante de uma observação, via-o usando esse tom frequentemente com os soldados.

– Me pergunto como pode haver um buraco em seu ombro sendo que seu esqueleto permanece intacto. – ele solenemente ignora o tom de voz sarcástico de seu comandante, concentrando-se apenas no fato de ele ainda estar vivo e respirando.

Emanando o calor característico que a humanidade tão egoisticamente desperdiça.

– Um dia pararemos para falar sobre coisas inexplicáveis, doutor. Tenho certeza que será uma conversa muito proveitosa a nós dois, não acha.

Klaus sabe identificar alguém se pondo na defensiva, e suas mãos param ao sentir o tom cauteloso na voz de seu comandante.

– Não confia em mim, comandante? – ele pergunta, olhando a ferida vermelha, que vista pelas costas do comandante, já se parecia uma ferida improvável pelo cuidado com o qual desviava de todas as veias vitais que circulavam aquela área em particular.

– Estamos aqui, não estamos?

– Então por que está na defensiva?

– Por que você obviamente não é o que parece.

– Tenho absoluta certeza que você também não. – ele move as mãos mais devagar, mudança sutil que Morpheu não deixou de perceber.

– Quem está na defensiva agora?

Novamente o silêncio se coloca entre eles, enquanto Klaus descarta as ataduras usadas num dos cantos da cama, para ser jogada fora depois.

– Suas luvas, porque não está usando? – Morpheu pergunta, quebrando o silêncio opressor muito mais facilmente do que o médico poderia julga-lo capaz.

– Estavam sujas de sangue. – respondeu, um tanto sem-graça, puxando as mangas um pouco mais pra cima.

A ausência das luvas de fato o deixava mais ciente de si mesmo do que ele chegaria a admitir em voz alta. A sensação das mãos expostas ao ar frio era uma sensação que ele desconhecia quase que totalmente, além de severamente humilhante dentro de sua própria crença.

– Não quis deixa-lo desconfortável. – Morpheu comenta, ele ainda olha a parede à frente, poupando o doutor de lidar com o peso dos olhos que agora ele tentava domar uma vez mais, contudo a dor o distraia muito frequentemente.

– Não, tudo bem, é apenas a minha própria paranoia. – ele limpava a ferida, e por mais que as juntas dos dedos de Morpheu estivessem brancas com a força com as quais suas mãos estavam fechadas em punho, seu rosto e o resto de seu corpo permaneciam em um relaxamento refreado, olhando as juntas dos azulejos na parede limpa demais.

Morpheu nada mais disse, e Klaus deixou que a conversa morresse em paz. Contudo o silêncio o incomodava mais, ouvia tudo na sala, tudo que o cercava.

De qualquer modo, eles eram os únicos na sala no momento, os outros soldados dormiam em seus aposentos.

A essa distancia consigo ouvir o coração dele batendo nas costas...

O setor 27, estando na categoria de operações especiais, estava situado em um ponto não muito distante do setor 26 ou do 28, por tanto um ataque direto era muito improvável, o que dava aos soldados a liberdade de poder escolher seus quartos como local de descanso ao invés da enfermaria, o que era muito óbvio.

Mais e mais Klaus se perdia nos sons ambientes, trabalhando mecanicamente, dentro de sua experiência não precisava olhar o comandante para saber que estava atando e amarrando as coisas nos locais certos.

– Suas mãos estão geladas doutor, está com frio? – era impressionante a velocidade com a qual as conversas começavam e terminavam, mas Morpheu parecia ter perguntado simplesmente por sentir a hesitação nas mãos em suas costas, criando uma pequena conversa para distraí-lo.

– Sempre estou. – disse, antes de pensar muito, dando o último nó na parte da frente, entrelaçando os braços pelo peito do comandante, forçando-se a não tocar em nada mais que o necessário, afastando o rosto das costas a sua frente, não notou que não estava respirando até o cheiro pungente de morte parar de intoxica-lo.

Se afastou tão logo quanto possível, as mãos formigando ao redor dos pequenos contatos que havia sido incapaz de evitar.

Humanidade tão quente.

Tão viva e pulsante.

Tão fugaz e pequena.

Como uma supernova...

– Uma moeda por seus pensamentos. – Morpheu disse, um tanto mais amigável.

– O que eu faria com uma moeda? – questionou, incrédulo.

– O mesmo que eu faria com os seus pensamentos: Guardaria.

Não havia resposta pronta.

Então ele simplesmente olhou o comandante com certa surpresa constrangida.

– Nada a dizer? Isso é novidade.

Os olhos de Klaus se recolheram para si mesmos de novo, dirigindo-se a um ponto qualquer na sala.

– Não leve tudo tão a sério doutor. Obrigado. – ele indica o curativo.

– Não é mais que minha função.

– Eu sei. Agiu rápido lá fora, evitou algumas mortes. Muito bem.

De novo ele voltou os olhos para o sorriso cálido, exausto e dolorido do comandante, que agora se preparava para ir de novo para a sua sala.

– Senhor, ainda está ferido. A ferida pode abrir.

– A ociosidade me fere muito mais, doutor. Mas obrigado pela preocupação.

Ele deixa a sala a passos lentos.

Novamente sozinho, o doutor se deixa cair na maca ainda morna, aspirando os restos de calor contidos ali, afundando o rosto no travesseiro, que cheirava a pólvora e shampoo.

Seus dedos ainda formigavam, mas agora absorto em sua própria inercia ele secretamente torcia para que a ferida abrisse e ele tivesse uma razão para visita-lo novamente.

Tão diferente.

Tão diferente... de todos eles.

Encolheu-se na maca, por alguns minutos distante do frio que normalmente açoitava seus ossos.


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Notas finais do capítulo

bem bem, como sempre mais um capítulo ainda hoje. ^u^



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