Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 6
Capítulo 5




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Com o corpo pesado, ele desperta sozinho na enfermaria, coberto pelo casaco de seu prestativo comandante, absorto num sonho que surpreendera suas expectativas de si mesmo, com o som da estática do alto-falante chiando alto, na enfermaria e no corredor.

Estava sonhando com o comandante que não conhecia.

– Atenção aos soldados do complexo. Armen Noir sediará um evento comemorativo aqui, com o propósito burocrático de “comemorar” a nova coordenação desse setor... – uma breve pausa, na voz carregada de monotonia sólida, e sarcasmo evidente. – Ou seja, todos os que estiverem dispostos a participar do ocorrido devem seguir o código de vestimenta e usar... terno e gravata... – ele parece incrédulo quanto as próprias palavras, Klaus consegue quase figurar a expressão de descrédito nas feições de seu superior. - Aqueles que sensatamente preferirem evitar a situação, ou não tiverem roupas apropriadas para o ocorrido, e não quiserem encomendá-las, têm minha permissão para deixar o complexo. É só.

A estática cessa, e novamente o ambiente todo se afunda em silêncio opressor, ele se põe sentado, olhando para o chão, com o casaco nas mãos, seu olhar se direciona por alguns milésimos de segundo para a peça de uniforme que seu comandante gentilmente havia deixado com ele, não se atreveu a se envenenar com o cheiro que emanava dali, então pôs-se de pé no intuito de devolvê-lo, caminhando com muito mais estabilidade pelo corredor do que esperava considerando a matéria líquida que havia se tornado por dentro, e como sentia-se tremer nos joelhos sempre que firmava seus pés no chão.

– Senhor? – bate de leve na porta.

– Entre doutor.

Encontrou reclinado sobre a mesa, o olhar voltado aos papéis, escrevendo cartas que anunciavam óbito, os olhos cansados e pesados, contudo o cabelo permanecia metodicamente preso em um rabo de cavalo alto.

– Como se sente? – perguntou, mentalmente ausente.

A pergunta familiar ardeu no fundo da garganta de Klaus, que o olhava em silêncio, vergonha, deixando o casaco sobre a cadeira no canto da sala.

– Meu comportamento hoje foi muito inadequado, senhor. Peço perdão pelo desconforto que posso ter criado. – apoiava as mãos no encosto da cadeira para prevenir-se de movê-las demais e acabar por parecer ansioso.

– Não tenho críticas quanto a isso, doutor. Meu braço está novo em folha, e não tenho cicatrizes ou pontos para me impedir de escrever. Contudo não acho recomendável que repita o processo com frequência, quando desmaiou tive de ampará-lo antes que batesse a cabeça na mesa e se machucasse mais do que eu. – ele volta os olhos na direção do médico enquanto molhava a caneta na tinta. – Confesso que fiquei surpreso com a iniciativa, mas confio que suas atitudes se baseiam no seu bom senso médico, e que estava apenas zelando pelos meus melhores interesses e recuperação mais eficazes, estou certo? – ele o observa com o canto dos olhos, enquanto assinava um dos formulários.

Ele decidiu fazer vista grossa...

– Sim... Sim, claro, senhor. – disse, olhando o forro verde escuro da cadeira no canto da sala e silenciosamente lembrando a si mesmo que seu maior compromisso era com o seu dever, e não com suas vontades mundanas, tirando os olhos da mesa de mogno escuro onde Morpheu trabalhava, taciturno.

– Então é só, doutor. Obrigado por me devolver meu casaco.

– Ele é seu, afinal, comandante. – ele vira as costas, caminhando lentamente na direção da porta cravada de pregos de bronze.

– Me chame de Morpheu. – ele diz, ainda olhando as folhas sobre a mesa.

Seus passos se interrompem quando está quase fora da sala, virando nos calcanhares, na certeza que interpretara errado suas instruções finais.

– Pode repetir, senhor?

– Me chame de Morpheu. Se vou lhe confiar minha vida, posso muito bem permitir que me trate pelo nome, não?

– Eu... Claro, senhor... – disse, ainda com certo choque diante da casualidade de tratamento que lhe era exigida.

Numa hierarquia como aquela, raramente seus participantes se designavam por mais do que títulos, em todos os anos em que estava servindo, era a primeira vez em que um tratamento tão casual lhe era oferecido de qualquer modo.

Morpheu sorri, cansado, voltando ao trabalho com os papéis.

Incerto de como prosseguir, Klaus termina seu caminhar para fora da sala, aguardando que a porta se fechasse atrás dele, reclinando-se sobre ela, fechando os olhos por alguns segundos antes de marchar em direção a enfermaria novamente e encontrar dois soldados, aparentemente sofrendo as dores de algum ferimento já que tentavam manter qualquer peso longe dos membros feridos.

– Sim? – pergunta colocando o jaleco branco novamente.

– Machuquei o braço no treinamento de campo de ontem, não achei que fosse nada, mas hoje ele está inchado e... Não consigo movê-lo. – ele não sustentava os olhos do doutor por muito tempo nervosamente alternando pelos objetos espalhados pelo quarto.

A camisa do uniforme de ambos não estava em lugar nenhum do aposento, provavelmente os treinamentos de campo não cobravam o uso de camisa para serem realizados.

Parecia muito compreensível.

– Solte. Deixe eu olhar isso ai.

O outro continuava em silêncio, apoiado apenas em uma perna, segurando-se numa cadeira.

– Deslocado. Você. – ele aponta o outro, que segurava a cadeira. – Vai deitar. – ele aponta as macas num aceno vago de mão.

Ele manca lentamente na direção da maca branca e limpa.

– Nome soldado? – ele puxa um bloquinho do jaleco, tirando a tampa da caneta com a boca.

– Artesis.

– Número de identificação?

– 67-983.064

– 67... Linha de frente?

– Sim.

– Hm... – ele arranca o papel, jogando o papel na mesa, entregando um pedaço azul escuro de plástico ao soldado – Morda.

Como instruído o soldado morte o plástico azul com gosto de álcool etílico, observando enquanto o doutor lentamente se aproxima, colocando uma mão no ombro ferido...

Empurrando-o para trás num movimento único e limpo, o som alto de estalado e madeira batendo pouco antes do barulho estrangulado do grito parado no meio dos dentes do soldado, seguido de vários gemidos de dor e desconforto, respirando forçosamente pelo nariz.

– Vai ficar bem. – diz, aplicando uma pequena dose de spray para a dor muscular que viria assim que a carne esfriasse e a dor de verdade viesse. – Você? – seus olhos se voltam ao soldado que agora parecia amedrontado.

– Er... Minha perna, doutor...

– Sei disso, quero seu nome.

– Inrhain

– Hm... – ele anotava no papel como fizera com o outro. – Número?

– 34- alfa- 445.093

– Atirador de elite, ok... Como aconteceu? – ele pergunta com um pequeno movimento de cabeça na direção da perna ferida.

– Caíram na minha perna, doutor.

– Hm... Consegue dobrar os joelhos?

– Um pouco, sim.

– Terá de imobilizar, mas provavelmente não foi nada grave. – ele rasga o papel, colocando-o junto com o outro sobre a mesa.

Ele passa rapidamente pelos armários buscando um ou dois comprimidos brancos e amarelos, entregando-os junto com um copo de água ao soldado.

– Vai ajudar com a dor, descanse e imobilizarei sua perna. – ele da meia volta colocando os papeis no arquivo ao lado do armário de remédios. – Em três dias você volta, você em oito. – ele aponta vagamente na direção do soldado.

~*~

Com o novo treinamento aplicado sobre os soldados, mais e mais vezes Klaus tem visitas frequentas a enfermaria, trabalho e ocupações que ele muito aprecia, assim pode se convencer todas as noites de que está sendo um profissional digno do cargo que ocupa.

E por cerca de duas semanas, ele conseguiu, com sucesso, manter-se longe do comandante da unidade, que revelou-se muito competente em evitar lacerações desnecessárias do que o esperado, até que na quinta-feira da terceira mesma semana, o som familiar da estática das caixas de som preenchem o silêncio.

– Boa tarde. Hoje haverá a comemoração da mudança de regência por parte da Armen Noir, os encouraçados estarão partindo em uma hora com todos os que não quiserem fazer parte da comemoração, o retorno se dará amanhã às sete da manhã. Os que ficarem têm duas horas.

Com um suspiro frustrado, Klaus deixa a enfermaria, até seu quarto, para pôr-se vestido para a maldita cerimonia comemorativa que eles tão encarecidamente ofereceram ao comandante.

Entrou jogando o jaleco e a camisa pelo quarto, encontrando seus olhos refletidos no espelho da parede em frente a porta, e sentou-se na cama por um instante, olhando o tapete, os tão, tão olhos cansados.

– Pra que isso? – seus olhos encaravam as tatuagens nos braços, escuras, intrincadas.

Em meio à guerra que se desenrolava entre o sul e o norte, parecia absurdo haver qualquer motivo para celebração, de qualquer espécie que fosse. O cheiro de sangue estava em toda parte, cheiro de lágrimas, cheiro de medo... Cada pessoa, cada nome, cada rosto, todos com uma história, uma ausência que fariam na vida de alguém quando como todos os outros, caíssem em batalha defendendo aqueles que conheciam, que não conheciam, que nunca conheceriam...

Morte vã.

Morte suja.

Morte imutável.

Pensava sobre enquanto tomava banho, enquanto colocava a camisa branca, enquanto arrumava a gravata também branca, enquanto vestia o terno de maestro, enquanto trocava as luvas para um par feito de algodão, enquanto caminhava até a enfermaria, enquanto pegava os relatórios da semana e ia entrega-los ao comandante.

– Senhor. – a voz saiu rouca, como se tivesse gritado por horas, secretamente esperando que ele não tivesse ouvido e pudesse evitar aquele confronto por mais algumas horas.

– Entre.

Claro que ouviu.

Pisou no interior da sala olhando o tapete, e o tapete apenas, vermelho escuro e áspero, deixando os papéis sobre a mesa de mogno maciço, virando-se para sair.

– Doutor.

Voltou a cabeça para cima, suspirando, olhando as muitas estantes de livros por um longo momento antes de voltar os olhos ao comandante, em seu terno preto, os cabelos soltos espalhados pelas costas em ordem desalinhada, enquanto lutava com a gravata preta que tinha em mãos, entre os dedos.

Cheirava a morte e perfume, como sempre, e carregava uma expressão plácida.

– Sim?

– Parece cansado, tem trabalho muito, tenho certeza.

– O trabalho me mantem ocupado, não tenho reclamações.

– Devia dormir, doutor. – a gravata parecia ser mais difícil de manobrar do que ele inicialmente cogitara. – Posso dispensa-lo das formalidades.

Nem por um momento ele havia voltado seus olhos ao doutor parado na porta, concentrando-se a pequena superfície reflexiva da janela lateral, tentando resolver-se com a gravata que se recusava a apresentar seus termos e apenas mantinha-se em estado de rebeldia e desordem.

Mas eram raros os momentos em que seus olhos se cruzavam de fato.

– Me considera inferior, comandante? – a nota amarga na voz do doutor era quase inaudível a qualquer um menos ele mesmo.

Parando sua batalha com a gravata, o comandante volta seus olhos na direção de Klaus pela primeira vez desde que entrara, olhos inalterados, mas que carregavam uma dúvida, séria e composta.

– O que?

Atravessando a sala em silêncio cadenciado, cada vez mais pesado, olhando com firmeza o homem que agora parava diante de dele, olhando para baixo, esperando uma resposta, uma retorque, uma crítica, uma reação qualquer que fosse.

Ele toma a gravata de suas mãos, tomando o cuidado de não tocar em nada ao fazê-lo, em silêncio claustrofóbico, fazendo o nó da gravata, olhando apenas o trabalho que fazia com ele, evitando os olhos de Morpheu com certo rancor.

– Não preciso que se preocupe com as rachaduras na porcelana que me compõe, gaste esse tempo tentando manter-se vivo por mais um dia... Comandante. – dessa vez a nota ácida em sua voz foi muito mais clara, ofendida, abrasiva por trás do tom de voz calmo.

Amarrou o nó talvez forte demais, talvez apertado demais, mas o comandante nada disse, nem um único ruído incomodado, nada.

– Pode fazer isso, senhor? – perguntou, reclinando a cabeça, sarcástico, deixando as mãos caírem ao lado do corpo.

– Seu erro, doutor, é supor que minhas ações refletem em eu acreditar que é inferior, pois nesse caso, minhas ações seriam motivadas por empatia... Não sou um homem tão bondoso, se quero que se mantenha em sua integridade plena, é porque a mim, você é um peso morto e um estorvo se for incapaz de exercer sua função de remendar meus homens com eficiência. Nada mais. – ele fecha as abotoaduras douradas, sem afrouxar o nó apertado da gravata.

A nota ofendida nos olhos do doutor se torna rapidamente uma coisa mais profunda, mais pessoal, mais magoada, mas ele não diz nada.

– Equivocado o homem que se considera indispensável, doutor... Recomendo que não deixe o peso de seu orgulho dizer que espontaneamente eu o colocaria num pedestal. Por enquanto, a mim, você é uma peça, confio a você minha vida, mas não o torno meu deus por isso... Se quiser meu respeito, se quiser minha admiração, vai ter que provar que você o merece. Não se superestime.

Ele caminha vagarosamente até a porta, apoiando uma das mãos no batente e voltando-se uma última vez ao médico, cujo orgulho havia sido pisado.

– Pode fazer isso, doutor?

Um sorriso amargo emerge nos lábios do médico que até agora encarava uma das estantes.

– Posso sim.

Klaus caminha na direção da porta, passando pelo comandante. Ele segue pelo corredor, em silêncio, correndo os dedos pelo cabelo escuro e jogando-o para trás.

Um pequeno sorriso silencioso enquanto caminha até o salão principal, uma nota de vermelho corre seus olhos enquanto ele puxa uma cadeira no canto da sala, observando-a enchendo-se aos poucos

– Não devia ter me insultado... Não devia... – ele pensa em silêncio. – Se sabe tanto sobre mim devia saber que mudaria minhas prioridades... Quer jogar comandante? Vamos jogar.


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Notas finais do capítulo

~risadinhas~
não, ainda não.
mas já comecei a escrever o yaoi de verdade
podem ficar com raiva agora UuU



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