Metamorfoses Voláteis escrita por Cupcake Says


Capítulo 32
Capítulo 31




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“O que está olhando Alloces?”

Andras permanecia sentado num galho de árvore alto, observando enquanto os poucos drones rodavam a região em suas formações circulares coordenadas, andando a esmo em busca de algum alvo que se qualificasse com o cheiro daquilo que deveriam matar.

“Astaroth... Fará um movimento ousado.” – ele diz, enrolando as mechas soltas de cabelo pálido entre o indicador e o polegar, a cabeça abaixada e o cabelo em desalinho soltando-se da trança onde ele mantinha suas mechas aprisionadas.

“Não espero nada diferente disso de Astaroth.” – ele retruca, descendo do galho e aterrissando no chão com um baque seco.

Alloces levanta, batendo a neve que havia se acumulado em seus ombros e cabeça, caminhando na neve na direção de Andras.

“Vi que você e Dantalion tiveram problemas depois da nossa última conversa.”

“Não fale como se já não soubesse disso mesmo enquanto conversávamos, sabia que Dantalion ficaria incomodado.”

“Estava tentando me privar da sua companhia, mas acho que fracassei nessa tarefa.” – ele sorri, tirando uma das mechas de cabelo de Andras da frente dos olhos, sabendo que o desalinho das mechas sempre havia sido algo esteticamente agradável para qualquer um que parasse para observar.

“Está fazendo de novo.” – Andras responde, inabalado.

“O que?” – ele pergunta com um sorriso amável, talvez amável demais.

“Para alguém que vê o futuro você faz perguntas bastante óbvias, Alloces.” – ele diz, inclinando a cabeça para o lado.

“Oh, mas que surpresa agradável.” – Alloces diz, voltando-se na direção das ávores, enquanto Dantalion caminhava lentamente em meio a neve, os olhos emanando aquela fumaça avermelhada densa, quase sólida, olhando na direção de Alloces como se pudesse corta-lo com os olhos.

“Dantalion.” ­– Andras suspira, correndo os dedos pelo cabelo, que se espalha novamente de forma charmosa em frente aos seus olhos.

“Eu sei o que está fazendo, Alloces.” – Dantalion retruca, ignorando a presença de Andras como se ele não estivesse ali.

“Oh? Sabe? Elucide-me então.” – ele diz, a voz doce ecoando dentro da mente de Dantalion era suficiente para que ele tivesse as mãos em punho, e a fumaça de seus olhos começasse a circula-lo com uma constância espiralada.

“Dantalion, chega.” – Andras diz, com os braços cruzados sobre o peito.

“Por que você defende ele, Andras?!” – ele pergunta, batendo a mão fechada numa árvore muito próxima de maneira frustrada, fazendo com que esta se partisse e caísse no chão, num estrondo abafado pela neve.

“Porque sua justificativa para estar irritado é ridícula. Está sendo irracional.” – ele diz, ainda inabalado, olhando a árvore e então Dantalion de maneira indiferente, como se sua pequena demonstração de raiva já fosse tão previsível que se tornasse tediosa. – ­“De novo.”

Gremory chega entre as árvores segundos depois, olhando para Dantalion e Andras com desgosto, sibilando mais uma respiração hostil entre os dentes. Alloces havia se sentado novamente e agora trançava o cabelo outra vez.

Andras olhava para Gremory com o mesmo desprezo indiferente que olhava para as atitudes infantis de Dantalion, poupando-o pouco menos que um relance antes de voltar os olhos na direção de seu parceiro alterado novamente.

“Oh, então é isso? Está do lado dele?” – ele pergunta, olhando na direção de Alloces que agora tinha ambas as mãos paradas sobre os joelhos, numa posição discreta.

Andras arqueia as sobrancelhas, a expressão de desinteresse se misturando com a de incredelidade, como se ao mesmo tempo que não acreditasse o quão ridícula era a discussão que estava tendo, não se importasse com o resultado dela.

“Do lado de Alloces? Alloces não precisa de pessoas do lado dele, ele sabe se cuidar... Você precisa, hraigir?” – ele diz, propositalmente olhando na direção de Gremory que para ao lado do lugar onde Alloces permanecia sentado, com um pequeno sorriso de deboche antes de voltar a olhar na direção de Dantalion novamente.

O uso da palavra hraigir formou uma expressão ofendida no rosto de Dantalion, sabendo que Andras somente a usava quando estava completamente cansado do que quer que fosse que ele dizia e queria fazê-lo se calar, usava-a em muitos momento, mas geralmente quando estava pronto para abandonar seu estado de tranquilidade e controle pessoal.

Dantalion olha para baixo, os braços parados ao lado do corpo, mordendo o lábio inferior como geralmente fazia quando se sentia insultado e se sentia o sangue ferver devagar nas veias. Andras conseguia ouvir o martelar irritado do pulso de Dantalion nos ouvidos e sua expressão de desinteresse se dissipou, em parte.

“Eu gostaria... Mas não, não preciso.” – ele diz, levantando os olhos em silêncio, os olhos estoicos de caçador que ele normalmente tinha, a fumaça espiralada ao redor dele rodando um pouco mais rápido.

“Dantalion-” – ele suspira.

“Não.” – ele interrompe. – “Eu não preciso... E nem você.”

Dantalion some pela floresta, as vozes no interior de sua própria cabeça falando um pouco mais alto, cruzando quase toda a floresta rápido o suficiente para mal chegar a perturbar a camada de neve sob seus pés, até que um dos braços de Astaroth cortar seu progresso , batendo na altura de seu pescoço, impactando contra a coleira de aço e fazendo-o cair pra trás quando o movimento de suas pernas não mais condizia com o resto de seu corpo, aspirando ar não por necessidade, mas para abrir as vias de ar novamente depois do impacto com a barra de aço que representava o braço estendido de Astaroth.

Entretanto permaneceu na neve, estirado como se olhar o céu cinzento de inverno fosse qualquer coisa além de uma enorme sobrecarga cromática aos olhos sensíveis a luz e cores.

Astaroth se moveu alguns passos, sentando-se no peito de Dantalion e sentindo os ossos de costela presas entre suas pernas, lambendo o sangue úmido dos dedos.

“Astaroth...” – disse, tossindo com o peso de Astaroth sendo abandonado em suas costelas, assistindo-o limpar as mãos.

“Porque está com raiva, Dantalion?” – ele pergunta, ainda limpando os dedos tal qual um gato faria.

“Quem disse que estou com raiva?”

“Não confunda o fato de eu não me importar com a minha habilidade de notar a densidade opaca que a fumaça de seus olhos assumem quando está irritado... Além disso está respirando demais, e seus músculos estão contraídos...”

Dantalion solta o ar dos pulmões, incapaz de enchê-los novamente enquanto Astaroth propositalmente fazia pressão para baixo, esmagando seus ossos contra o chão de neve.

A pressão era um alívio, mas ainda assim sentia-se irritadiço com o comportamento complacente de Andras, e mais ainda com Alloces e sua passivo-agressividade em fazer o possível para perturba-lo.

Diante do silêncio que recebeu como resposta, Astaroth finalmente olha para baixo, como se pela primeira vez notasse a presença de Dantalion ali.

“Silêncio? Hm... Deve ter sido Alloces então.” – o silêncio perdura, Astaroth se inclina suavemente para frente, o cabelo escorrendo por cima dos ombros. – “Quanto tempo desde a última vez que saiu para caçar?”

“Algum tempo... Muito tempo...” – ele admite um tanto constrangido.

“Hum...?” – Astaroth para o que fazia, colocando alguns dedos ensanguentados na boca daquele que ele mantinha aprisionado com o peso de seu corpo e os joelhos. – “Vai esquecer o gosto de ferrugem, Dantalion... Gosto de vida fluida e morte... Vá até as montanhas... Prefere os grandes felinos, se bem me lembro.” – ele completa, brincando de maneira inócua com a língua de Dantalion entre os dedos.

“Boa memória.” – ele comenta, em parte ausente, em parte distraído.

“Só para o que me vale de alguma coisa.” – ele diz, tirando os dedos quase limpos da boca de Dantalion e limpando a saliva no tecido grosseiro da calça antes de se levantar.

Dantalion se coloca sentado, passando a língua pelos lábios uma ultima vez. Astaroth estende uma das mãos para ajuda-lo a levantar, mão que ele aceita sem maiores reclamações, colocando-se num silêncio mutuo que era incomodo apenas pra ele.

“Não confio nele... Em Alloces.” – ele diz, após uma pausa maior que o necessário.

“Faz bem.” – é tudo que ele obtém de resposta. – “Na verdade seria mais prudente se não confiasse em ninguém.”

“Confio em você, Astaroth.”

“Não devia... Não hesitaria em te jogar no fogo se me parecesse conveniente... ou divertido.” – ele sorri, um sorriso plácido, o tipo sorriso que ele só tinha quando sua mente vagava sem ponto fixo pelo sadismo destilado que preenchia suas veias para quase tudo o que lhe cercava. – “Mas talvez... seja isso que você esteja esperando, não é mesmo, Dantalion?”

“Você não quer saber o que eu estou esperando, Astaroth... Só quer ele de volta... Está apenas me mantendo sob controle.”

“Ai que você se engana, meu caro... Estou pacientemente esperando você perder todo o seu controle.” – ele sorri, um sorriso muito característico, de quando aquele sadismo morno e acido que Astaroth mantinha em suas rédeas por alguns momentos transbordava para a superfície num vislumbre fugaz e tóxico.

“Não precisava ter me parado com tanta violência, Astaroth, bastava ter me chamado.” – ele reclama, soltando o cabelo no intuito de prendê-lo novamente.

“Certamente me lembrarei disso da próxima vez.” – ele diz, displicente, segurando-o pelos pulsos quando ele parou o que fazia para olhar na direção dele por alguns milésimos de segundos.

Dantalion permanece estático enquanto Astaroth se inclina de modo a deixar os olhos de ambos na mesma altura. – “Você nem ao menos tenta se defender, não é...?” – Astaroth insinua, uma nota severa de julgamento nos olhos. – “Vulgaridade...”

“O que está fazendo, Astaroth?” – Andras pergunta, emergindo do meio das árvores.

“Domando suas coisas, já que você parece muito distraído para fazê-lo.” – ele responde sorrindo, empurrando Dantalion na direção dele, alguns metros a frente, ele tem marcas de dedos nos pulsos.

“Não preciso de você cuidando do que é meu, Astaroth.”

“Cuidando? Eu? Oh... não me entenda errado... estou apenas estudando meus limites... Acontece que não tenho limites, pelo que eu vejo. Mas não preocupe sua cabecinha nesse pequeno detalhe...” – ele pausa, com um sorriso tranquilo e gentil. – “Se eu o quisesse, você seria o primeiro a saber... Mas não quero. Apenas me diverte a sinceridade crua que ele despeja pelos olhos...” – ele olha vagamente na direção de Dantalion, que desvia os olhos, com uma certa insatisfação que não podia ser muito bem expressa com palavras. – “Não preciso ler mentes para entender.” – ele olha na direção de Andras, o sarcasmo permeando os olhos e as palavras.

Andras fecha as mãos em punho.

“Oh, Andras... O que te faz acreditar que eu não explodiria sua cabeça se fizesse o que está pensando? Tanto ciúmes... Mas... Ciúmes de quem exatamente?” – ele olha os punhos fechados de Andras por alguns segundos antes de voltar a encarar os olhos dele.

“Você é mesmo um cretino arrogante, Astaroth...”

“Isso não é exclusividade sua, infelizmente.” – ele sorri.

Dantalion o para quando ele caminha um passo para frente, as unhas pregadas nas palmas das mãos fechadas em punho, fazendo o sangue escorrer, azul na neve logo abaixo.

“Não faça isso, Andras.” – Dantalion diz, sabendo que Astaroth poderia mata-lo antes que ele se aproximasse.

Andras respira fundo uma única vez, entre os dentes, antes de dar meia volta e sumir pelas árvores.

Dantalion poupa um olhar rápido na direção de Astaroth, que acena gentilmente na direção dele, o sadismo pintando o violeta de seus olhos de uma forma tão viva que os deixava mais escuros.

Ele toma fôlego antes de partir sem dizer mais nada, mesmo que suas motivações para isso sejam outras.


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Notas finais do capítulo

pronto, o capítulo que complementa o anterior.
Agora sim.