ROCK IN RIO

Com certeza ela já havia sonhado inúmeras vezes com aquele momento, quando todos os olhos do mundo do rock estariam voltados para ela, Nickole Romanov. Vocalista, vinte e quatro anos, linda. E nervosa. Umedeceu os lábios com um gole da garrafa d’água e respirou fundo, escutando o som alto da banda Avenged Sevenfold com sua última música,Nightmare.

Os instrumentos já estavam testados e posicionados nos bastidores, e o seu figurino era simples, mas ela mesma havia montado. Uma camisa justa branca “Sex Pistol”, uma calça jeans e coturnos negros. Nicko passou as mãos pelos cabelos negros e puxou-os com um pouco de força, mordendo os lábios vermelhos em seguida.

Avenged terminou sua apresentação e enquanto Nicko e sua banda se preparavam, eles se despediam do público com maestria, levando todas as centenas de milhares presentes no show Palco Mundo daquela noite ao delírio. A Russa respirou fundo de novo, quando Katja Shanti bateu as mãos em suas costas numa tentativa de a tranquilizar.

- Relaxa, Nicko. Vai dar tudo certo - a indiana sorriu e pegou o contrabaixo negro, preparando-se. Ótimo.

Mas o problema, o diabo do problema, não era o show em si. Era algo que ela não podia contar para ninguém. Nickole bufou e, antes de subir ao palco Mundo, sentiu seu celular vibrar no bolso de trás da calça:

“Estou no camarote, torcendo por você.

Te amo,

Alexandre”

O coração agitado pareceu se derreter como manteiga na frigideira quente. Ela puxou um sorriso no canto dos lábios finos e, de repente, ela teve certeza de que tudo daria certo. Sempre estaria tudo bem enquanto eles estivessem juntos.

As luzes se apagaram e os sons ocos da guitarra indicaram que o show delas começaria. O público assoviava e chamava-as impacientemente, querendo-as com toda a sua volúpia naquele palco.

- OLÁ RIO DE JANEIRO - gritou a Romanov, com seu português engraçado, entrando em corrida até o centro do palco, seguida pelos holofotes superiores.

O público respondeu com um grito que fez a alma da russa vibrar. Aquilo era um sonho. A música que se iniciou foiQueens of Noise, já levantando o público, que sacudia bandeiras de diversos países e cartazes com centenas de mensagens.

Nickole, Katja, Ryan, Holly e Cherie estavam com os corpos trêmulos, suados e a beira de um orgasmo musical nos primeiros cinquenta minutos de show. A morena, mesmo depois de várias corridas por toda a extensão do palco, não perdia o fôlego e não desafinava, nem mesmo emCherry Bomb, música que compartilhava com Cherie.

Foi quando ela parou no centro do palco e a música cessou que ela se deu conta. Os olhos claros estavam focados naquele mar de gente, ovacionando-a de uma forma eloquente e quase insana, que ela deixou algumas lágrimas caírem porque era agora o momento.

- Me desculpem - disse ela em inglês, ainda respirando descompassada. - Mas não consegui aprender o português devidamente, me desculpem! - ovações e gritos felizes se sucederam, e ela se sentiu mais calma. - Eu queria pedir a vocês que me dessem licença pra cantar uma música que não está no nosso repertório, mas é muito importante pra mim...

Ela pendurou seu violão marrom-escuro e colocou o microfone no apoio, respirando fundo com a voz embargada:

And so it is

Just like you said it would be

Ela procurou o jovem nos camarotes, mas as luzes a impediam de o encontrar. Porém ela sabia que ele estava lá e estava ouvindo.

Life goes easy on me

Most of the time

Ela começou a dedilhar em seu violão, de olhos fechados.

And so it's

The shorter story

No love, no glory

No hero in her sky

A sua voz subiu algumas oitavas, e a banda a acompanhou com os instrumentos.

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes off you

Ela repetia a mesma frase com rouquidão, arrastando-se como se cantasse uma suave cantiga de ninar.

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes...

Ela parou um pouco de cantar, observando o público rígido do Rock In Rio se deixar levar, ainda que aos poucos, pela música lenta que não estava prevista. Nickole retomou o ar e deixou-se levar pelas lembranças que lhe acometiam a mente.

Estavam deitados num monte de folhas secas de outono, olhando o céu azul com ralas nuvens dançar diante de seus olhos. Atados, unidos, os dois não precisavam de palavras pra dizer que se amavam mais que o universo.

And so it is

Just like you said it should be

We'll both forget the breeze

Most of the time

And so it's

The colder water

The blower's daughter

The pupil in denial

Outra vez, estavam sentados na cama do Aritza numa noite chuvosa. Jogavam Blackjack, entediados, quando a chuva atrapalhou seus planos, e, ainda assim, juntos, não conseguiam tirar os olhos um do outro.

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes off you

I can't take my eyes..

De volta ao show, a iluminação lembrava o outono, deixando a pele alva e suada colorida pelos holofotes. Ela começou a chorar de novo, deixando a voz ser tomada por um turbilhão de emoções, e toda sua concentração foi para os dedos afim de não errar nenhum acorde.

Did I say that I loathe you?

Did I say that I want to

Leave it all behind, Alexandre?

A menção do nome do namorado fez a plateia aplaudir e gritar fervorosamente, como se então tudo ficasse claro.

I can't take my mind off you

I can't take my mind off you

I can't take my mind off you

I can't take my mind off you

I can't take my mind off you

I can't take my mind...

My mind... my mind...

Until... Un..t...il..

As lágrimas não permitiram que ela continuasse e a música terminou sozinha, sobrando apenas a vibração do público e os próprios soluços da Romanov. Foi então que ela, de longe, nos camarotes, viu o namorado quase pendurado para fora das grades, como se isso o permitisse chegar mais perto dela.

- Alex, você quer casar comigo? - ela pediu com os lábios colados ao microfone, tendo todo o público do mundo e do Rock In Rio de testemunha.