- Quando tudo isso terminar, estaremos juntos.

Nellie acordou no meio da noite com essa frase martelando na sua cabeça. O que poderia significar? Só uma pessoa lhe vinha à mente ao pensar nestas palavras, mas isto não a levaria a lugar algum, uma vez que Sweeney continuava apaixonado pela sua esposa.

Virou-se na cama e percebeu o espaço vazio que deveria ser ocupado por ele, mas nunca seria, e ela sabia disso.

Percebendo que não voltaria a dormir tão cedo, Nellie vestiu um casaco e rumou para a sala de estar, na esperança de se aquecer um pouco na lareira, tentar afastar seus pensamentos do barbeiro que agora vivia em seu salão.

Mas parece que ela não foi a única a ter essa ideia.

Ao chegar à sala de estar, Nellie sobressaltou-se ao notar uma figura próxima a lareira; encurvado na cadeira com um copo de gim estava Sweeney. O barbeiro estava com os pensamentos tão distantes que Nellie precisou pigarrear para fazê-lo notar sua presença no local.

Ainda na dúvida se seria uma boa escolha permanecer na sala, Nellie serviu-se de uma dose de gim, encostando-se na estante ao seu lado enquanto admirava a silhueta do seu amado.

Nellie sempre quis se aproximar dele, porém Sweeney era frio e distante demais para isso. Seus pensamentos sempre estavam fixos na sua Lucy e isso fazia Nellie sofrer cada vez mais ai tentar alimentar suas esperanças de algo que nunca se concretizaria.

Que ele a amasse.

Isso era tudo que ela queria, mas parecia estar querendo demais. Ela nunca iria conseguir isto.

Hesitante, Nellie tomou um gole do gim, após algumas tentativas de falar com ele sem sucesso.

Apesar daquele jeito frio, Nellie o amava com todo o seu coração. Ele sempre estava presente em seus sonhos mais íntimos, por outro lado, estava sempre distante na sua realidade.

- O que faz aqui? – perguntou ele, ainda fitando a lareira. Nellie tomou um susto ou ser desperta de seus devaneios por aquela voz.

- Eu... – gaguejou. Na verdade não sabia exatamente o que estava fazendo além de admirá-lo, mas não diria isso a ele. – Eu só... estou sem sono – logo percebeu que ele não iria estender a conversa, então continuou: - E você?

- O mesmo – respondeu ainda mais frio.

Alguma voz no interior de Nellie a mandava desistir e voltar para o seu quarto. Porém ela era persistente.

- É ela novamente, não é? – perguntou, sabendo que isso poderia servir como uma faísca para uma explosão que viria logo em seguida.

Seguiu-se um silêncio que Nellie tinha certeza de que não seria quebrado pelo barbeiro. Ele não parava de pensar na sua querida Lucy.

Nellie deu passos hesitantes em direção ao barbeiro que até então não se movera. Estendeu, então, sua mão livre até tocar o ombro do homem que, ao sentir o toque, fez um leve movimento com a cabeça.

- Sabe o que penso sobre isso – disse Nellie, decidida a colocar seus pensamentos para fora. Ela já não suportava mais.

Ainda em silêncio, Sweeney fechou os olhos e puxou delicadamente a mão de Nellie trazendo-a em direção aos seus lábios. A padeira, por sua vez, afastou sua mão, deixando-o confuso.

- Não, Mr. T – ela disse. Sweeney agora estava virado para ela, olhando-a nos olhos. – Eu não posso. Não até você esquecê-la.

Nellie Lovett já não aguentava mais. Estava cansada de ser feita de brinquedo para ele. Que o amava era fato, mas já chegara ao seu limite. Não suportava mais passar noites ao lado dele, se para ele era só uma distração, já que seus pensamentos sempre o levavam a Lucy. Sempre a mesma pessoa, sempre ela.

- Mas eu a amo – disse Sweeney, sua voz fria fazendo Nellie se arrepiar. Apesar de estar sempre distante, ele sempre foi sincero. Nunca deixara esconder o fato de que ainda amava sua mulher.

- E eu amo você! – sem perceber, Nellie acabou falando mais alto do que deveria e olhou de relance para a porta à sua direita, esperando que Toby não surgisse. – Eu amo você – repetiu num sussurro. – Eu sempre o amei, desde a primeira vez que nos vimos, mas você se apaixonou pela Lucy... Mas eu sempre estive aqui – lágrimas escorriam pelo seu rosto – esperando você voltar, e você voltou! Mas não foi por mim. Foi por ela... foi sempre por ela.

Sweeney já estava de pé, olhando um tanto assustado para ela. Não esperava ouvir isso tudo.

- Mrs. Lovett... você sabe, mais do que ninguém, que eu sempre amei minha Lucy. Foi com ela que eu me casei, com ela quem foi tirada de mim, junto com a minha filha! – ele se aproximava cada vez mais, a fúria exposta em seus olhos; mas ao mesmo tempo parecia haver um pouco de afeto, compaixão, neles.

Nellie deu um passo para trás.

- Se ainda a amava de verdade, não deveria ter me usado esse tempo todo – retrucou. – A Fleet Street tem cortesãs suficientes para isso.

Nellie estava a ponto de explodir. Precisava se controlar. Mas acabara de desarmá-lo, pois ele havia parado e deu um suspiro, procurando as palavras certas para usar.

- Você é a única em quem eu posso confiar.

Agora quem havia sido desarmada foi Nellie. Ele não podia confiar nela, pois dissera que Lucy estava morta. Nellie não merecia sua confiança.

- Me desculpe, Mr. T, mas eu não posso. Você ainda a ama e nunca sentirá nada por mim – sorriu tristemente e virou-se para voltar ao seu quarto.

- Eu não sei, na verdade – soou a voz do barbeiro, fazendo-a parar onde estava e ouvi-lo. – Só sei que preciso matar o juiz e vingar a morte da minha esposa.

- E depois? – perguntou Nellie, ainda de costas. – O que irá acontecer?

Seguiram-se alguns minutos de silêncio, até Nellie ouvir os passos do barbeiro se aproximando.

- Quando tudo isso terminar – ele disse, pousando uma mão no ombro da mulher – estaremos juntos.

Então era isso. A frase que tanto a atormentava significava exatamente o que ela pensava. Aquelas mesmas palavras saíram da boca dele.

Abrindo um sorriso cheio de esperança, Nellie virou-se para ele e o abraçou, recebendo o calor do seu corpo em troca. Quando tudo isso terminasse, eles ficariam juntos. Quando todos os pesadelos fossem embora, quando o juiz estivesse morto e Sweeney apagasse a imagem de Lucy definitivamente da sua cabeça. Ela precisava agir quanto a Lucy. Sua mentira poderia custar caro se Sweeney descobrisse.

Poderia custar sua vida.