Destroçada escrita por Koda Kill


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Oi gente :) Essa é minha primeirissima shortfic, espero que gostem. Se sim, comentem. Beijocas.



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Em uma cidade consumida pela beleza, as pessoas fogem do feio. Fogem do que são. Fogem da vergonha da hipocrisia que sabem que carregam. O feio lhes agride e os incomoda como se a boca nova da última geração perdesse o brilho e os dentes descolassem. Na cidade consumida pela beleza compra-se sorrisos em cada esquina, olhares dos mais diversos no supermercado e cabelos dos mais caros nos armários. A medida que a tecnologia dos cosméticos evoluiu a mente e o coração das pessoas foi atrofiando. Agora em um nível tão avançado que mudamos de queixo como quem troca de roupa a alma humana esta inversamente menor.

Odeio a beleza, odeio os padrões sejam esqueléticos ou obesos. Odeio a ideia ridícula que a sociedade cria de felicidades efêmeras e paixões farsantes e das pessoas que por elas vivem a buscar. No escuro tudo volta ao normal. Enquanto dormem seus rostos não mudam, suas mentes voltam a agir e pesadelos são comuns pelo desespero da prisão, pois bastam acordar para novamente mergulhar no torpor de um sonho que não lembram, para que possam viver como se nada houvesse acontecido.

As pessoas não prezam mais o caráter e a beleza nossa que critério obsoleto. Mas elas não percebem. Não percebem que a saturação daquilo que tanto almejavam as faz buscar essências. Buscam cernes e trejeitos para momentos de epifanias. O diferente tornou-se ridículo, tornou-se redundante. E o feio continua feio e o gordo continua gordo, os ignorados continuam ignorados pois prezam seu eu.

Os feios comandam o mundo, mas os bonitos não podem saber. Saber quem pensa de verdade e quem apenas vagueia como público perfeito de um espetáculo hollywoodiano. As pessoas criam suas vidas em cima de ideais de barbies e criam vidas dentros das vidas e criam famílias dentro de jogos, para viverem sozinhas a procura da paixão que quanto melhor fica mais escapa entre os dedos do tempo que se extingue.

Quanto tempo dura uma paixão? Quanto tempo dura um sem noção? Já tentei ser bonita, mas não me caia bem. De algum modo eu sabia que mesmo com toda a alienação da mídia eu não era eu assim. Eu era pedaço e quanto mais fragmentado menos sentido minha vida tinha. Os dentes alinhados me pareciam alinhados demais, o nariz perfeitinho, perfeito demais. Sentia falta do meu eu, dos meus dentes separados, da minha identidade do meu cerne roubado e trocado por uma caixa de cereais. Deixei meus dentes de lado. Os olhos azuis também não me serviram pois eu sabia que ali não era eu, era mais um pedaço que da minha mente era levado até que minha alma tivesse sido trocada por um circo de horrores perfeito. O sorriso sorria mesmo sem vontade e o nariz cheirava por costume, os olhos olhavam por impulso mas minha mente não armazenava. Era eu nascendo em um segundo e morrendo nos próximos dez para surgir novamente. Cada vez com menos cérebro.

Deixei então o nariz e os olhos e de repente não me encaixava mais. Os pedaços de perfeição se encaixavam melhor. Eu tinha alma demais, mente demais e não era isso que se queria. Meus amigos continuaram meus amigos, até que uma peça substituía outra e de repente eu era o estorvo, pelo encravado o lado feio de sua existência e poxa eu nem era tão feia assim. Tinha o dente separado, o nariz meio saltado e o olho em um castanho alaranjado, mas ainda não era tão feia assim. Era apenas feia o suficiente. Era eu o diferente tão temidamente ignorado e devidamente rejeitado para que ninguém tivesse que se lembrar que sua boca vencia em oito dias e os olhos em dois. Era eu escoria, mazela da sociedade porque tinha um nariz saltado, um olhar acastanhado o dente meio separado e uns quilinhos a mais.

Mas era eu ali, eu tinha alma e personalidade. Tinha esperanças que me fugiam as mãos e mãos que nem eram tão feias assim. Meus amigos se afastaram e agora estava eu em meu devido lugar, longe dos olhos e portanto dos corações, quase fui presa e multado e nem era tão feia assim.

Fui areia, fui esgoto, perdida pela cidade, fui escoria fui estorvo e vítima da maldade. Sofri por todas as almas perdidas e que dor desgraçada e tudo porque minhas pernas não eram proporcionais. Tentaram me assaltar mas não usava beleza, tentaram me matar, mas a feiura me ajudou a pensar. Era eu ali a única pensante a única vivente em um lugar cheio de gente.

Era eu farsante, um disfarce ambulante e jogaram a culpa em mim por cada porcaria que suas almas sujas precisavam. Fui a festas de penetra fiquei olhando o chão torcendo que não me notasse ou me estendessem a mão. Nenhum era diferente eram todos iguais, perderam sua identidade e já não decidiam mais. Seus impulsos os governavam pelos ideais, ali impostos pelos feios no comando que queriam dinheiro, pra manter no poder os que queriam e para que nenhum outro feio atrevesse a tomar seu lugar.

Expulsaram me dali e tentaram me xingar. Dei as costas e tampei meus ouvidos deixando-os para trás. Tentei seguir sozinha pela vastidão sem fim, viver pelas beiradas esperando meu fim. Pelos lugares afastados poucos eram vistos a maioria acompanhado e o resto de passagem. Era eu paisagem e não podia interferir, vi cenas nojentas que nem ouso proferir. Deixei de lado meu orgulho e fingi que não vi.

Andando pela cidade, nos lugares afastados, encontrei muita beleza e assim continuei me afastando, imaginando que me entenderia ou se sozinha morreria. Não queria ninguém bonito e dinheiro não me interessava, queria apenas que não me julgassem e que minha feiura não fosse acusada. E eu nem era tão feia assim. Mas era feia. Era feia, mas tinha sentimentos que estavam martelando minha imaginação como um sôfrego coitado que trabalha sem descanso imaginando quando vem o próximo feriado. Meus sentimentos machucados, desses não queria saber, mas deles era escrever não podia escolher. Queria um Amor que me lavasse a alma, que me varresse o medo de perder a calma. Mas o que é amor?

Pensei em me matar, veja só que triste fim. E olhe que eu nem era tão feia assim. Fujo do normal e isso incomoda, a felicidade do feio é contra as tendências da moda. O feio é feio e não pode amar, o feio é feio e não pode ser amado. Mas o que é amar?

Quanto mais eu procurava, quanto mais eu me empenhava, mais tinha certeza do fim que me esperava. Quase não havia esperanças a sociedade vivia morta. Sorte dos feios que governam e daquelas cuja alma já não existem. Estes tiram total proveito. Uns porque pouco pensam e pouco sentem e outros porque tiram vantagem disso. Os feios assistem apenas e desejam mudar o destino, mas impossível aguentar tamanho desatino. Os feios sabem e nem são tão feios assim, mas ninguém deve saber pra não quebrar o sistema. Se quebrar é o fim do mundo. Se as pessoas perceberem o caos que vivem, viveriam por tempo o suficiente apenas para perceber tal fato. O desespero consumiria até as almas mais puras e não haveria salvação nem pros bonitos e muito menos para os feios.

Nos arredores da cidade encontrei uma caverna e nela me escondi para fugir da beleza, pra fugir na luz, pra certeza da minha identidade que não me faz jus. Era confortável a caverna, pedregosa e mal cheirosa, mas melhor que as luzes da cidade que penumbra é tenebrosa. As pessoas fingem não ver. Fingem tanto que esquecem o valor do que se pode ver e deixam suas almas partirem para que os feios possam crescer.

A caverna era escura e pouco podia eu ver, mas me sentia confortável pelo silencio da tv. Encontrei lá um espelho estava ali pois tinha quebrado. Era leve e afiado, poderia matar se bem usado. Busquei então a luz para me enxergar e constatei que nem era tão feia mas que abandonada estava eu lá. Ninguém mais se lembra apensar de eu lembrar. Meus amigos estão felizes com o último celular, mas me lembro bem deles pelas marcas que deixaram.

Pode parecer tosco mas fiquei ali em frente um bom tempo até escutar passos, apertei o espelhos até ferir o dedo. E o corte nem era tão feio assim. Me escondia ante o breu da floresta e observei atenta a caverna, vinha gente, um rapaz maltrapilho e descuidado que sorria abobado observando as estrelas. Olhou ao redor e chorou um choro desconsolado encarando céu escuro que nada lhe respondia. Reclamou de seu espelho, sua única alegria, havia levado de sua caverna o vidro que agora sangrava em minhas mãos. Seus cabelos desgrenhados não combinavam com a moda, sua roupa muito menos e seu sapato nem conta. Seu nariz era quebrado e seu olhar meio afundado e ele nem era tão feio assim.

Demorei muitos dias observando o rapaz, vi que vivia sozinho a sonhar e a pensar. Eu sonhava junto porem separada, queria estar por perto mas tinha medo de ser rejeitada. Aprendi suas manias como a de coçar suas axilas ou talvez mais um defeito que a sociedade condena e que os hipócritas fazem escondido. Mas tinha um sorriso terrivelmente sonhador e seus lábios ressecados me instigavam. Um dia ele se aproximou e como quem não queria nada falou.

- Quando vai aparecer pra mim, querido observador? Sei que estás nas sombras e tens me salvado da solidão, saia das trevas do bosque, estendo-lhe minha mão. Posso ser feio e deslocado, mas sou bom ouvinte.

Daquela vez nada respondi, mas me assustei e estática encarei sua mão. Balancei umas árvores para que eles soubesse que eu escutava e não lhe queria mal, mas ele não demonstrou medo e apenas esperou. No entanto naquele dia não lhe respondi, apenas encarei atônita seu olhar vago, tentando definir uma forma no escuro. Puxei do bolso o espelho que há tanto tempo guardava e enquanto o observava meu coração pulava. Deslizei o espelho pelo chão até que ele encontrasse a luz, mas parei antes que meus dedos, que nem eram tão feios assim, se revelassem. Pedi perdão mentalmente esperando que ele entendesse o recado. Riu ele somente e guardou o espelho manchado. Sentou-se ele no chão e esperou. Tentou ele se comunicar, mas minha língua havia sumido ou estava pesada demais. Todas as noites desde então ele sentava próximo a mim e me contava histórias, que eu adorava ouvir, ouvia até pegar no sono escutando sua voz languida e arrastada. Cada noite eu conhecia meu rapaz mais um pouco, observava-o com cuidado e absorvia todo o conhecimento. Queria agrada-lo e faze-lo feliz, mas não sabia como ou não conseguia.

Cada dia eu sentava um pouco mais perto para escutar melhor e aos pouco fui sentindo seu perfume, sua voz ficava mais firme e eu estava confortável daquela maneira. Uma noite cheguei perto demais e a luz capturou minha mão. Ele fingiu não ver e apenas continuou a história que aquela noite ele contava. Ele me encorajou por várias vezes a sair do breu, mas fui relutante e não apareci. Todas as vezes que me convencia de me apresentar, um medo irracional tomava conta de mim. Eu não era mais eu. E não era por causa de nenhum nariz. Eu agora era outro eu. Eu mudei e mal percebi até encontrar alguém pra conversar.

Depois de uma semana ouvindo suas histórias ele me trouxe uma xícara de café quentinho e perguntou se eu queria. Minha boca salivou. Até ali eu só me alimentava de frutas e plantas. Ele estendeu a xícara, mas não o suficiente para que esta entrasse no breu. Cheguei perto e estendi as mãos que saíram amedrontadas e temerosas para a luz. Peguei o objeto pequeno e quente de suas mãos com o coração palpitando na garganta e um nervosismo nervoso muito estranho. Quando toquei em suas mãos ásperas achei que ia ter um troço, ele fingia nada perceber e apenas observava calmamente. Puxei a xícara e sorvi o liquido com avidez. Devolvi então a xícara que acabou caindo num chão por um movimento brusco dele.

- Não acha que já está na hora de sairdes dai pequena? – Meu rapaz fez pressão e me puxou, mas em um surto de medo puxei as mão de volta para o breu. Ele apenas sorriu desapontado e sentou- se para mais uma história. Conforme a noite passava tomei coragem para tocar suas costas com meu braço. Ele parou a história em um espasmo espantoso e me afastei novamente. Ele ficou calado por um bom tempo com a cara fechada e preocupada. – Desculpe-me pequena, pegou-me desprevenido. – Ele sorriu de lado e continuou a conversa. Não mais me aproximei aquela noite. E olhe que ele nem era tão feio assim. Mas parecia que eu o deixei triste e aquilo me magoou. Talvez fosse melhor mesmo que eu não saísse.

Meu rapaz sabia histórias do mundo todo, de todos aqueles livros que nunca me permitir ler. Historias tão lindas, com pessoas que nem eram tão feias assim, mas eram felizes. Muitas falavam sobre o amor e fiquei me perguntando o que era isso, mas não me atrevi a perguntar. Durante aquela noite mal dormida sonhei com meu rapaz e com esse tal de amor e fiquei pensando se causa mesmo tanta dor. Queria viver minha própria história, mas eu era feia e não a merecia. Meu rapaz estava ali todos os dias me contando histórias de lindas aventuras como se as tivesse mesmo vivido. Era lindo e era feio, mas não era tão feio assim.

Algumas noites se seguiram sem nenhuma aproximação fiquei chateada com tal constatação. Queria meu rapaz, mas isso era um segredo. Então em um dia ele se sentou no breu. E não pude ver o meu rapaz. Tentei me aproximar pra enxerga-lo melhor e que surpresa eu tive ao ver que me encarava. Meu coração disparou. Será que me aceitaria? Eu nem era tão feia assim. Por favor não me rejeite. Meu coração está frágil e minha mente desgastada. Não me deixe destroçada. Ele porem apenas riu. Tentei ajeitar o cabelo e minhas vestes, mas ele segurou minhas mãos. Um frio na barriga quase me fez vomitar.

Não me toque levianamente meu rapaz... Mas suas mãos não tinham tal intenção. Ele subiu pelo meu braço me causando calafrios e chegou no meu rosto. Não falava nada, mas seus olhos estavam cravados em mim. Ele se aproximou de maneira estranha. E eu fiquei apavorada. O que eu deveria fazer? Mas não pude fazer nada. Não podia e nem queria. Ele se aproximou e tocou meus lábios e um verdadeiro rebuliço nervoso tomou conta do meu corpo. Mais parecia que eu iria explodir. E eu queria mais. Seus lábios ressecados roçavam na minha pele de maneira convidativa.

- Porque ainda se esconde minha pequena? – Sussurrou em meu ouvido. Não respondi, não consegui. Mas me aproximei mais um pouco, só mais um pouquinho e me aconcheguei em seu corpo quente. Eu era uma feia e não deveria estar ali, não deveria estar feliz, mas eu nem era tão feia assim, tampouco meu rapaz.


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Notas finais do capítulo

E ai? Ficou bom? O que acharam?