Não julgue um livro pela capa escrita por Annie


Capítulo 1
Nem tudo é um mar de rosas


Notas iniciais do capítulo

A vida é uma simples sombra que passa (...); é uma história contada por um idiota, cheia de ruído e de furor e que nada significa. William Shakespeare



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Sempre fui taxada de insensível no fundamental. Nunca tentei mudar minha imagem. Eu estava bem daquele jeito, alias, ainda estou bem desse jeito. As pessoas me acham insensível pelo simples fato de não gostar de nenhum garoto em especial e por rejeitar todos que chegam até mim. Faço isso de proposito. Não quero ser amada. E tem outro motivo, mas deixa para outra hora.

A causa desse medo talvez seja a ausência de afeto quando era menor. Minha mãe é uma cardiologista, sempre estava trabalhando, até nos momentos em família, aprendi a não ligar para a falta dela em casa. Meu pai é fundador de uma escola artística e o professor mais requisitado, por esse ultimo fato está sempre viajando para dar aulas particulares e várias palestras, nunca o vi ficar em casa mais de três semanas, motivo pelo qual é meio famoso, tive que ficar somente com o sobrenome de minha mãe, pois a maioria dos meus “amigos” só queria uma chance de mostrar o seu potencial e entrar para sua tão bem falada escola.

Como eu vivia praticamente sozinha meus pais contrataram uma babá, que era a pessoa mais próxima a mim, mas ela teve de se mudar quando eu tinha dez anos, pois iria se casar e o marido queria morar perto de sua família ou alguma coisa do tipo. Desde então me viro sozinha.

Optei em fazer o teste para um colégio público. Nada contra colégios particulares, mas eu conheço bem o tipo de pessoas que o frequentam e tenho certeza que não me encaixaria. Apesar de passar muito tempo jogando vídeos games sou uma estudante muito aplicada e o teste foi até que fácil.

Meus pais, a principio, não gostaram da ideia do colégio público, mas depois concordaram que poderia ser uma boa experiência e que eu poderia fazer amigos. Apesar de aceitar essa ideia não tiveram a consideração de tirar um pequeno tempo de suas agendas para ir junto comigo ver os resultados. Acabei por ir de trem, mas antes de ir liguei para Ume, minha única amiga, que também fez o teste para entrar no mesmo colégio, ela me influenciou um pouco a fazer o exame. Combinamos de nos encontrarmos em vinte minutos na estação perto da maquina de bebidas.

Cheguei uns cinco minutos antes, decidi me sentar em um banco próximo para esperá-la. Fiquei olhando para todas aquelas pessoas com suas vidas movimentadas e sem tempo para prestar atenção ao seu redor. Yukino-san, minha antiga baba, sempre me falava “As pessoas estão ocupadas de mais para reparar o que está ao seu lado. O amor da sua vida pode estar á dois passos e pode não o percebes”. Ela tem razão. Não que eu queira encontrar o amor da minha vida, longe de mim querer isso, mas as pessoas andam tão ocupadas que mal olham para o que está se passando, somente se importam em fazer o que elas precisam e mais nada. Realmente vivemos em um mundo egoísta. Engraçado. Olha quem está falando.

Olhei para o relógio e ela estava atrasada oito minutos. Isso já era normal.

– Yo! Estou atrasada, né? Desculpe.

– Tudo bem. Quando nos passarmos, vamos comemorar?

– Isso! Vamos comer alguma coisa especial, o que acha?

– Parece bom.

– Vamos logo! – Ela pegou a minha mão e começou a correr. Chegamos rapidamente ao colégio, apesar de ser só cinco minutos da estação de trem. – Quanta gente. Vamos lá olhar também!

Novamente ela me puxou. Não sei como, mas Ume conseguiu passar por todas aquelas pessoas e me levou junto.

– Vamos procurar nossos nomes.

Comecei olhando da ultima posição. Demorei um pouco para achar. Takeuchi Ume, quadragésima nona. Cutuquei-a e apontei para o seu nome, ficou vermelha até achei que fosse chorar. Ela apontou para o mural também, olhei para onde o dedo apontava e lá estava eu. Hirano Akane, segundo lugar. Ume pegou novamente minha mão e nos tirou do amontoado de pessoas.

– Parabéns, Akane! Segundo lugar!

– Obrigado, mas a melhor parte é que nos duas passamos.

–É... Estava com dúvidas se passaria ou não, mas agora estou realmente feliz!

– Vamos comer?

– Sim!

Resolvemos ir a um café de cosplay, onde o garoto que Ume adora olhar trabalhava. Pedimos os pratos mais caros do cardápio.

– Por que você não se convence que gosta dele e pronto?

– Porque eu não gosto dele assim. Só gosto de olhar, sei lá, mesmo que eu goste dele não tenho chances.

– É, tem razão, ele é demais pra você mesmo.

– Isso era para ser um incentivo?

– Você sempre fica falando que as coisas podem mudar ou nunca se sabe o que vai acontecer, então porque não está sendo assim agora? Se você gosta dele só fale e insista até conseguir o que quer.

Ela me olhava surpresa. – Nunca imaginei que diria coisas assim. – Nem eu – Quer saber? Tem razão! Quando tiver coragem o suficiente vou falar como me sinto!

– Claro. – Sei que isso não ocorreria, mas vou a deixar ficar feliz por ter se decidido.

Comemos e depois fomos dar uma volta pelo parque. Estávamos falando sobre qualquer coisa quando Ume me perguntou:

– Você viu quem ficou em primeiro lugar?

– Não reparei, por quê?

– Se prepare para a surpresa desagradável... Era o Yamashita!

– Eu o conheço?

– Claro que sim! Como se esqueceu? Ele era aquele garoto no kendo que vivia implicando com você, aquilo beirava o buliyng. Realmente se esqueceu? – Meneei a cabeça positivamente, até agora ela estava falando de um E.T. – Ele jogou um balde de agua em você quando saia do vestiário com a desculpa de “estar ajudando na limpeza e ter escorregado”, colocou terra nos seus sapatos falando “a planta que comprei para minha namorada caiu neles”, como se alguém quisesse namorar esse cara, aquela vez que a espada “escorregou” da mão dele e acertou sua cabeça, isso te fez sangrar pelo nariz, uma vez colocou o pé na sua frente e você caiu naquela planta cheia de espinhos, voltou para casa com vários cortes, sério que não se lembra?

– Ah. Acho que me lembro. - Na verdade só lembro-me da planta, porque a desculpa foi ridícula.

–Acha?

–Bem, ele tinha razões para fazer o que fazia então eu simplesmente o ignorava.

–Que razões? O cara é maluco!

– Talvez aquilo só acontecesse ao acaso mesmo. – Dei ombros.

– Pois eu não vou aceitar isso tão fácil. Se prepare para ter a sua vingança! Muahahahaha!

E lá vai ela de novo, e se é a minha vingança por que ela ira faze-la?

– Não acho que seja necessário...

Ela deu um suspiro e me encarou. – Tudo bem, sem vingança, mas você vai conversar com ele. Até que ganhe um pedido de desculpas.

– Sei que não vai parar de insistir, então eu concordo.

Ela deu um sorriso de vencedora. Ela sempre consegue me convencer, pois tem o superpoder de ser irritante quando não consegue o que quer. Fomos juntas até a estação Ume pegou o trem e eu fiquei esperando o meu, assim que ele chegou entrei e me acomodei em um banco solitário próximo a porta. Até que o vagão estava meio vazio. Senti que estava sendo observada, virei minha cabeça para olhar ao redor e quando olhei para um cara que estava sentado há minha frente, ele virou a cabeça bruscamente como se não estivesse me olhando. Isso é sério? Olhando bem até que é bonito, parece ter a minha idade. Será que isso é o que acontece quando você começa a olhar pro nada, pensar em nada e percebe que está encarando um desconhecido? Deve ser isso. Engraçado, parece que conheço ele.

Os alto-falantes anunciavam a chegada do meu ponto.

– Estou de volta.

Anunciei para as paredes assim que cheguei a casa. Passei pela sala, a qual se encontrava vazia como sempre, subi as escadas e entrei na segunda porta a direita, atual localização do meu quarto. Joguei minha mochila em cima da cama e fui direto para o banheiro. Precisava seriamente tirar aquela sensação de estar, praticamente, o dia inteiro fora de casa. Tomei um banho demorado, vesti minha camisola com uma calça de moletom por baixo. Hoje não estava com vontade de jogar nada, por isso fui direto para a cozinha. Peguei um pacote de batatas e fui até a sala ver televisão.

Se estiverem se perguntando, ou não vou contar da mesma forma, minha mãe só volta para casa, exatamente, ás 21h45min, todos os dias sem exceção, meu pai no momento está viajando, mas quando está em casa só volta depois das 23h00min. Essa é a rotina fixa deles desde que eu tenho oito anos.

Eles são ótimos pais. Foram presentes na minha vida até a rotina deles ficar apertada. Não reclamo disso, pois sei que iriam brigar porque um não fica em casa comigo e blá blá blá. Na verdade já me acostumei. Eles não costumam discutir, até porque não se veem tanto para isso, mas brigaram semana passada porque mamãe foi convidada para ajudar pessoas carentes ao redor do mundo com a duração de dois anos, meu pai pirou só de ela pensar em aceitar.

Nesse momento ouvi um barulho na porta da frente. Olhei para o relógio e ainda eram 20h20min. O que será que aconteceu? Desliguei a televisão e fui até a porta e dei de cara com a minha mãe. Ela parecia triste.

– Akane! Já está em casa? Muito bom te ver. Como foi no exame de admissão? – Ela falava tudo isso me abraçando forte.

– Eu passei.

Agora ela se afastou para me olhar com um ar de que eu estava escondendo alguma coisa.

– O que foi?

– Qual foi a sua colocação?

– Ah... Segundo lugar.

– Isso é maravilhoso! Pelo menos uma noticia boa!

– O que isso quer dizer?

Ela me olhou com uma cara séria.

– Vamos até a sala? – falando isso ela passou por mim e se dirigiu até a sala, se sentou na poltrona e me encarou. – Sente-se. – Me sentei no sofá de três lugares o mais próximo dela. – Tenho más noticias sobre eu e seu pai. Aceitei o convite e vou passar os próximos anos ajudando necessitados no mundo inteiro. Peço desculpas por isso, mas isso é uma coisa em que sonho desde o colegial, tente entender. Seu pai, o homem que jurou me apoiar em qualquer coisa não está fazendo isso agora. Ele... – Minha mãe parou de olhar nos meus olhos e fitou o chão, hesitante, por alguns segundos, mas voltou a me fitar depois de respirar fundo, depois de tomar coragem, creio eu. – Ele pediu o divorcio.


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