A busca pela Estrela Gelada escrita por Mateus Kamui


Capítulo 17
17. Nosso Passado Nos Condena?


Notas iniciais do capítulo

Mais um capitulo saindo do forno queridos leitores e queridas leitoras, espero que gostem :)



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17. Nosso Passado Nos Condena?

–Podemos dizer que tudo começou quando eu comecei a existir, no dia que aquela vagabunda que me gerou traiu seu marido com um certo meio-lobo que surgira na cidade seduzindo jovens em um bar qualquer – Rose e Lia estavam fazendo um silêncio gutural enquanto a voz carregada de ódio e tristeza de Ulf dizia as palavras que ambas já tinham conhecimento, mas sabiam ser necessário para o andamento de tudo – O homem sumiu no dia seguinte, deixando-a, ainda sem saber, grávida e com um marido louco de raiva determinado a encerrar um conturbado e indesejado casamento. O marido não demorou a terminar aquilo tudo e a abandonar a louca mulher e ir em busca daquela que ele realmente amava. Um homem de caráter ele é. Mesmo amando outra mulher ele aguentou por mais de um ano uma criatura detestável e maluca como era minha mãe. Apenas para ela ter o enganado, descoberta apenas futura por parte dele, dizendo que estava grávida dele. Gravidez que misteriosamente abortara em seu quinto mês sem ninguém entender como e então o homem a aguentou por mais vários meses, cuidando dela, velando por ela. Mesmo não desejando aquilo.

–Quem era o homem? – perguntou Rose mesmo já sentindo a resposta ao seu lado.

–Eu – disse com calma Robert entrando no local carregando com maestria quatro pratos e os talheres e copos sobre eles na mão direita e uma bandeja grande com dois pratos tapados na mão esquerda – Desculpe interromper sua história antes mesmo de começar, mas como você eu a odeio e prefiro fazer algo que odeio comendo uma comida que adoro do que não. Podem servissem se assim desejarem.

O loiro não demorou a puxar quatro criados-mudos para perto de cada pessoa ali e cada qual colocou um prato sobre eles além de um garfo e uma faca feitos de prata lindamente adornados. De dentro dos pratos surgiram um banquete deliciosamente cheiroso que abriu o apetite das duas moças. Pato assado com um molho que elas não conseguiam reconhecer em um prato enquanto no outro havia um risoto de pinhão:

–Belíssimos não?Assim como tudo aqui – indagou o homem rindo – Todos foram escolhidos pela minha finada esposa, ela tinha um bom gosto invejável, não à toa que ela que escolheu toda a mobília e o design dessa cara, ela só não tinha gosto para homens – o homem riu mais um pouco, mas Rose podia ver a dor em sua voz acinzentada mostrando que aquele não era o mais sincero dos risos, Ulf não era o único a sofrer ali – Queria tê-la amado como deveria, ter cuidado dela como deveria.......ter cuidado de ambas como deveria....

Lágrimas escorreram dos olhos do homem e antes que uma das duas ali pudesse fazer algo por ele o loiro apenas ergueu a mão pedindo que continuassem sentadas:

–Desculpem-me por isso, sou um homem sentimental e fraco demais às vezes – a voz saiu carregada de lágrimas literalmente, mas ainda assim elas respeitaram seu pedido e a ruiva ainda teve tempo de ver os olhos do moreno avermelhados como se ele tentasse segurar lágrimas que nunca caíram, mas logo ele limpou seus olhos e parecia normal diferente do anfitrião que não escondia sua dor – Pode continuar, Ulf.

–Se você assim diz – disse o Nomeador suspirando pesadamente –Logo após a separação de ambos não demorou para o homem se casar com quem queria.

–Pode me chamar pelo nome – cortou o humano – E a todos os outros também. Pode doer mais, mas é melhor assim.

–Robert logo se casou com sua amada, Lara – a voz de Ulf tentou sair o mais imponente possível, mas ele não conseguia – E menos de um ano depois eles logo começaram a realizar seu sonho de ter uma família, Lara engravidou enquanto que a outra mulher já havia dado a luz a um bom tempo e logo boatos começaram a se espalhar. Boatos sobre uma criança demoníaca com olhos de fogo e cara de lobo. E não demorou para os boatos serem concretizados e o medo que as pessoas nutriam pela mãe se expandiu até o filho.

–Fazia cinco anos desde a nossa separação – falou Robert com calma observando o jovem companheiro como se pedindo permissão para contar a história também – Minha filha Paola já tinha três anos na época quando finalmente reencontrei ela.... Sabe que alguma hora precisará dizer o nome dela não é?

–Os nomes de demônios não devem ser pronunciados, eles como todos os bons Artistas sentem quando seus nomes ou títulos são pronunciados e seguem quem os disse – tensão teria crescido entre os dois, mas a tristeza na voz do moreno superava qualquer outra coisa – Os seres humanos são os mais cruéis seres quando querem e logo trataram de criar um plano para expulsar a bruxa, como assim se referiam a ela, para fora da cidade.

–A coitada não era uma bruxa, Ulf, só sofria de problemas mentais e teimava com tudo e todos, devia tê-la forçado a fazer o tratamento e mesmo longe ter dado um jeito de cuidar dela.

–A única coisa que ela precisava ela ganhou um tempo depois – e por um instante Lia e Rose sentiram toda a sala esfriar, algo poderoso e nem um pouco bom estava surgindo e seria citado – Por mais que os cidadãos quisessem expulsá-la eles falharam pelos dois anos que se seguiram. Enquanto isso a pobre criança-demônio já fora assediada e surrada mais do que qualquer homem merecesse numa vida inteira. E logo aprendeu a fugir, a conhecer pessoas. Como a filha de um certo homem.

–Mesmo que eu tentasse fugir os deuses teimavam em unir nossas famílias, mesmo eu tendo dela me separado, minha filha acabou se apegando ao filho dela. Eles se conheceram por acidente na rua e como que por mágica uma amizade surgiu ali.

–Ela não tinha medo de mim mesmo eu sendo um monstro. Ela via mais do que uma fera dentro de mim. Foi ela que me fez viver tanto tempo assim.….

Os olhos de íris rubra logo começaram a ficar avermelhados, mas cada lágrima que sequer pensava em surgir parecia evaporar no próprio ar. Como se o próprio fogo fizesse questão de acabar com elas antes mesmo de surgirem. Como o fogo fosse proibido de deixar elas existirem naquele rosto. Ou alguém que soubesse seu nome:

–E então chegou aquela noite – disse com calma o Nomeador suspirando como se para pegar o ar que lhe faltava – A sétima lua cheia do sétimo ano desde que ele havia sumido. A raça dele tem uma tendência periódica muito ligada ao numero sete e seus múltiplos.

–Dele? – perguntou inocentemente a ruiva sentindo o frio aumentar ainda mais, algo muito poderoso estava surgindo e ela podia sentir na pele.

–Meu progenitor, aquele que fecundou a vagabunda que me gerou, o desgraçado que me fez essa cicatriz.

Lia encarou o companheiro espantado, ele nunca a contara quem fizera aquela cicatriz no rosto dele quanto tinha seus dezessete anos e se aventurara na Floresta Primordial, sempre acreditara que tivesse sido algum dos seres de lá. Mas parecia que passou todo aquele tempo enganada:

–Quando chegou na cidade ele foi logo atrás de sua cria, ele sabia muito bem que tinha gerado um herdeiro para seu sangue imundo – a raiva agora queimava na voz de Ulf, mas Rose duvidava que mesmo ele tendo o Nome do fogo seria incapaz de afastar o frio que ela sentia, aquele ser era poderoso – Ele caçou sua antiga concubina e a achou, mas não foi num momento muito agradável.

–Eu e Lara tínhamos ido até lá para tentar obter a guarda de Ulf e forçá-la a ir a um tratamento – falou tristemente Robert tentando inutilmente comer, ninguém conseguia – Minha mulher era amiga da mãe de Ulf há muitos anos, se conheciam desde pequenas e sempre cultivaram uma boa amizade, os ataques de loucura foram o que acabou por separá-las e Lara tinha prometido a si mesma que não deixaria que isso afetasse a vida de mais ninguém. Nesse caso de um pequeno alguém que aquela noite deveria estar dormindo aqui nesta casa com nossa filha.

–Mas não estava, era um pirralho teimoso desde aquela época, não é? – ambos acabaram rindo e um leve peso saiu de seus ombros – Cheguei a tempo de ver um meio-lobo atacar duas mulheres indefesas e um homem chorar sobre o corpo de ambas. Ele fora lá em busca de seu cria e não a achara, estavam escondendo-a e ele não gostou de saber disso. Eu tinha que passar pelos ritos deles logo ou acabaria desonrando toda a sua alcatéia então ele tinha que me achar o mais rápido possível. Ele seguiu o rastro do cheiro de Robert e o meu até a casa dele – Lia podia ver claramente um poderoso meio-lobo invadindo e destruindo tudo no seu caminho, mas então lembrou que tudo aquilo era da época em que a mulher do homem ainda estava viva então ele não deve ter ido tão descontrolado assim, algo deve tê-lo parado a tempo – Eu estava saindo da casa em busca de todos quando ele surgiu a minha frente a poucos metros da casa. Seus olhos vermelhos se encontrando com os meus, não precisava de muito mais do que aquilo para reconhecer o que era aquilo na minha frente e o que ele significava. Logo eu passaria pela minha octogésima quarta lua cheia, sete ciclos lunares completos. Meu sétimo aniversário levando em conta o calendário lunar e não o solar atual. A data em que os filhotes de meio-lobos tinham que ser levados para o treinamento inicial.

–Mas não foi isso que aconteceu – disse Lia já imaginando o que estava vindo, menos de um ano depois daquilo ele iria parar em Arcádia, próximo do seu oitavo aniversário que ele comemoraria nas terras feéricas.

–Não, não foi – e então todo o ar da sala pareceu esquentar de uma vez, a lareira então se acendeu sozinha e todos começaram a suar – Ele tentou me pegar e levar para longe dali, em direção ao vértice de Arcádia e de lá para o reino dos meio-lobos, a terra onde é sempre noite, o local mais próximo de das montanhas de Hypeborea e dos terríveis pântanos que compõe o reino dos orcs, a terrível Lycaerthia, mas falhou.

–Como, pelos deuses, você aos sete anos parou um meio-lobo adulto?

–Todos aqui sabem que eu já nasci tocado pelo Fluxo – e então a resposta surgiu para Lia, todos ali sabiam, mas será que o orgulhoso e monstruoso pai sabia disso também? – Sempre tive uma afinidade com o fogo e quando ele se aproximou de mim com aqueles olhos a única coisa que conseguem sentir além de medo foi raiva e todo o Fluxo ao meu redor ardeu em chamas enquanto sangue escorria por todos os meus orifícios graças ao excesso de Vontade ali empregado.

–Fogo e prata, os maiores medos de um meio-lobo....

–Exato, ele foi pego de guarda baixa e imerso em fogo, ao vê-lo queimar jurei que tinha vencido, mas eu era inocente demais na época. Era lua cheia e quando a mãe-lua alcança seu ápice ocorre duas coisas com alguém daquela raça e com seus híbridos. Nossos poderes vão ao máximo....

–E viram um lobo – a voz de Rose cortou a de Ulf e por um momento ela pensou ter dito alguma besteira, mas pelo breve sorriso do rapaz ela soube que acertou.

–Virar um lobo não é bem o que ocorre na verdade, mas é algo parecido. No caso dos puros-sangues como ele uma fúria lupina os domina e os converte em animais movidos a puro instinto, acreditava na época que foi por isso que ele matou as duas, mas depois notei que foi apenas por puro capricho e prazer. No caso de nós híbridos é que nos tornamos mais animalescos, mais próximos da forma de nossos progenitores, e a fúria também tende a nos dominar. Todos os meio-lobos são por natureza seres instáveis demais, temos uma espécie de lobo dentro de nós só esperando uma única fagulha de ódio para se alimentar e vir para fora, não é a toa que temos explosões bem repentinas de raiva. É difícil de controlar, mas não impossível.

A ruiva lembrou do ataque de raiva a poucos minutos atrás quando ele subiu na mesa e quase matou Robert....... Ela nunca tinha visto nada parecido e isso só mostrava o quão especial a tal de Paola era importante pra ele. Diferente dela.......:

–Do meio das chamas ele surgiu e me agarrou pela garganta – continuou com calma o hibrido – Sua pele e pêlos queimavam e ainda assim temia mais a sua fúria que queimava. Cheiro de carne queimada inundava o ar e ainda assim seu cheiro lupino me amedrontava mais. Chamas rubras queimavam tudo ao nosso redor e ainda assim seus olhos me pareciam mais brilhantes e mortais que todo o resto. Naquele momento eu pensei que finalmente conheceria a morte, mas então ele apenas sorriu e sussurrou no meu ouvido algo que eu nunca esqueceria. Depois daquilo ele simplesmente me deu as costas e saiu dali.

–Calma ai, ele simplesmente foi embora? – a outra híbrida não escondeu a surpresa, esperava muito mais daquela história

–Sim, simples assim, às vezes o mais simples é o mais surpreendente, não é à toa que dizem que uma das maiores rainhas que já existiu tinha como titulo Aquela que Vê o Simples, era uma mulher fabulosa assim contam, mãe de Titânia e antiga Rainha das Fadas, o ser mais belo a pisar em Arcádia assim contam e detentora de um segundo titulo que ainda existe até hoje.......

–E agora é hora de comer se assim me permitem dizer – bradou Robert com felicidade aproveitando um belo pedaço de pato e finalmente parecendo um pouco mais feliz pelo fim do assunto – Como devem ter percebido apenas duas vidas foram contadas nessa história, mas a terceira não pertence a ela, mas sim ao motivo pelo qual sou um Artista, minha adorável elfa.

Lia sentiu seu rosto corar como apenas Ulf seria capaz de fazer. O homem era belo, ela não podia negar, mas era apenas um humano, não era alguém que ela desejaria...... mesmo sendo tão bom Artista, tão bom quanto seu pai poderia pedir para um pretendente para ela:

–O motivo da fúria de Ulf pertence a essa segunda história, mas ainda assim acredito já saberem a quem ele se refere.

Paola…. o nome planou no ar e a lareira finalmente se pôs a apagar e o ar gelado e agradável causado pela Arte de Robert voltou a governar todo o ambiente finalmente tornando tudo auspicioso o suficiente para uma refeição. Não era mais hora para histórias daquele tipo, mas sim para comer.


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Notas finais do capítulo

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