A Areia Vermelha escrita por Phantom Lord


Capítulo 19
Capítulo 18, A Chegada




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Mal entro na sala e identifico cinco auxiliares, organinzando documentos e discos com gravações especiais de arquivos secretos. O televisor está ligado, exibindo uma reprise da cobertura da chegada dos vencedores selecionados para o Massacre Quaternário. Aplausos rompem quando Finnick Odair aparece, seguido por uma idosa de cabelos cheios e abundantes em cascata prateada como os meus.

Não aguardo pelo momento em que os tributos do Distrito 12 chegarão. Já não anseio por encarar o rosto de Katniss Everdeen, ou de qualquer outro competidor, na verdade. Um breve temor faz com que uma sensação ruim percorra todo o meu corpo enferrujado. Sei que a maioria deles, se não todos, está frustrado com a Capital. Eu os obriguei a voltar para os braços da morte. Eles podem demonstrar sua irritação comigo de modo ameaçador. Um ato de rebelião...e mais levantes começarão antes mesmo dos Jogos começarem.

Dou ordens para que cada um deles sejam vigiados vinte e quatro horas por dia. Imediatamente, os auxiliares se vão para instalar os aparelhos de inspeção nos quartos de todos os competidores. Eu saio do meu gabinete assim que os tributos do distrito 11 estão sendo entrevistados e decido fazer uma visita à Plutarco, em sua sala no subsolo.

Quando atravesso o longo corredor ladeado por colunas altas de mármore branco, vejo uma garotinha vindo em minha direção. Ela tem cabelos castanhos que agita conforme anda, agarrada à um urso de pelúcia. Seu rosto é pálido e belo e entre os lábios rosados há um tênue sorriso infantil.

_ Oi vovô._ ela diz para mim. Agora corre para mim e sou obrigado a abrir os braços para recebê-la com um sorriso forçado.

_ Olá, querida._ murmuro. O abraço de minha neta é de algum modo reconfortante, e o sorriso forçado se transforma em alívio e eu aperto os braços em torno dela.

Ah, o poder que essas crianças têm de nos fazer sentirmos melhor...

_ Eu estava indo ao seu encontro._ ela diz, soltando-se do abraço e me encarando nos olhos._ Tenho uma coisa para pedir para o senhor.

_ Estou ouvindo!_ exclamo em tom excitado, sorrindo com bondade para ela.

_ Eu soube que a edição dos Jogos desse ano vai começar um pouco mais cedo...e a Kat e o Peeta vão se casar. O senhor não pode adiar isso para que o casamento aconteça?

Eu ergo a mão, pedindo o silêncio dela. Kat? É assim que eles a chamam agora? Pessoas que sequer estão próximas de Everdeen a tratam com apelidos íntimos? Eles se apegaram à ela. Ao romance fajuto que ela construiu com o rapaz Mellark.

_ Catelyn._ digo para minha neta enquanto meus olhos tentam conter a raiva que inflama meu interior._ Katniss se casará se sair viva da Arena.

_ Mas..._ ela começou a protestar._ mas vovô, o tributo masculino do Doze é o Peeta! Só há um vencedor no final, lembra-se?
Sem hesitar, eu digo o mais friamente que posso.
_ Então suponho que ela deva começar a se preocupar com sua própria sobrevivência e depois, se conseguir sair de lá, arranje outro alguém para se casar. É minha última palavra à respeito disso.

Catelyn funga meio chorosa. Depois acena positivamente com a cabeça e coça os olhos vermelhos. Eu afago o topo de sua cabeça, agitando a cabeleira castanha e sorrio para ela. Então ela se afasta, em silêncio. Penso nela enquanto vejo-a desaparecer pelo corredor.

É uma garota inteligente, com idade suficiente para participar dos Jogos Vorazes. Não posso dizer que sinto um grande afeto por ela, mas me importo com seu bem estar. É a única parente viva que me resta agora, a única herdeira do sangue Snow. Não importa o que ela faça agora, é só uma garotinha. Mas um dia se tornará uma mulher, e quem sabe, terá o governo de Panem. Se for esse o caso, em breve ela descobrirá que os Jogos Vorazes não são apenas um meio de diversão sangrenta que a Capital saboreia com tanto gosto.

Em algumas horas, teremos a cerimônia de abertura dos Jogos. É o momento em que todos os competidores se arrastarão até a praça circular abaixo da minha sacada e me encararão nos olhos uma vez mais. Uma equipe de preparação me encontra enquanto eu caminho para as escadas e me arrasta até uma sala vazia nos saguões, onde começam a me enfeitar e encher o meu rosto de um espesso pó da cor da minha pele.

Quando a hora se aproxima, eu sou levado aos andares superiores que dão acesso à área onde farei meu discurso. Saio para fora e encho meus pulmões de ar. A cidade está luminosa e radiante, há muitas pessoas assistindo o evento. De longe, vejo as carruagens percorrer a avenida comprida e larga que dá acesso à Cidade Circular. Doze bigas arrastadas por um par de cavalos cada uma. Alguns tributos estão gloriosos, mesmo de longe, e seus rostos são exibidos nos telões. Outros estão simplesmente ridículos.

Não esperava menos do Distrito Doze. Eles estão fabulosos e implacáveis, admito. Etéreos e rígidos, Katniss Everdeen e Peeta Mellark sequer olham para a multidão que grita seus nomes com euforia. Penso quanto tempo ela suportará na Arena. Em qual das áreas perigosas em que foi dividida ela irá morrer. Plutarco não diz que pretende matá-la dolorosamente, mas me assegura isso com olhares maquiavélicos que me arrancam um sorriso de satisfação.

Quando as carruagens se reúnem em semi-circulo, sob a sacada da mansão, eu dou-lhe as boas vindas e anuncio minha alegria em vê-los prontos para os novos Jogos. Estou rindo por dentro, porque até mesmo o ar parece cheio de ódio. Meus olhos passam pelos rostos de cada um dos tributos. Uns sorriem forçadamente, outros não escondem o desgosto de ter que me olhar. Meu discurso ensaiado acaba e as carruagens são conduzidas para os portões Centro de Treinamento. Fito Katniss com interesse. Ela não parece temer o que está por vir. Quem quer que a tenha treinado, fez isso muito bem, por que ela já não se parece com a garota desesperada que eu conhecia.

Ela me lança um olhar breve, por cima do ombro e depois, esquiva os olhos, fingindo distração. Quando sua carruagem passa pelos portões, eles se fecham. O hino explode nas gigantescas caixas de som colocadas ao longo da avenida e as pessoas vibram, gritam e choram ao ver seus ídolos voltarem para o confinamento que os conduzirá a provável e inevitável morte.

Eu volto para a sala ampla atrás da sacada, onde pessoas importantes como Plutarco e duas dúzias de acessores, auxiliares e convidados especiais festejam a 75° edição dos Jogos Vorazes e terceiro Massacre Quaternário. Estou mergulhado em pensamentos, mas não o suficiente para me esquecer de apanhar uma taça de espumante. Dou a primeira golada e o interior da minha boca formiga e arde, mas já estou acostumado à isto, então simplesmente ignoro.

Eu não tenho dedicado meu ódio à Katniss ultimamente, mas há quem faça isso por mim. Um punhado de meus auxiliares está se dedicando em fazer da vida dela um inferno, até que ela entre na Arena. Não sei que ferramentas eles têm usado, mas sei que de alguma forma isso causará dor e pânico suficientes para que ela não tente correr riscos de apoiar as revoluções.

Sou despertado de meus pensamentos quando Plutarco se aproxima. Uma de suas mãos está afundada no bolso da calça social e a outra agita a taça com espumante em movimentos circulares.

_ E então, senhor? Como foi encarar todos eles juntos?
Ambos rimos e eu ergo meus olhos para o teto abobadado da sala.

_ Eu diria que nenhum deles parecia feliz, mas me sinto bem em vê-los tão amargurados. Isso me lembra de que os Jogos ainda têm o efeito desejado sobre as pessoas.

_ Esta será a melhor de todas as edições._ ele me assegura, dando-me um sorriso e tomando um gole do líquido amarelo claro em sua taça.

_ Assim espero._ completo e dou um último aceno com a cabeça. Esvazio minha taça rapidamente, deposito-a na bandeja de um Avox que passava rapidamente por mim.

E sigo em silêncio para a saída, como sempre faço nessas festinhas idiotas que organizam em minha mansão. Não deveria chamá-la de minha, por que na verdade, ela pertence diretamente à Capital. Muitos de meus poderes como presidente se perderam conforme eu envelheci. Isso por que há muitas coisas que eu não posso fazer ou não me atrevo. Presidente tem se tornado menos que um cargo. Um título. O homem que faz anúncios e inspira a ideia de que tudo está bem em Panem. O homem que lhes oferece o Pão e o Circo. E isso tem me incomodado nos últimos tempos.

Agora pretendo ir para algum canto qualquer da casa. Talvez eu volte em algumas daquelas salas grandes cheias de tralhas e relíquias antigas que visitei na Festa dos Vitoriosos. Ou talvez eu simplesmente vá para a biblioteca ou para a Sala de Chá. Decido que vou para esta última, já que há tempos que não a visito. Quando mergulho em seu interior, tudo está exatamente como deixei da última vez em que a visitei. Pulo para uma larga poltrona vermelha e apanho um livro de capa de couro, abro-o e leio.

Meus pensamentos oscilam entre as palavras que meus olhos captam nas páginas amarelas e n que acontecerá dentro da Arena. Anseio pela hora em que Katniss morre e ninguém poderá nos acusar de Conspiração, por que a chance de sobrevivência foi dada à ela. Então a multidão se cala e se arrepende de ter se levantado contra seu querido presidente e as coisas voltam ao normal. Este é o momento pelo qual aguardo.

Sorrio brevemente, confortado com as promessas do futuro, mas sou silenciado quando algo no canto da Sala de Chá começa a chiar. É um velho dispositivo de som. Ele está se iniciando sozinho. Por um momento, imagino que seja algum defeito que chegou com a falta de seu uso, mas entre os chiados estranhos, ouço quatro tons que formam uma melodia conhecida.
O rebelde que gerou aquele propos preparado, volta a agir. E seja lá quem ele for, ele sabe que estou aqui.


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