Sacrilégio - Hiatus escrita por Létys


Capítulo 1
O Corvo


Notas iniciais do capítulo

Pois bem, já disse no disclaimer mas vou repetir, escrevi essa fic na hora da inspiração e não sei qual impacto que vai ter sob os leitores, dependendo dele eu faço ou não uma continuação...É só isso,'-'



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"Nada de grande se realizou no mundo sem paixão"

Paixão: do latim passione = sofrimento

As lágrimas lhe desciam a face incessantemente, os soluços impedindo-o de formular ideias concretas, a não ser que estivessem relacionadas ao suicídio, que se tornava uma ideia cada vez mais atraente e, por mais que não quisesse admitir, uma opção. Queria acreditar que ela não havia morrido, queria ter a oportunidade de olhar em seus olhos mais uma vez enquanto lhe dirigia aquele sorriso que apenas ela conseguia oferecer.

Os olhos de Mark passavam a exata insensatez de seus pensamentos naquele momento. "Conforme-se, ela está morta" a frase martelava em sua mente enquanto os lábios trêmulos evidenciavam o quão vulnerável se encontrava desde a morte dela. Os joelhos doíam devido à noite que havia passado ajoelhado ao lado do túmulo.

"Você conceitua a morte de forma indescritivelmente errônea, garoto" a avó lhe dissera, porém o mesmo limitou-se a responder "E o seu conceito de consolo é igualmente errôneo". Meggie não havia lhe dirigido uma única palavra depois disso. Deixara que o neto aprendesse sozinho a conviver com o seu próprio desespero.

Por mais que não quisesse, Mark havia conseguido transformá-la em uma fraqueza. Em sua fraqueza. "Eu devo ser um conceito errôneo" pensou. Havia cogitado a ideia de que passar uma noite no cemitério poderia ser uma experiência esclarecedora e gostava de dizer para si mesmo que fora esse o motivo de ter passado a noite acordado se lamentando, porém algo em sua mente lhe dizia o verdadeiro motivo de ter abandonado todos os luxos e o seu orgulho para se entregar por completo a dor.

Fora na noite em que ela morrera que descobrira o quão vago era o conceito de dor para os homens. Como ele os invejava. Gostaria que o seu conceito de dor fosse tão vago quanto o deles e que Alice ainda estivesse sentada na sua cama tentando interpretar de todas as formas possíveis a frase: "Nada de grande se realizou no mundo sem paixão". De todas as frases impactantes do mundo ela a escolhera para chamar de lema.

Mark recordou da poesia favorita de Alice.

O Corvo. De Edgar Allan Poe.

Tirou de dentro do bolso da calça um papel escrito com a cursiva de Alice e pôs-se a recitar com a voz vacilando:

– Numa meia-noite agreste, quando eu lia, lento e triste,

Vagos, curiosos tomos de ciências ancestrais,

E já quase adormecia, ouvi o que parecia

O som de alguém que batia levemente a meus umbrais.

"Uma visita", eu me disse, "está batendo a meus umbrais.

É só isto, e nada mais."

"Ah, que bem disso me lembro! Era no frio dezembro,

E o fogo, morrendo negro, urdia sombras desiguais.

Como eu queria a madrugada, toda a noite aos livros dada

Pra esquecer (em vão!) a amada, hoje entre hostes celestiais -

Essa cujo nome sabem as hostes celestiais,

Mas sem nome aqui jamais!"

"Como, a tremer frio e frouxo, cada reposteiro roxo

Me incutia, urdia estranhos terrores nunca antes tais!

Mas, a mim mesmo infundido força, eu ia repetindo,

'É uma visita pedindo entrada aqui em meus umbrais;

Uma visita tardia pede entrada em meus umbrais.

É só isto, e nada mais'."

"E, mais forte num instante, já nem tardo ou hesitante,

'Senhor', eu disse, 'ou senhora, decerto me desculpais;

Mas eu ia adormecendo, quando viestes batendo,

Tão levemente batendo, batendo por meus umbrais,

Que mal ouvi...' E abri largos, franqueando-os, meus umbrais.

Noite, noite e nada mais."

"A treva enorme fitando, fiquei perdido receando,

Dúbio e tais sonhos sonhando que os ninguém sonhou iguais.

Mas a noite era infinita, a paz profunda e maldita,

E a única palavra dita foi um nome cheio de ais -

Eu o disse, o nome dela, e o eco disse aos meus ais.

Isso só e nada mais."

"Para dentro então volvendo, toda a alma em mim ardendo,

Não tardou que ouvisse novo som batendo mais e mais.

'Por certo', disse eu, 'aquela bulha é na minha janela.

Vamos ver o que está nela, e o que são estes sinais.'

Meu coração se distraía pesquisando estes sinais.

'É o vento, e nada mais'."

"Abri então a vidraça, e eis que, com muita negaça,

Entrou grave e nobre um corvo dos bons tempos ancestrais.

Não fez nenhum cumprimento, não parou nem um momento,

Mas com ar solene e lento pousou sobre os meus umbrais,

Num alvo busto de Atena que há por sobre meus umbrais,

Foi, pousou, e nada mais."

"E esta ave estranha e escura fez sorrir minha amargura

Com o solene decoro de seus ares rituais.

'Tens o aspecto tosquiado', disse eu, 'mas de nobre e ousado,

Ó velho corvo emigrado lá das trevas infernais!

Dize-me qual o teu nome lá nas trevas infernais.'

Disse o corvo, 'Nunca mais'."

"Pasmei de ouvir este raro pássaro falar tão claro,

Inda que pouco sentido tivessem palavras tais.

Mas deve ser concedido que ninguém terá havido

Que uma ave tenha tido pousada nos meus umbrais,

Ave ou bicho sobre o busto que há por sobre seus umbrais,

Com o nome 'Nunca mais'."

"Mas o corvo, sobre o busto, nada mais dissera, augusto,

Que essa frase, qual se nela a alma lhe ficasse em ais.

Nem mais voz nem movimento fez, e eu, em meu pensamento

Perdido, murmurei lento, 'Amigo, sonhos - mortais

Todos - todos já se foram. Amanhã também te vais'.

Disse o corvo, 'Nunca mais'."

"A alma súbito movida por frase tão bem cabida,

'Por certo', disse eu, 'são estas vozes usuais',

Aprendeu-as de algum dono, que a desgraça e o abandono

Seguiram até que o entono da alma se quebrou em ais,

E o bordão de desesperança de seu canto cheio de ais

Era este 'Nunca mais'. "

"Mas, fazendo inda a ave escura sorrir a minha amargura,

Sentei-me defronte dela, do alvo busto e meus umbrais;

E, enterrado na cadeira, pensei de muita maneira

Que queria esta ave agoureia dos maus tempos ancestrais,

Esta ave negra e agoureira dos maus tempos ancestrais,

Com aquele 'Nunca mais'."

"Comigo isto discorrendo, mas nem sílaba dizendo

À ave que na minha alma cravava os olhos fatais,

Isto e mais ia cismando, a cabeça reclinando

No veludo onde a luz punha vagas sobras desiguais,

Naquele veludo onde ela, entre as sobras desiguais,

Reclinar-se-á nunca mais!"

"Fez-se então o ar mais denso, como cheio dum incenso

Que anjos dessem, cujos leves passos soam musicais.

'Maldito!', a mim disse, 'deu-te Deus, por anjos concedeu-te

O esquecimento; valeu-te. Toma-o, esquece, com teus ais,

O nome da que não esqueces, e que faz esses teus ais!'

Disse o corvo, 'Nunca mais'."

" 'Profeta', disse eu, 'profeta - ou demônio ou ave preta!

Fosse diabo ou tempestade quem te trouxe a meus umbrais,

A este luto e este degredo, a esta noite e este segredo,

A esta casa de ânsia e medo, dize a esta alma a quem atrais

Se há um bálsamo longínquo para esta alma a quem atrais!'

Disse o corvo, 'Nunca mais'. "

'Profeta', disse eu, 'profeta - ou demônio ou ave preta!

Pelo Deus ante quem ambos somos fracos e mortais.

Dize a esta alma entristecida se no Éden de outra vida

Verá essa hoje perdida entre hostes celestiais,

Essa cujo nome sabem as hostes celestiais!'

Disse o corvo, 'Nunca mais'. "

"Que esse grito nos aparte, ave ou diabo!', eu disse. 'Parte!

Torna á noite e à tempestade! Torna às trevas infernais!

Não deixes pena que ateste a mentira que disseste!

Minha solidão me reste! Tira-te de meus umbrais!

Tira o vulto de meu peito e a sombra de meus umbrais!'

Disse o corvo, 'Nunca mais'. "

"E o corvo, na noite infinda, está ainda, está ainda

No alvo busto de Atena que há por sobre os meus umbrais.

Seu olhar tem a medonha cor de um demônio que sonha,

E a luz lança-lhe a tristonha sombra no chão há mais e mais,

Libertar-se-á... nunca mais."

Mark recordou todas as noites a muito passadas no parque próximo ao apartamento que dividia com a avó, na companhia somente de Alice e essa folha, que acabara sendo a forma menos dolorosa de reavivar as lembranças que por mais que fossem inconvenientes o rapaz não conseguia deixar de lado. Ela recitava a poesia com um sentimentalismo impressionantemente tocante, como se fosse ela a discutir com o corvo. O rapaz reparara infeliz que sua situação era extremamente semelhante a do homem criado por Edgar Allan Poe.

Mark e Alice passavam horas a interpretar a poesia. Mark defendia a teoria de que o corvo representava a consciência humana. Alice, por sua vez, acreditava que o corvo era a amada do narrador que de certa forma havia voltado para repreendê-lo por tentar esquecê-la em prol de amenizar sua dor.

Alice e suas fantasias...

O Sol já nascia e o fluxo dos carros aumentava consideravelmente. Começara a chover e Mark não conseguia distinguir se as gotas que desciam na sua face eram lágrimas ou chuva. Decidiu que o mais prudente a fazer era voltar para casa... Com as mãos trêmulas, ajeitou o buquê de rosas vermelhas que cobria o túmulo de Alice e com um suspiro deixou que ela descansasse sozinha.

Os passos hesitantes lhe guiaram entre vários dos sepulcros, que o fazia pensar na quantidade de histórias que continham. Histórias, sonhos... Naquela noite todos eles pareciam fitá-lo clamando para que a vida dos cadáveres ali contidos não tivessem sido vividas em vão. Sem um propósito maior. No fim todos seremos apenas mais um cadáver a sete palmos da terra.

Os mesmos passos hesitantes continuaram a lhe guiar, dessa vez pelos paralelepípedos da cidade que lhe traziam a sensação de nostalgia. A chuva caía violentamente molhando-o da cabeça aos pés. Passou pela biblioteca ao lado do apartamento onde morava com a sua avó. Seria possível que todos os lugares pelos quais passava lhe lembravam Alice?

Viu-se subindo os degraus que davam para a portaria, como o porteiro o conhecia não houveram problemas. As escadas nunca foram tão escuras. Ao chegar, Mark tocou a campainha. Passou a mão pelo rosto em uma tentativa inútil de apagar os vestígios de uma noite muito mal dormida. Os olhos ainda ardiam devido as lágrimas. Mark tocou a campainha novamente, as ninguém veio atender, então forçou a maçaneta. A porta estava aberta. Estranho. Porém mais estranho do que a porta estar aberta era a garota de cabelos acastanhados e olhos negros sentada em seu sofá segurando um caderno e examinando-o concentrada.

Os olhos de Alice brilhavam tanto que por um momento esqueceu-se de que ela estava morta.

– Pensei que nunca fosse chegar, agora me diga... Quais argumentos você usou para defender a teoria de que o corvo representa a consciência humana? – disse mordendo o lábio inferior pensativa.

Não ouve resposta. O silêncio havia deixado o clima pesado e Mark a olhava tentando compreender o que estava acontecendo e manter sua sanidade. Ela finalmente o fitou com aqueles olhos penetrantes que o obrigavam a sustentar seu olhar.

– Não vai mesmo me responder? O que foi que eu fiz dessa vez? – Alice revirou os olhos, um sorriso brincando em seus lábios, porém os joelhos e lábios trêmulos de Mark e os olhos que pareciam querer sair das órbitas permitiram que ele conseguisse proferir apenas uma única e singela palavra em resposta:

– Alice?


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Notas finais do capítulo

É... é difícil escrever depois de uma poesia de Edgar Allan Poe sem se sentir uma anta... kk' Msm assim espero que tenham gostado, deem a opinião de vcs em relação a fic, podem me cobrar e dar dicas se quiserem que eu continue, porque eu não tenho outros caps prontos. Críticas são sempre aceitas tanto por MP quanto por review desde que sejam construtivas,>.



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