Sob o Brilho da Lua escrita por Bia Kishi


Capítulo 19
Capítulo 19 - Deixando o Passado


Notas iniciais do capítulo

Será que era tão difícil ter uma vida normal? E olha que eu que esperava como "vida normal" nem era assim tão normal. Quando encontrei Damon e me apaixonei, eu pensei que poderia ser feliz enfim, quando encontrei meu pai então, tudo seria perfeito, mas não. Algo tinha que acontecer e me tirar do meu pequeno "mundinho cor-de-rosa!"



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 Alguns minutos depois, Alaric abriu os olhos. Era tão estranho olhar para ele e perceber que em tão pouco tempo, eu sentia como se não pudesse mais existir sem ele por perto. Aqueles poucos minutos de agonia haviam me mostrado algo que eu tentei reprimir durante toda a minha existência - laços de sangue. Eu percebi, nos poucos minutos em que pensei que poderia ter perdido Alaric, que esperei por ele durante toda a minha vida. Percebi que a figura que eu havia idealizado da minha mãe, na verdade existia, mas era ele, meu pai. 

-    Hey! - Alaric me disse sorrindo suavemente.

     Meus olhos estavam tão cheios de lágrimas que eu não pude controlar, elas começaram a descer, molhando o rosto dele. Eu suspirei fundo e me joguei em seus braços.

-    Pai! Pai! Eu te amo.

     Alaric me segurou junto ao seu corpo, não se importando com o quanto doía. Ele estava ferido e isso era visível. 

     Eu me ajeitei tentando não piorar sua dor.

-    Desculpe pai.

     Ele me conteve, impedindo que eu afastasse meu corpo do dele.

-    Eu esperei muito tempo para ouvir isso, amor, não importa o quanto custe. Eu morreria para ouvir isso.

     Eu o beijei no rosto e me aconcheguei em suas asas.

-    Então viva, meu pai, e eu prometo que direi isso todos os dias.

     Eu aproximei meus lábios de seu ouvido e sussurrei:

-    Eu te amo, meu pai. Sempre.

     Não pudemos curtir muito o momento "pai e filha", porque o choro insistente de Elena se fez ouvir.

-    Stefan! Stefan! Ela o levou, ela o levou!

     Um arrepio percorreu minha espinha. Ela levou Stefan? Eu definitivamente não gostava do que a palavra ela, significava nesta frase.

    Alaric se levantou um pouco e se ajeitou no sofá. Damon sentou-se ao lado dele, passando as mãos pelos cabelos. Matt tentava controlar Elena, enquanto eu caminhava de um lado para o outro da sala da pensão.

-    Vadia desgraçada! Como ele pôde? - eu grunhi.

-    Para te atingir, amor.

     A voz suave do meu pai me fez parar.

-    Me atingir? Como assim, me atingir? Seria mais fácil ela me pegar, então.

-    Não Ayllin, não seria.

     Desta vez, era a voz de Matt que eu ouvia.

-    Katherin sabe que você faria qualquer coisa por Stefan, foi por isso que ela o levou.

-    O que nós vamos fazer? Como vamos trazê-lo de volta?

     Minhas perguntas tinham destino certo - meu pai. Se existia alguém naquela sala que saberia o que fazer, era ele. Ninguém conhecia minha mãe melhor que ele. E ninguém conhecia Katherin melhor que minha mãe. Eu corri até ele e me ajoelhei entre suas pernas.

-    Pai me diga que existe uma maneira. Diga que você pode.

     O silêncio que se seguiu era insuportável. Eu esperava que ele dissesse um simples sim, e eu confiaria nele. Meu pai não disse, ele permaneceu em silêncio, até que Damon se manifestou.

-    Eu vou trazê-lo de volta. Eu vou dar um jeito.

     Quando Damon tentou se levantar do sofá. Meu pai levantou a mão e o conteve.

-    Não Damon, você não vai.

-    É claro que eu vou! - Damon protestou - é meu irmão!

-    Você não vai. Á menos que queira morrer, ou matar Stefan.

     Eu engoli em seco. Pior que ter Stefan em risco, era ter os dois.

-    Pai tem que ter um jeito. Nós precisamos dar um jeito - meus olhos encontraram os dele profundamente - me diga que você pode.

    Alaric segurou minha mão e a beijou. Seu sorriso suave e doce me dizia que existia ainda uma esperança.

-    Eu não posso amor, mas você pode.

     Eu fiquei estática. Eu posso? Como assim, eu posso? Impressão minha, ou ele havia esquecido que foi ele quem me salvou alguns minutos atrás?

-    Pai, eu não acho que consiga.

     Damon passou os braços em volta de mim e me puxou para seu colo.

-    Eu não vou permitir que ela vá sozinha, Alaric. Nunca.

     Matt também se aproximou.

-    Nem eu.

     Se a situação não fosse essa, eu teria ficado feliz em ter tantos homens preocupados comigo - Hey, não é qualquer uma que pode ter ao mesmo tempo um vampiro, um anjo, e um anjo vampiro para protegê-la!

     A voz de comando do meu pai fez todos se calarem.

-    Ela terá que ir sozinha - ele fez uma pausa e acariciou o meu rosto - por mais que me doa, ou vamos começar uma guerra.

     Guerra? Será que eu tinha entendido bem?

     Para responder as minhas dúvidas, Damon perguntou:

-    Como assim, uma guerra?

     Meu pai suspirou duas vezes - o que indicava problemas jumbo!

-    Katherin quer Ayllin. Ela sempre quis.

-    Afinal de contas, porque essa louca me quer? O que eu tenho de tão especial?

-    Meu sangue. Ou melhor, o seu sangue.

     Ôpa! Agora é que minha cabeça estava um nó.

-    Eu vou explicar, amor, eu vou explicar.

     Eu continuei olhando fixamente para o meu pai, assim como todos na sala. Meu pai continuou.

-    Meu pai, seu avô, era um vampiro.

-    Sim você já me disse.

-    Não é comum que duas criaturas místicas tão diferentes gerem uma criança, amor. Quando me conheceu, Katherin tentou de todas as maneiras possíveis me persuadir, mas ela não obteve sucesso. Quando sua mãe e eu nos apaixonamos, ela se desesperou porque pensou que ficaria sozinha.

    Alaric fez uma pausa assim que pronunciou o nome da minha mãe. Mesmo depois de tanto tempo, era difícil para ele pensar nela e em tudo que ela havia feito. Na verdade, quanto mais o tempo passava, mais eu entendia o obvio - ele ainda amava, e isso o estava matando. Ele continuou.

-    Lenore foi fraca. Seu poder e sua fraqueza fizeram de Katherin o que ela é. Graças a sua mãe, Katherin é a vampira mais poderosa. E graças a Katherin, a única que pode vencer sua mãe é você.

-    Por quê?

-    Lenore me conhece bem demais. Ela conhece minhas fraquezas - ele suspirou profundamente - ela sabe que eu não poderia machucá-la.

-    Você disse que começaríamos uma guerra. Que guerra?

-    Katherin quer você ao lado dela. Ela fará qualquer coisa para tê-la. Se alguém se colocar no caminho, amor, ela vai lutar.

-    E você supõe que eu "sozinha"  - apontei para mim mesma para dar mais ênfase á frase - posso combater as duas? Pai, fala sério. Eu nem consigo ganhar da minha mãe! Como vou conseguir enfrentar as duas?

    Os olhos de Alaric se perderam dos meus. Eu sabia que o que viria á seguir era o ponto negativo de tudo isto. Eu suspeitava do que se tratava, mas tinha esperanças sinceras de que estivesse errada.

-    Pai me responda.

-    Você precisa se transformar, meu amor. Você precisa abrir mão de ser um anjo. Precisa se tornar o que eu sou.

     Eu engoli em seco. No dia em que Alaric me contou toda a história sobre ele e minha mãe, ele me contou também o que significava me transformar. Eu sabia que perderia muita coisa, e eu não sabia se estava preparada. Minha cabeça pendeu, tocando o peito de Damon. Ele beijou minha testa, enquanto afagava meus cabelos.

-    Você não precisa fazer isso. Eu vou dar um jeito - Damon sussurrou em meu ouvido.

-    Eu queria que tivesse outro jeito, meu amor. Eu juro. 

     A voz dolorida do meu pai, me dizia que ele tinha razão. Eu não poderia lutar com elas sem me transformar. Seria impossível. Eu não poderia deixar Stefan lá, com elas, mas eu não queria perder metade do que eu era. Eu não estava preparada para isso. Abrir mão de Miguel e de minhas irmãs, e da minha casa, e de tudo que eu tinha como minha vida. Eu suspirei fundo.

-    Eu preciso de um tempo.

     Levantei do sofá e caminhei pela sala sem olhar para ninguém. Eu não precisava encarar nenhum deles para sentir todas as expectativas que eles jogavam em minhas costas, ainda que não quisessem. Damon se levantou e tentou sair da sala ao meu lado. Eu coloquei minha mão em seu peito, afastando-o o mais delicado que eu poderia naquele momento.

-    Damon, eu preciso de um tempo.

     Ele me encarou com seus olhos esmeralda.

-    Sozinha - eu enfatizei.

     Quando eu saí, á luz do dia, nenhum deles estava comigo. Eu não queria mesmo companhia. Eu precisava pensar e queria fazer isso sozinha.

     Caminhei um pouco mais longe desta vez, até a beira de um rio largo e tranquilo. Eu caminhei pelo leito, molhando meus pés em suas águas frias. De repente, eu senti saudades de casa. Já fazia tanto tempo que eu não ia até lá. Uma lágrima quente e pegajosa escorreu em minha face, quando a idéia de nunca mais poder ir até lá, veio em minha mente.

     Soltei minhas asas e me deixei voar, sumindo no céu. Quando cheguei ao nosso lar, eu não procurei por minhas irmãs, ou por Miguel. Eu ainda queria ficar sozinha, e isso os incluía. Andei pelo campo descalça, pisando na grama fofa e brilhante. Meus pés estavam molhados de orvalho. Uma a uma, as lágrimas ficaram urgentes - eu precisava chorar.

     Chorei e chorei e chorei mais. Até que eu não conseguia mais andar, eu só conseguia chorar. Sentei-me na grama e coloquei a cabeça nos joelhos, chorando como uma criança. Será que era tão difícil ter uma vida normal? E olha que eu que esperava como "vida normal"  nem era assim tão normal. Quando encontrei Damon e me apaixonei, eu pensei que poderia ser feliz enfim, quando encontrei meu pai então, tudo seria perfeito, mas não. Algo tinha que acontecer e me tirar do meu pequeno "mundinho cor-de-rosa!"

    Eu definitivamente não sou uma pessoa de lamentações, ao contrário, pena não é meu sentimento favorito. Nem de longe! Seguei meu rosto com as costas das mãos e estava tentando me levantar quando senti o peso em meus ombros. As mãos de Miguel me seguraram no chão.

-    Não há nada de errado em chorar, minha querida. Não há nada de errado em se sentir perdida. Não há nada de errado em ter dúvidas.

     Eu não resisti e o abracei. Miguel sentou-se ao meu lado e eu coloquei minha cabeça em seu colo. Eu o amava tanto, não queria ficar longe dele. Por tanto tempo Miguel havia sido minha família, meu pai, minha mãe. Miguel era meu porto seguro. Eu não queria estar longe dele. Eu nem conseguia dizer a ele o que estava prestes a fazer. Eu engoli em seco.

-    Miguel?

     Eu parei no nome, porque o resto das palavras insistiram em não sair. Para minha surpresa, Miguel sorriu.

-    Eu sei querida. Na verdade, por mais que eu quisesse me enganar, eu sempre soube que este dia chegaria.

     Meus olhos eram incrédulos admirando a figura de cabelos louros em minha frente.

-    Você não pode negar o que é, por mais que eu queira. Se eu pudesse, eu a prenderia aqui, comigo, protegida sob minhas asas.

     Eu sorri, olhando em seus olhos azuis pálidos.

-    Mas eu não posso. Você não é minha.

     Meus dedos acariciaram a face de Miguel. Eu sempre soube o quanto Miguel amou minha mãe, e eu sabia ao quanto era doloroso para ele olhar para mim, a filha de outro.

-    Me desculpe.

-    Porque está se desculpando, minha querida?

-    Por fazer sempre tudo errado. Eu sou errada desde o começo. Eu sou sempre um problema, sempre uma confusão em sua existência.

     Miguel deslizou os dedos em meus cabelos, sorrindo levemente.

-    Não Ayllin, você não é. Você nunca foi. Foi é tudo que eu tenho. Você é minha filha. Quando seu pai lhe entregou para mim eu não sabia o que fazer. Cuidar de um bebê, definitivamente não estava em meus planos. Pouco a pouco você foi tomando espaço. Pouco a pouco eu fui me apaixonando pela pequena garotinha que eu tinha em meus braços. Quando eu olho para você, minha filha, eu não me lembro de Lenore, ou de tudo que ela fez. Quando eu olho para você eu penso que vale a pena. Quando olho para a minha mesticinha, eu penso que não importa o quanto algo é ruim, sempre existe esperança. Não importa o que você é, meu amor, o que importa é como se comporta. O que importa de verdade é como você usa o poder que tem. Seu pai é um bom exemplo disso. Alaric é o melhor guerreiro que eu conheci. Sempre justo. Sempre honesto. Quando ele se transformou eu achei que tivesse perdido um anjo. Ao longo do tempo eu percebi que ganhei um, um pouco diferente, mas Alaric nunca deixou o bem morrer dentro dele, e você não deixará também. A decisão será sempre sua, Ayllin, mas eu não quero que pense que perderá a mim ou aos que ama, aqui, conosco. Você sempre nos terá em sua vida, sempre que quiser.

     Miguel fez uma pausa e suspirou.

-    Eu estarei ao seu lado, sempre, mesmo que você não me queira. De um jeito ou de outro, eu estarei lá.

     Eu o abracei bem forte, enterrando meu nariz em seu peito e aspirando seu perfume para dentro de mim.

-    Eu não vou mais poder vir até aqui.

     Miguel sorriu, afagando meu cabelo.

-    Então nós vamos até lá.

     Ele segurou meu rosto entre suas mãos e falou olhando bem em meus olhos.

-    Nós nunca vamos abandonar você.

     As certezas da conversa com Miguel me fizeram voltar um pouco menos tensa para a Terra. Eu ainda não tinha cem por cento de certeza de nada, mas sabia do principal - acontecesse o que acontecesse eu teria todos que amo ao meu lado. Damon, Alaric, Miguel, Matt e Stefan não me abandonariam nunca. Para alguém que nunca pode contar muito com as pessoas, até que eu estava bem.

     Caminhei de volta para a pensão me sentindo bem mais leve do que quando saí. Eu entrei na sala e percebi que poucas coisas haviam mudado, desde a minha partida. Todos ainda estavam ali, e com exceção de Elena, todos pareciam imóveis - coisas de seres sobrenaturais!

     Quando me viram, todos os olhos me seguiam, o que era bem estranho - eu já mencionei que odeio me sentir o centro das atenções?

     Eu me joguei na poltrona e levantei os braços.

-    Estou pronta, vamos fazer isso de uma vez!


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