"O meu sonho já não era apenas mais um sonho"

Eu nunca imaginei que aquele dia seria tão especial para mim, na verdade, eu nem havia pensado em dar o primeiro passo daquele jeito. Em uma tarde, quando caminhara pelo sujo subúrbio de Tóquio, eu notei que várias pessoas reuniram-se em um lugar onde estavam sendo feitas apostas, como sempre fui interessada em jogos de azar, eu me aproximei. Foquei no jogo que estava sendo feito pelos participantes, sendo eles todos velhos e ricos, pelo jeito eram mesquinhos também. Ao observar que um dos velhos estava passando por dificuldades em uma das rodadas, eu logo notei que ele havia uma carta que poderia trazer toda uma diferença a aquele jogo:

– Pelo que percebi o homem ao seu lado ta com o coringa, se você jogar o valete na próxima rodada pode anular o coringa dele. - palpitei, em voz baixa, próxima ao homem, que, por mais que tivesse me estranhado, me compreendeu.

Na vez daquele senhor, ele fez o que eu disse e, para sua surpresa, eu estava certa. Ao jogar o valete, ele conseguiu extinguir e, jogando suas cartas restantes, ele simplesmente venceu a partida. Rapidamente ele levantou da cadeira e começou a comemorar:

– Eu ganhei, eu ganhei! - gargalhava sem parar.

Quando todos foram embora, ele veio até a mim e pediu para que lhe acompanhasse até o seu carro, queria falar seriamente comigo. Bom, então eu fui, por mais que eu estivesse um pouco desconfiada daquele senhor, afinal, um homem envolvido em apostas de alguma maneira deve estar ligado a crimes, pelo menos era o que eu pensava.

Ao entrarmos no carro, ele novamente gargalhou:

– Hahaha... Você é boa em apostas, hein? Qual o seu nome? – pensei que ele fosse um homem mais sério, mas estava enganada.

– Sim, sou. Me chamo Taeko Yasuhiro. – quando terminei de responder ele logo gargalhou, com certeza havia achado engraçado o meu sobrenome que era comum no subúrbio.

– Eu sou Tomikazi Nagano, muito prazer. – pelo jeito não foi o meu sobrenome que ele achou engraçado. Ao estender sua mão, eu apertei, por mais que eu suspeitasse da parte dele em me cumprimentar com um aperto de mãos, afinal, um velho num carro com uma garota da minha idade, bom, não era bem visto.

– Então, visando sua habilidade em apostas, eu tenho uma proposta a lhe fazer... - ele abriu os vidros do carro e acendeu um cigarro de marca, enquanto observava a rua. Seu humor mudou-se completamente.

– Que tipo de proposta? – estava ansiosa e curiosa ao mesmo tempo, até batia o pé ao aguardar a resposta dele.

Ele sorriu novamente, sabia que eu estava muito interessada naquela conversa.

– Você gostaria de viver no centro de Tóquio? - um brilho surgiu em frente aos meus olhos, seria aquele o momento de sorte que eu esperei por tanto tempo?

– Claro que sim. Quem, no subúrbio, não gostaria de morar no centro? – respondi sem pensar duas vezes, ele não se surpreendeu com minha reposta.

– Como pensei... Então, caso você aceite me ajude em apostas, será lhe oferecido uma moradia, uma bolsa em uma escola de alto nível e terá de aceitar trabalhar em um café de maids porque estamos precisando. – soltou uma alta gargalhada ao terminar de falar, até me assustou e dessa vez ele quase engoliu a própria língua.

Gostei muito das condições que me foram propostas, não havia como recusar.

– Aceito. – nas condições em que eu vivia, o que foi me oferecido já era ótimo, não podia pedir nada melhor.

Novamente ele gargalhou, seu hálito era digno de um dono de café.

– Tudo bem. Está vendo aquela loja de utensílios ali à frente? – indicou a loja movimentando a cabeça.

– Sim, o que tem ela?

– Amanhã, às onze horas, virei te buscar. – pelo jeito ele apostava todos os dias para querer que eu fosse para a casa dele tão rapidamente – Aliás, devia ter te perguntado... Não importa em dividir a mesma casa que minha filha, não é?

A presença de uma pirralha seria irrelevante.

– Não, não me importo. Bom... Já que vamos sair cedo amanhã então vou arrumar minhas ma- - fui interrompida pelo velho, com sua mão estendida, ele exibia um cartão de crédito.

– Não, pegue o que precisar com este meu cartão de crédito. – fiquei verdadeiramente surpresa, nunca imaginei que ele me confiaria um cartão de crédito platinum – Pode gastar o quanto quiser.

Peguei o cartão de crédito e rapidamente sai do carro, achei que ele fosse tomá-lo de mim, mas ele estava falando sério. Olhei para trás e ele estava acenando para mim se despedindo, apenas esbocei um sorriso forçado, nunca fui de sorrir, claro, nunca tive motivos para isso, todavia naquele momento eu tinha sim motivos, entretanto simplesmente não conseguia. Então decidi que iria fazer compras, comprei uma bicicleta (sim, era uma bicicleta barata) e pedalei até achar uma loja conhecida pelas suas boas roupas.

Entrei e fiquei surpresa, as roupas eram muito mais bonitas do que eu pensei, não eram apenas vestidinhos e coisas do tipo, à minha visão, aquilo era arte. Comprei o que precisei e voltei pra minha casa, ao passar de alguns minutos, eu já conseguia a observar. Minha casa era pequena por dentro e por fora, havia apenas três cômodos: sala de estar, banheiro e quarto, sendo que a sala de estar era misturada com a cozinha, uma verdadeira bagunça.

Como já estava anoitecendo, imaginei que minha mãe já estivesse dormindo, e, como sempre, acertei, ela estava lá, dormindo ao lado de uma garrafa de cerveja. Entrei sorrateiramente e fui para o quarto. Ao entrar no quarto tranquei a porta e deitei em minha cama. Quando olhei para o lado, lá estava Celestia, meu alter-ego com quem eu conversava todas as noites. Eu a criei quando tinha apenas seis anos de idade, ela era maravilhosa e eu sentia que estava cada vez mais perto de ser como ela; linda e perfeita:

– Boa noite, Taeko. – ela estava sentada em uma cadeia tomando chá enquanto observava a lua pela janela, a lua cheia. Por mais que minha casa estivesse em um lugar ridículo, a vista para o satélite natural era sempre privilegiada e Celestia adorava os raios lunares.

– Boa noite, Celestia... Sabe, já estou perto de ser você. – falei, deitada na cama e olhando para o lado da parede, estava com sono.

– Hmm... Perto de ser igual a mim? Nunca duvidei da sua capacidade. Então, quando se tornar o que sou, espero que realize os meus desejos também. – terminando de dizer isso, ela desapareceu em uma névoa negra. Ela nunca houvera desaparecido daquela maneira, foi a primeira vez que a vi sumir daquela maneira e também foi a última vez que Celestia Ludenberg apareceu.

Caí no sono, foi um dia agitado e cheio de “emoções”. Ao acordar, olhei no relógio e já eram dez horas, levantei da cama e fui escovar os dentes, no caminho, deparei com a minha mãe:

– Ei, menina... Onde esteve a tarde toda? Não limpou nem a louça e nem a casa. – como sempre ela estava imunda, como uma mulher podia ser ridícula a tal nível? Por que eu tinha que ser filha dela?

A ignorei e entrei no banheiro, trancando a porta. Escovei os dentes e tomei um banho, me sequei e me vesti com um dos vestidos que comprei. Olhando bem, o vestido que comprei parecia com o de uma maid, sempre gostei dos uniformes que as maids usam, me senti como se fosse uma cosplayer. Arrumei o meu cabelo e sai do banheiro. Voltei ao meu quarto e peguei minha mala (que era de rodinhas, sim, eu comprei uma mala no dia anterior). Saí de casa sem olhar pra trás, minha mãe tinha voltado a dormir, ficaria muito tempo sem a ver, para a minha alegria.

Chegando ao local combinado, vi o carro de classe do senhor. Dentro do carro estava ele e uma garota que aparentava ter a mesma idade que eu, esta garota possuía tranças e óculos, parecia ser tímida. Ela estava lendo um livro sobre assassinos em série, nunca imaginei que uma menina como aquela se interessasse por este tipo de literatura.

– Vamos lá, cumprimente a Taeko, Fukawa. – o velho senhor falou com sua filha.