Por um mundo onde só haja eu e você escrita por Fran Carvalho


Capítulo 1
Capítulo Único




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P.O.V. Rennesme

Estava quente.

Nasci na Inglaterra. País de clima agradável, frio até. Mudar-me para o Rio de Janeiro foi ideia do meu pai.

Estava sentada na varanda da minha casa nova, tentando pegar um vento que não existia. Os escravos trabalhavam em algo que não vi exatamente o que era, mas acredito que fosse um moinho ou um poço. Estavam todos sem camisa e eram todos estupidamente lindos.

Nunca fui a favor da escravidão dos negros. Para mim, eles são tão gente quanto nós, e merecem respeito. Mas a última vez que disse isso pro meu pai, o poderoso senhor de escravos, Edward Cullen, levei um tapa na cara que nunca esqueci. Por isso tenho que ficar com meus pensamentos para mim.

Sou Reneesme Cullen, tinha quinze anos em 1872.

- Filha, não está muito quente para você? Nunca vi lugar mais indesejado, não sei onde seu pai estava com a cabeça em nos trazer pra cá.

- Sei bem o que quer dizer, mãe – falei – Parece que estou fritando ou algo assim.

Minha mãe era Isabella Cullen, uma mulher linda e fútil, que passava seus dias dando ordens às escravas e bordando, coisas que de maneira nenhuma eu queria fazer enquanto fosse viva. Eu sei fazer essas coisas, mas prefiro passar longe delas.

Um dos escravos virou-se, mostrando de repente o corpo para mim. Ele tinha talvez a mesma idade que eu, um rostinho infantil e a pele escura, mas não chegava a ser tão negro quanto os outros. Era uma mistura de branco e escrava, provavelmente.

Me abanei com o leque, vendo o calor subir como se viesse de baixo da saia. Respirei fundo, acho que minha mãe percebeu.

- Seu pai tenciona casar você em breve – minha mãe contou, vendo meu estado – Se chama Alec Volturi, é filho de um homem poderoso no Brasil, um tal de Aro. Ele é lindo, filha, e tem só dois anos a mais que você.

Assenti, abismada com as palavras, ainda olhando o garoto suado que trabalhava lá em baixo. Minhas mãos suavam e eu achei que ia passar mal ou gritar. Fiz o máximo para me controlar.

***

Quase um mês depois, houve uma festa de noivado para mim e Alec. Ele era mesmo lindo, como minha mãe havia dito, e eu já sabia que seu pai era um dos homens mais importantes aqui, na verdade, era um barão.

Alec era um perfeito cavalheiro, e me tratou com total bondade e carinho, respeitador até demais. Mas eu nem mesmo me importei, porque já estava apaixonada por Seth a essa altura.

Soube que Seth era filho bastardo de Aro, e sua mãe era a escrava fiel de Gianne, uma bela negra que se chamava Sue. Ele sabia quem era seu pai, mas sabia também que isso não importava nem um pouco pra ele.

Foi mais ou menos por volta das nove horas da noite que consegui me abster dos olhares dos convidados e fugir para os fundos. Seth estava trabalhando como garçom na festa, mas eu sabia que ele iria estar lá, pois o vira sair.

Esbarrei nele, quase sem querer. Ele me viu, assustado, e foi pedindo desculpas apressadamente, como se eu fosse batê-lo pelo simples fato de ser um escravo. Eu toquei o dedo indicador em seus lábios para que se calasse e o abracei.

- Quero fugir com você esta noite, Seth – sussurrei em seu ouvido – Não posso me casar com Alec, eu amo você.

Ele me olhou surpreso, e num ímpeto de desejo, me puxou pela cintura, e me beijou com desespero e paixão. Ficamos ali, colados pela força do nosso sentimento, por longos minutos.

- Amanhã antes do dia amanhecer – eu disse a ele, segurando em seus ombros e o olhando com carinho – Me espere em frente a senzala. Vou estar lá, e a gente vai fugir pra longe.

P.O.V. Edward

Era pouco mais de nove horas quando vi Rennesme sair.

Sabia de sua paixão por um dos escravos. Certa vez minha filha tivera a audácia de comentar que achava ridículo a forma como os escravos eram tratados, que eles eram tão gente quanto nós. A raiva foi tão grande que a bati.

Isabella tinha me contado das insinuações que Rennesme tivera quando viu o filho bastardo de Aro. Por isso fui tão rápido com o noivado dela, isso a manteria longe dele. Mas estava errado.

Segui sorrateiramente, a raiva me consumindo, quase transbordando pelos poros. Quis puxá-la pelos cabelos e espanca-la, mas nunca tive coragem de fazer uma coisa dessas, e não seria a primeira vez. Não seria contra um casamento com um negro, se fosse só por mim. Mas seria uma vergonha perante a sociedade, e eu não queria que minha princesa passasse por qualquer tipo de preconceito.

Vi quando se beijaram, como uma prostituta faria com um homem. Se não estivessem sozinhos, aquilo teria me consumido. Por sorte eu era o único que os vira, e a honra dela estava intacta. Bufei quando vi ela falar a ele que o encontraria em frente a senzala no outro dia, bem cedo.

Rangi os dentes, com fúria, e entrei, fingindo que tudo estava normal e calmo.

***

Deixei que Bella dormisse ao meu lado, e ainda esperei uma hora. Devia ser pouco mais de duas da madrugada quando levantei, meus olhos em polvorosa, querendo matar. Meu sangue fervia por dentro, mas eu sabia que não teria coragem de olhar nos olhos do garoto que amava minha filha, então fiz o que um pai faria para manter a hora da família.

Era escuro e silencioso. Saí do jeito que estava vestindo a roupa de dormir. Ninguém me veria. Saí a passos lentos, atravessei a fazenda e cheguei na senzala antes que imaginei. Tudo estava quieto. Abri a mão que mantinha cerrada e tirei do chão, dois pedaços de madeira, um e outro se roçando, até que saíssem faíscas. Tremi.

Soprei até que finalmente uma chama se acendeu. Olhei o céu, pedindo perdão a Deus por meu crime, pois era um dos poucos que acreditava que negros tinha alma. E joguei a chama sobre a senzala.

Virei as costas e nem mesmo olhei. Só percebi que a luz aumentava mais e mais, mas não houve gritos. Os pobres nem mesmo acordaram.

P.O.V. Rennesme

Não dormi aquela noite. Quando vi que quase amanhecia, corri segurando o vestido para não tropeçar. Cheguei à senzala antes que pudesse ser vista, e meus olhos não acreditaram no que viram.

- Ai, meu Deus, o que foi que aconteceu aqui?

Os restos de madeira eram agora só cinzas. Corpos e mais corpos queimados tomavam conta do cenário e eu senti as lágrimas copiosas chegarem a minha face.

Andei pelos corpos até encontrar o dele. Estava tão queimado que tive pena. Abracei aqueles braços que nunca mais seriam meus. Deitei minha cabeça naquele peito tão esculpido pela natureza, que eu nunca mais teria a chance de ter para mim.

- Eu sinto muito – a voz do meu pai vinha de trás de mim.

Virei-me na direção dele e corri, o abraçando, aos prantos, enquanto ele carinhosamente deitava minha cabeça em seu ombro.

Eu morri naquele dia. Morri por dentro.


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Notas finais do capítulo

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