Rebelião escrita por Nina F


Capítulo 2
Parte I - Capítulo Um


Notas iniciais do capítulo

Só pra constar, olhem a hora que eu to postando. PROVAS INFELIZES QUE ME MATAAM! Espero que gostem do nosso último primeiro capítulo.



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Mantenho minha mente ocupada com os movimentos, é como se eu estivesse ditando a mim mesmo, palavra por palavra, o que fazer. O ar enche meus pulmões, mas não chega a queimar como eu realmente quero que faça. O instrutor vai mais à frente, comandando o ritmo pra mim muito lento, e eu lidero a fila, juntamente com mais dois ao meu lado. Quando sinto o sangue subir à cabeça e meu ritmo cardíaco aumentar eu acelero sem pensar duas vezes, desrespeitando o treinador e deixando todos os outros pra trás. Corro o mais rápido que posso com os olhos vidrados na floresta ao meu redor, tentando manter o controle. Uma pulseira com os dizeres “mentalmente desorientado”, é disso que eu realmente preciso e não do grande relógio no meu pulso.

Apenas a dor em meus músculos e o ardor do meu peito me satisfazem e eu suporto mais uma longa distância, só parando quando fica realmente difícil respirar. Me apoio em meus joelhos e considero a ideia de pular a cerca alta a poucos metros de mim e fugir para dentro da mata. Eu realmente seria capaz de fazê-lo, mesmo com sua eletricidade, se não tivesse tanta gente dependendo de mim. O país inteiro, na verdade. Katniss ainda se mantém muda sobre a questão Tordo, Peeta está preso na Capital e Violet... Violet está presa numa cama de hospital, longe de tudo e de todos, no sono mais profundo que existe. Isso já há um mês.

– Está dispensado, soldado Stoll. – diz a voz grave do treinador atrás de mim, eu ainda não me dei o trabalho de decorar seu nome.

Eu, mais que depressa, volto para o subterrâneo do 13. Ás vezes ficar dentro do distrito é melhor que ficar fora, às vezes é ao contrário. Checo meu braço direito, 08:30 – Centro Educacional, sala 15. Às favas com a aula de História Nuclear. Eu sigo através dos corredores e entro no elevador, saindo diretamente no meu andar. Compartimento A540, no qual eu tenho vivido solitário desde que pus os pés pra fora do hospital, uma semana depois de ter sido arrancado da arena. O lugar deprimente. A cama particularmente grande para comportar apenas a mim, a qual empurrei um canto do quarto, uma janela minúscula acima dela, uma mesa com duas cadeiras e um criado com uma gaveta com algumas seringas de morfina dentro.

Sim, eu tenho usado morfina. A descarga foi demais para a minha cabeça e juntamente com a concussão eu ganhei dores terríveis de presente, as quais os médicos dizem que provavelmente são crônicas e que me acompanharão para o resto da minha vida agora. Começa com uma pontada e então rapidamente eu sinto como se minha cabeça fosse se romper espalhando miolos pra todo lado. É insuportável e parece se alastrar por todo meu corpo. Então eu simplesmente me arrasto até aqui e espeto minhas veias com a agulha, eles me entregaram uma boa quantidade delas.

No quarto ainda há um armário com as roupas cinzentas e idênticas daqui e um banheiro minúsculo. São pouquíssimos os compartimentos que possuem o privilégio de um banheiro com chuveiro, um privilégio para o Tordo que caiu nas graças de Coin, a presidenta. Embora eu não queira isso, de verdade. Apenas o fiz por conveniência, só queria ficar em paz aqui.

Arranco o relógio do meu braço e coloco-o sobre o criado ao lado da cama. É o meu comunipulso, outro privilégio, dado aos membros do Conselho de Guerra que possuem a confiança de Coin. É apenas um comunicador, preso ao meu pulso quase que vinte e quatro horas por dia, por onde recebo mensagens do Comando, como reuniões marcadas de última hora e coisas assim. Sigo para o banheiro e ligo o chuveiro, só aí já estou desrespeitando uma regra daqui. Todos os dias você precisa colocar seu braço direito dentro de uma geringonça que tatua em seu antebraço sua programação do dia numa tinta roxa que por algum motivo só sai da pele à noite, no verdadeiro horário de banho, às dez. Mas o que é uma regra dentre inúmeras? Desde que cheguei, vivo descumprindo meus horários, na verdade só os sigo nas refeições, no treinamento ou quando preciso ir ao Comando. Fora isso eu simplesmente desço até o andar do hospital, que é o que farei agora. Ninguém pode ao menos reclamar, eu sou o Tordo.

Visto as roupas padrão do Distrito 13 e sigo às cegas pelo caminho que já consigo percorrer sem problemas, mesmo inconsciente do que estou fazendo. Quando empurro a porta dupla pesada ninguém me barra, já estão todos acostumados e receberam ordens para isso. Fiz um bom estrago quando tentei entrar aqui pela primeira vez e não permitiram, dois médicos tiveram de receber alguns remendos. E eu ganhei mais um dia inteiro sedado.

Toda vez que entro pela porta é o mesmo choque, mesmo tendo feito isso inúmeras vezes. Eu desejo encontrá-la, acordada, sorrindo pra mim, mas ela continua do mesmo jeito. Deitada, imóvel, os braços moles ao lado do corpo, o rosto leve como se dormisse. A pele agora levemente pálida tem um gelo tão diferente do calor que havia ali antes. “É um milagre ela estar viva” é que todos dizem, mas não acho que Violet esteja, de fato. No dia em que fomos resgatados da arena ela estava próxima demais do fio de Beete quando o raio atingiu a árvore, eletrocutando-o. Todos nós estávamos próximos, mas ela estava ainda mais e, pela diferença de distância, a descarga poderia tê-la matado. E o fez por alguns momentos. Eu me lembro de quando, dentro do aerodeslizador, eles tentavam puxá-la da morte, seu coração parado. Conseguiram. Mas agora ela está em um coma profundo, muito longe daqui para que possamos buscá-la.

Bem, não é bem um coma, ou não é um coma comum. É mais como se ela estivesse simplesmente... Dormindo. Enquanto eu estava de joelhos não chão, minhas mãos trêmulas agarradas às dela, na primeira vez que me deixaram vê-la, o médico explicou o estado de Violet. Fizeram tudo o que podiam. Órgãos e tudo o mais já estavam em bom estado, sinais vitais ok, e bem satisfatórios, atividade cerebral normal, a máscara de oxigênio nem mesmo era necessária, embora tivessem optado por ela. Violet só... Não acorda. Ela deveria também demonstrar algum pequeno grau de consciência, eles disseram que isso pode ocorrer em comas menos graves, aceleração no ritmo cardíaco diante de alguma emoção, pequenos movimentos, choro... Nada. Plutarch, Haymitch, Enobaria... Todos me dizem que é questão de tempo, que é como se ela estivesse se recuperando por dentro, dando um tempo para poder voltar, mas a verdade é que ninguém sabe se Violet ao menos acordará algum dia.

Eu me contento em me apoiar na cama de hospital, tocando seu cabelo, seu rosto, esperando que o ritmo de seu coração ao menos acelere. Esperando que ela pelo menos perceba que eu estou aqui, mas nunca acontece nada. Os tubos em seu braço a alimentam e alguns fios, presos em coisas entranhas em seus dedos, conferem as batidas de seu coração, que aparecem num monitor mais ao lado, fazendo um ‘bip’ pra mim tão doentio. Ela está nova em folha, assim como eu, eles deixaram nossa pele queimada pela eletricidade e todo o resto bonitinhos de novo para caso precisemos ser usados em frente às câmeras. Seus tordos também sumiram e única marca que resta do massacre é a cicatriz em seu braço, idêntica à minha, de onde seu rastreador foi arrancado por Finnick.

Finnick... Que quase chorou quando o deixaram ver Violet. Ele está ruim, bem ruim. A garota por quem ele é apaixonado, a louca Annie Cresta, também foi levada pela Capital. Ele se tornou tão louco quanto ela quando soube e agora vive aqui em baixo, na ala dos mentalmente desorientados. Às vezes sai é claro, mas não demora muito para que tenha uma recaída mental e volte. Ele permanece aqui na maior parte do tempo. Vou lá sempre que posso, nós conversamos, quando ele consegue se concentrar, ou então simplesmente encaro as cortinas ao redor da sua cama na enfermaria, enquanto ele executa sua terapia. Para manter os nervos no lugar e tentar reativar sua capacidade de prender a atenção nas coisas, que se perdeu na concussão, ele passa horas a fio dando nós num pequeno pedaço de corda.

Após o que parece ser horas sentado no sofá em frente à cama de Violet, vendo-a respirar sempre no mesmo ritmo, meu comunipulso apita. Reunião no Comando. E lá vamos nós para mais uma sessão Tordo, a missão? Tentar pela milésima vez convencer Katniss a aceitar o cargo. Me aproximo de Violet e a olho antes de sair pela porta, me sentindo derrotado como sempre. Sigo para o elevador e em alguns momentos estou diante das portas abertas do Comando, que abriga o Conselho de Guerra. O Conselho se resume praticamente em Coin, claro, Plutarch e sua assistente que não ousa me olhar, Fulvia, Boggs, um cara de mais ou menos quarenta anos e o braço direito da Coin, Haymitch, Enobaria, Gale Hawthorne, o primo que na verdade não é primo da Katniss, eu, e algumas pessoas as quais não conheço. Katniss também deveria pertencer ao grupo, mas ela só dá o ilustre ar de sua graça quando sente vontade. Ao que me parece hoje ela sentiu vontade.

Quando tomo meu lugar, agora ao lado de Enobaria, ela está do outro lado da mesa, sentada ao lado de Gale, com os braços cruzados e o olhar no chão. Assim que dou “oi’ à Enobaria, ela levanta os olhos para mim.

– Oi, Katniss. – digo um tanto formal demais.

– Oi, Cato. – ela responde, voltando a baixar os olhos.

Eu e Katniss já nos falamos depois de termos chegado ao 13, mas nada além de alguns cumprimentos. Ela pirou quando soube o que aconteceu ao Peeta, então não acredito que consiga manter uma conversa. A pulseira de plástico em seu braço indica sua atual condição e isso dá a ela alguma liberdade aqui. Desde que chegamos Katniss passa todos os dias vagando pelo 13 e quando raramente vem às reuniões simplesmente se levanta no meio delas e sai. Coin odeia isso, e ela está ficando impaciente. Nós somos quatro ao todo, mas no momento os únicos aptos a representarem os Tordos somos nós dois, e o único que realmente aceitou isso fui eu.

– Como está Violet? – Enobaria pergunta, me tirando dos meus pensamentos, me puxando para que eu me sente na cadeira. – Você estava com ela, não é? Notaram sua ausência no Centro Educacional.

– Eu sempre estou com ela, Enobaria. – encolho os ombros me virando para ela, apoiando um de meus cotovelos na mesa. – E ela está na mesma, imóvel e fria naquela cama...

Solto um suspiro inconformado e Enobaria põe a mão sobre meu ombro e me sacode um pouco.

– Ela vai estar aqui, logo. Eu sei que vai. Já posso até vê-la batendo de frente com Coin...

Forço um sorriso para ela, ao que Coin entra marchando na sala e dá a reunião por iniciada. Vejo que Haymitch não está presente e com razão, soube Katniss o atacou quando contaram a ela o que havia acontecido durante o massacre, toda a coisa do resgate.

– Sei que tínhamos uma reunião marcada para esta tarde, - começa Coin e eu checo meu braço exposto pela manga dobrada da camisa. 16:30 – Comando. – mas a soldado Katniss Everdeen quis vir até nós imediatamente. Podemos então saber o que quer, soldado?

Coin olha acusadora para Katniss e ela se desenrola em sua cadeira.

– Eu quero voltar ao 12.

Há um murmuro geral na mesa e a própria Coin faz uma careta de tédio e desaprovação.

– Você não tem ao menos colaborado com nossas ações, porque acha que deveríamos deixá-la ir ao distrito 12? – ela diz com ironia.

– Sem contar que seria uma operação trabalhosa e inútil. – completa o corpulento Boggs, à direita de Coin.

Começa um burburinho dos infernos e eu apenas me recosto na cadeira e fecho os olhos. Essa não é uma discussão pra mim. Eu deveria estar lá embaixo, ao lado de Violet, mas estou aqui preso numa algazarra que nunca vai se resolver.

– Se querem que eu colaborem, me deixem ir! Eu preciso voltar até o meu distrito! – ouço a voz de Katniss se sobrepor a de todos.

– Não entende o quão perigoso é?! – Coin brada da ponta da mesa. – Teríamos de montar uma força tarefa e...

– Deixem ela ir. – solto, alto o suficiente para que todos se calem. – Melhor perdermos apenas um dia, do que outro mês inteiro.

Os olhares se voltam pra mim, mas eu permaneço de braços cruzados num claro sinal de displicência. Toda vez é a mesma confusão, Katniss já havia pedido para voltar ao 12 antes, eles não concederam, ela não cooperou. Uma hora isto tem de acabar.

– Cato tem razão. – Plutarch intervém com cansaço na voz. – Talvez um giro rápido pelo 12 seja exatamente o que ela precisa para se convencer de que estamos do mesmo lado.

Levanto os olhos para Katniss e ela está me olhando com um misto de confusão e um pouco de agradecimento. Coin olha de mim para Plutarch com os lábios crispados em fúria, o restante permanece em silêncio.

– Já perdemos muito tempo, Coin, – torno a dizer, me inclinando sobre a mesa e voltando-me para ela. – não aceitei ser o Tordo para ficarmos inativos. Se Katniss precisa de incentivo, dê isso a ela.

Os olhos de Coin queimam em minha direção, assim como os outros também, mas ela acaba por se sentar novamente em sua cadeira, uma vez que se levantou diante da discussão. Ela apóia a cabeça em uma das mãos, apertando uma têmpora, enquanto pondera sobre o custo-benefício de atender ao pedido de Katniss.

– Tudo bem, Boggs, - ela chama por seu lacaio mais importante. – quero que você e o resto do Conselho programem a operação para levar Katniss ao Distrito 12. Quero uma esquadrilha de aerodeslizadores voando acima dela, todos com escudo de visão, quanto mais discretos formos, melhor. Formem um pelotão de guardas para escoltarem-na se preciso for.

Ela se levanta novamente e olha Katniss.

– Você terá seu pedido atendido, soldado Everdeen. Só espero que passe a cooperar conosco a partir de agora.

Coin se vai e alguns poucos também, todos têm suas programações para cumprir. Na sala só ficam aqueles de nós que realmente têm participação militar, a única exceção é Plutarch, mas ele provavelmente comandará parte da ação. Eu já consegui o que Katniss queria, não vejo mais nada a fazer então me levanto, mas Enobaria me puxa.

– Onde pensa que vai?

– Voltar pra onde devo estar agora, talvez. – digo, já pensando no hospital.

– Você não vai com o restante de nós? – a pergunta vem de Plutarch.

– Não vejo porque deveria ir até o Distrito 12. – respondo soando mais mal-humorado do que pretendia e dando as costas ao Comando.

Saio pelos corredores coçando a cabeça, sempre acabo saindo meio tenso das reuniões. Acabei por me esquecer de perguntar a Boggs como está a situação no 2. Faço isso sempre que o vejo, e ele tem sido paciente em me responder todas as vezes que tudo continua da mesma maneira de antes, sem nenhum avanço. No corredor do hospital encontro Finnick sendo conduzido para fora por uma enfermeira, ele tem sua corda apertada em uma das mãos e acena para mim assim que me vê.

– Onde pensa que está indo, Odair? Vai fugir? – brinco.

– Vou... – ele sussurra num tom suspeito. – Já é a terceira tentativa.

Esses momentos são raros, quando o velho Finnick está de volta. Tento a finco acreditar que um dia ele voltará a ser como antes. Por enquanto ele é apenas um cara com uma séria concussão, que anda por aí com o cabelo bagunçado, numa camisola de hospital, às vezes usa uma calça por baixo, como agora.

– Mas, falando sério, vou apenas respirar um pouco. Ficar debaixo da terra deixa qualquer um angustiado. – ele diz. – Onde estava?

– No Comando, como sempre. – digo com um suspiro. – Katniss vai voltar ao 12.

Ele ergue as sobrancelhas.

– Então ela conseguiu?

– Sob a condição de que irá cooperar depois disso. Agora saia daqui e vá tomar um pouco de sol, você está tão pálido que meus olhos estão doendo!

Eu e Finnick conseguimos rir um pouco e então ele se afasta, acompanhado pela sua enfermeira, enquanto eu me dirijo à porta de número nove. Violet continua lá. E enquanto isto acontecer eu continuarei aqui, em pé ao lado de sua cama, esperando cada segundo até que ela acorde. Ou até que ela se vá de vez. Com o pensamento o desespero me atinge e minhas mãos começam a tremer, eu não consigo suportar a ideia de perdê-la.

– Não sabe o quanto eu sinto sua falta... – murmuro agarrado à sua mão.

Mas ela não me ouve, talvez nunca volte a me ouvir. O que eu não daria para tê-la do meu lado agora, enfrentando a guerra e todo o resto comigo, como tem sido desde que estamos juntos.

Tem sido difícil, essas semanas aqui no Distrito 13. É estranho, angustiante e tudo mais de ruim contando que estamos no meio da guerra. A todo momento penso nos meus pais, em Gabe, se eles estão bem ou não. Ainda tem o peso de ser um líder da rebelião. Se ela ao menos estivesse comigo...

As horas passam e eu sei que já estamos na metade do tempo de almoço, mas eu realmente não sinto fome. Na maioria das vezes eu só saio daqui por insistência das enfermeiras, e quando a maçaneta da porta gira penso que seja uma delas, vindo para me expulsar. Mas não. A porta se abre pela metade, um passo hesitante não adentra totalmente o quarto e Katniss aparece parcialmente.

– Katniss? – chamo-a.

Seu olhar se fixa primeiro em Violet, mas se vira para mim, um tanto confusa.

– Oi, – ela diz um pouco sem jeito. – desculpe por vir...

Balanço a cabeça e me levanto.

– Não tem nada, entra.

Eu realmente tenho me esforçado para estabelecer uma relação de respeito com Katniss. Já não tenho ressentimento quanto aos nossos Jogos e ela também parece que não. Além do mais, nós trabalharemos juntos agora, é melhor nos acostumarmos um com o outro. Ela ainda não havia vindo ver Violet antes, perguntou por ela algumas vezes, mas nada tão invasivo quanto uma visita.

Katniss passa pela porta e a fecha com cuidado.

– Como é que ela ta? – ela me pergunta com os olhos novamente em Violet.

Coloco as mãos nos bolsos da calça e me aproximo da cama, encorajando-a a se aproximar também.

– Todos dizem que é questão de tempo até que ela acorde, - tento soar confiante. – até lá... Dizem que, fora o coma, está tudo ok.

Katniss balança a cabeça e se aproxima mais, eu tomo um lado da cama enquanto ela toma o outro.

– Ela é bem forte, não é? – ela diz com um sorriso mínimo. – Minha cabeça dói até hoje...

Eu solto uma risada.

– Soube que ela te acertou com um rolo.

– E me esfaqueou também.

Levanto os olhos para Katniss e vejo seus olhos em mim. Eu até me assusto quando acho que estamos ambos pensando o mesmo. Ela até hoje não havia fala comigo sobre o plano de resgate e todo o resto, mas acho que finalmente a curiosidade falou mais alto.

– Obrigada por convencer Coin a me deixar ir... – ela cruza os braços.

– Eu sei o que você ta passando, eu também quero voltar para o meu distrito. Só que no meu caso isso não é possível.

Nós ficamos em silêncio durante alguns poucos momentos, quando Katniss o quebra.

– Como aconteceu pra você? Toda a história do Tordo, o resgate... – ela parece um tanto embaraçada e aflita.

Eu indico o sofá com a cabeça e nós dois nos sentamos lado a lado, sem de fato olhar um ao outro.

– Eles não te contaram? – apoio meus cotovelos nos joelhos.

– Contaram, mas por algum motivo não consigo acreditar totalmente no que dizem.

Conto à Katniss sobre o dia em que Haymitch apareceu em meu andar no Centro de Treinamento, logo após o Desfile, digo que eu e Violet aceitamos quase que na hora e também conto sobre todos os passos do resgate, deixo escapar, inclusive, que ela não sabia de nada porque não confiavam nela o suficiente. Katniss escuta minhas palavras com atenção, enquanto fita o chão.

– Foi isso que eles me disseram.

– Porque é a verdade. – encolho os ombros. – Não tem ninguém aqui contra você, Katniss.

– A não ser Coin.

– Bem, Coin está contra todo mundo, afinal.

– Não contra você, uma vez que te escutou e lhe deu isso. – ela bate em meu comunipulso.

– Só fiz o possível para não sair dos limites e garantir um pouco de sua confiança. Acredite, não sou como um Boggs, se é isso que pensa. - acrescento um pouco irritado. - Apenas acho que ter Coin neutra é melhor do que tê-la contra mim.

Katniss não responde e se põe a cutucar uma linha solta em seu casaco. Me causa um pouco de estranhamento vê-la sem sua habitual trança.

– O que levou você a aceitar ser o Tordo?

Suspiro com a pergunta.

– Eu não ia aceitar no início, achava que era um truque, que havia um monte de lacunas no plano. Mas... Só achei que era o certo. Nós iniciamos tudo isso, as amoras, a ameaça de suicídio. Agora têm milhares de pessoas lá fora acreditando na gente, vendo sua esperança em nós. Se um dia iniciamos a fagulha, só acho que temos de no mínimo vê-la queimar, e não virar as costas. Porque você não quer aceitar ser o Tordo?

Devolvo a pergunta e observo-a comprimir os lábios.

– Eu não sei...

– Pois eu te desafio a encontrar um motivo para isso, nós já perdemos tudo o que podíamos perder.

Katniss sobe os olhos para Violet e puxa as pernas para cima do sofá, abraçando seus joelhos.

– Quando vão te levar até o 12? – pergunto tentando mudar o foco do assunto, eu realmente fico irritado com Katniss por ela enrolar tanto.

– Daqui há alguns dias... É só o prazo de recrutarem os soldados. – ela murmura. – Você vai?

Eu solto uma risada.

– Pra que eu iria?

– Não sei, - ela dá de ombros. – foi você quem os convenceu a me deixar ir. Achei que quisesse ir, sair desse subterrâneo infeliz.

– Acho que não vão querer me levar, um Tordo em perigo já é o bastante.

Katniss olha as próprias botas por um tempo, até que solta:

– Eu queria que fosse. - ela diz séria. – Acredite se quiser, mas é uma das únicas pessoas que confio aqui.

Eu sou pego totalmente de surpresa pela fala de Katniss e fico sem uma resposta por alguns momentos enquanto tento compreender que motivos a levaram a me ter como exemplo de confiança. Talvez porque estejamos no mesmo barco, como Tordos, ou como pessoas que perderam quem amam, para a Capital ou para a inconsciência. Acho que é porque nós somos iguais.

– Acho que posso tentar convencer Boggs...

Nós não sorrimos, apenas nos olhamos, sem ressentimento, dúvida, medo... Apenas a sinceridade de duas pessoas que foram arruinadas por Snow.

– O horário do almoço já ta no fim – ela me avisa. – e você está com cara de alguém que precisa de um tempo. Posso ficar com ela se quiser.

Eu me recuso a sair do lado de Violet, mas Katniss insiste e diz que também precisa de um lugar sossegado pra pensar que não seja atrás dos canos da lavanderia. Sendo assim eu saio para a sala de jantar e deixo-a encolhida no sofá, olhando Violet. Não consigo entender muito bem o que acaba de acontecer, ou como ficará minha relação com Katniss agora. Só acho que, da mesma maneira que ela confia em mim, posso confiar nela.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado, quem quiser mandar review ficarei muuito feliz e... É isso, beijos e desculpem pela demora!



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