E Se? escrita por WaalPomps


Capítulo 12
Burning like the memories of brighter days


Notas iniciais do capítulo

Tá, só 22 reviews.
Mas eu achei que tava sendo injusta com o pessoal que tá sempre aqui.
Mas o lance é o seguinte: se começar a cair o número de reviews de novo, voltaremos pra isso. E eu garanto que as coisas logo vão esquentar.



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_ Julia, pode vir aqui, por favor. – Fabinho chamou a secretária pelo telefone, e a mesma logo apareceu na porta – Você poderia, por favor, desmarcar todos os meus compromissos no período da tarde?

_ Algo errado Fabinho? – perguntou a jovem, preocupada.

_ Eu tenho coisas a resolver. – ele levantou, pegando suas coisas – Você pode ficar de olho no Érico? Ele foi grosso com um dos funcionários ontem, e a situação ficou meio delicada.

_ Claro, vou pedir para a Tina cuidar disso. Você sabe o quão cuidadosa ela é com isso. – garantiu a secretária, sentando-se na mesa novamente. Fabinho se despediu, saindo do escritório. Se despediu de todos conforme saia da agência, e pediu que Silvia levasse Kevin embora no final da tarde.

Entrou no carro, pegando as ruas lotadas e catastróficas de São Paulo. Prestava o máximo de atenção no trânsito, levando em conta que sua mente estava em outro mundo. Algum tempo depois, estacionava o carro em frente a Para Sempre, tremendo de ansiedade.

_ Com licença? – chamou a mulher que estava na recepção. Era alta, porte atlético, cabelos vivos e brilhantes, uma tatuagem enorme no braço – A Giane está?

_ Hoje ela não trabalha. – explicou a mulher, com um forte sotaque – Mas eu posso ajudá-lo?

_ Não, eu precisava apenas falar com ela. – sorriu o rapaz – Você deve ser a Charlene, não é?

_ E se bem reconheço os boatos da Casa Verde, você é o Fabinho. – ela apertou a mão do rapaz – Você e o Bento causaram furor naquela rua semana passada.

_ Nesse caso, voltarei mais vezes. – ele riu – Bom, se a Giane não está, volto outro dia.

_ É um assunto muito urgente? – questionou Charlene, parecendo curiosa.

_ É sim... Mas eu sei onde encontrá-la.

~*~

_ Danilo, fica na defesa, anda. – gritou Giane, apontando o menininho de seis anos – Marcos, você fica no ataque.

A escolinha de futebol estava cheia de crianças, a Giane e mais dois rapazes as coordenavam. Um dos rapazes estava com crianças menores, ensinando-as a chutar bola. O outro, estava com criança na faixa de dez anos, ensinando embaixadinhas. E Giane estava com um apito, sendo arbitra de um jogo amistoso das crianças de seis a oito anos.

Fabinho deixou seu carro no quarteirão de cima, para não correr o risco de ela vê-lo. Caminhou em silêncio, sentando em uma das arquibancadas velhas e quebradiças, observando tudo que acontecia no local.

Quando era criança, Gilson e Silvério haviam levado as crianças da rua aquele lugar, certa vez. Eles haviam jogado bola durante toda uma tarde, maravilhados por estarem em um campinho de verdade. Na época, o local era bem mantido e cuidado, e ali operava uma das melhores escolinhas de futebol infantil da cidade.

_ Muito bem criançada, tá na hora de irmos. – um dos rapazes encerrou o treino, chamando todas as crianças com as mãos. O time de colete comemorou a vitória, e se despediram todos de Giane, enquanto os dois rapazes as enfileiravam e faziam a contagem e chamada – Até semana que vem Giane.

_ Até Miguel. – ela se despediu, indo pegar sua mochila. Fabinho esperou que os rapazes e as crianças estivessem longe, antes de sair de onde estava e se aproximar de Giane.

_ Ora, ora, ora... Então a mocinha é professora de futebol? – perguntou com a voz risonha, assustando Giane.

_ Fabinho? O que você está fazendo aqui? – Giane colocou a mão no peito, arfando.

_ Descobrindo seu segredo. – ele riu, pegando a bola do chão – E eu realmente achei que você tinha virado uma mocinha... Que feio.

_ Cala a boca fraldinha. – rosnou ela, tentando pegar a bola dele, mas ele a ergueu no ar – Cê tá querendo apanhar é moleque?

_ Não, só zoar o fato de você ser baixinha. – riu ele, jogando a bola para ela – Mas o que é isso? Outro emprego?

_ Não, eu faço isso de trabalho voluntário. – ela explicou – Essas crianças são de uma comunidade carente aqui da cidade. Os dois rapazes, o Miguel e o Felipe, criaram um projeto de escolhinha de futebol no local aonde eles vivem, para tentar manter as crianças longe das ruas e ocupadas enquanto as mães trabalham.

_ E onde você entra nisso? – perguntou o rapaz, sentando no banco ao lado dela.

_ Bom, um dia eu apareci aqui na escolhinha no meu dia de folga. Como você sabe, eu não posso ficar jogando bola na Casa Verde, porque minha mãe... – a voz da garota morreu na garganta – Enfim, uma tarde de folga eu vim aqui, querendo ver um treino ou algo assim, e topei com eles. Eles vêm para cá todos os dias, em duas vans detonadas que conseguiram em um ferro velho. Eles reformaram o suficiente para andar e ter documentação, e as usam para trazer as crianças.

_ E nos seus dias de folga, você fica aqui com eles depois do almoço. – ela assentiu – Mas está cedo, não passa das três... Porque eles já foram?

_ Eles chegam aqui às 10h com as crianças, mas não tem dinheiro para providenciar uma alimentação adequada. Eles abrem alguns salgadinhos, daqueles que fedem a chulé, na hora do almoço. Mas as crianças não podem ficar correndo de barriga vazia, ou podem passar mal. Então eles vão embora cedo, assim elas podem comer alguma coisa, por mais simples que seja, em suas próprias casas.

_ E como eles pagam o aluguel do campinho? – Fabinho estava curioso.

_ Esse local está desativado e abandonado há anos. A escolhinha que funcionava aqui faliu tem pelo menos dez anos, e desde então, o local está as traças. – explicou Giane – Nós damos uma geral uma vez por mês, cortamos a grama... Eu acho maravilhoso o que eles fazem, e adoro ajudar nisso.

_ Realmente, é um projeto muito bonito. – concordou Fabinho – E você ainda tem a chance de jogar bola. – ela riu baixinho – Porque você esconde esse lado seu?

_ Como assim? – ela perguntou confusa.

_ Digo, isso é muito meigo e tal, e condiz com essa imagem de menininha boneca que você está tentando passar. Mas eu vi aquele dia, você ainda tem esse gênio forte e difícil, esse temperamento complicado, o jeito brigão. E pelo visto, ainda gosta muito de jogar bola. – ela assentiu de leve – Porque você não pode achar um equilíbrio entre essa pessoa delicada e essa pessoa que gosta de jogar bola?

_ É complicado demais Fabinho. – garantiu ela, colocando uma mecha do cabelo atrás da orelha – Eu não sou mais criança. Eu sou uma mulher já, e tenho que agir como tal. Não posso ficar por aí correndo atrás de bolas, com roupas largas, falando palavrão...

_ Torcendo pela droga do Corinthians. – ele alfinetou, vendo-a se enfurecer – Sabia. Você ainda torce praquele timinho.

_ Dobra a língua para falar do Timão. – bradou Giane, fazendo-o rir. Logo, ela ria também – Faz tanto tempo que não falo sobre isso com ninguém.

_ Sério? Nem com os meninos da rua? – perguntou Fabinho, e ela negou.

_ Depois que meus pais adotaram a Mayara, minha mãe quis que eu me afastasse dos meninos, para ser mais feminina, sabe? – ele assentiu – Brincar de boneca, casinha, essas coisas. Com o tempo, sei lá, eu me fechei. Nem falava mais com eles direito, nem com eles, nem com menino nenhum, porque eu tinha muita vontade de jogar bola com eles, brincar com eles de pega-pega... Aí quando cheguei à adolescência, os meninos na escola vinham com graça, e eu queria bater neles, porque eu não queria que eles me vissem assim. Mas a minha mãe e a Mayara falavam que isso não era atitude de uma dama, que era normal que os meninos quisessem alguma coisa e tal. E por fim, eu comecei a agir como alguém tímida.

_ Não consigo imaginar isso. – Fabinho debochou, levando uma ombrada.

_ E então eu conheci o Mau... Nós tínhamos 16 anos na época e bom, eu nunca tinha beijado menino nenhum. E ele era um perfeito mauricinho, que apareceu na nossa rua uma vez e já começou a me encher o saco. – o rapaz gargalhou – Mas então ele se mudou para a minha escola, começou a mudar de atitude, ser um pouco mais... Rebelde? Bom, ele tinha criado mais atitude, mais personalidade. E nós acabamos começando a conversar por insistência da minha irmã. E um dia, nos beijamos. E então, começamos a namorar e, bom...

_ E então você deixou pra trás quem você era, porque você achava que tinha que agradar seu namorado sendo uma menininha? – ela bufou, mas assentiu – Uau, que namoro legal hein?

_ E o que você entende sobre isso? – perguntou ela, arqueando a sobrancelha – Conheço bem seu tipo, seu e do Bento, aliás. Uma garota por noite, às vezes mais, as vezes a mesma por uma semana. Mas não se apegam a ninguém.

_ Engano seu, fofinha. – Fabinho suspirou – Eu me apaixonei por uma menina, lá nos Estados Unidos. Nós ficamos juntos por dois anos, pensávamos em morar juntos e casar inclusive. Mas então eu descobri que ela me traia com um amigo da faculdade.

_ Sinto muito. – Giane foi sincera, e Fabinho concordou.

_ Não sei se a culpo. – admitiu ele – Eu passava muito tempo focado nos estudos, sempre fui assim. Meu pai sempre deu tudo de mão beijada para mim e meus irmãos, mas eu sinto que preciso fazer algo para merecer isso, entende?

_ Nossa, que mudança. – os dois riram – Eu lembro de como você era, sempre achando que o mundo te devia alguma coisa.

_ Eu sei, mas depois comecei a achar que o mundo me deu mais do que eu merecia. – Fabinho puxou o cordão do seu pescoço, revelando o anel de Irene – Mas não me deu o que eu mais queria.

_ Sua mãe? – ele assentiu, virando-se para encará-la e encontrando seus olhos cheios de lágrimas.

_ Eu fiquei sabendo sobre a sua mãe, a tia Salma contou. – a garota assentiu – Eu sinto muito por ela, realmente.

_ Acho que estamos fadados a ser todos os garotos sem mãe. – ela tentou brincar – eu, Mayara, Bento, você...

_ Meu pai disse que ela o procurou semana passada. – confidenciou Fabinho, surpreendendo a amiga – Queria saber de mim, me ver...

_ E você viu ela? – perguntou Giane, recebendo uma negativa – E porque não cara?

_ Giane, eu não consigo. – ele suspirou – Não consigo pensar em encará-la, em vê-la. A ideia faz meu sangue ferver de raiva, minha cabeça borbulhar em perguntas, em questionamentos. Eu demorei tanto tempo para conseguir deixar isso para lá. – ele afundou o rosto nas mãos – Eu não sei se consigo lidar com isso.

_ Hey, olha para mim. – ela segurou o rosto dele – Lembra o que você pediu para a lua? A sua família? Então, tá aí a realização completa do pedido.

_ Mas...

_ Mas nada Fabinho. Cara, sua mãe tá querendo te encontrar, por algum motivo ela afinal criou coragem. – lembrou Giane – E eu falo como alguém que está perdendo a própria mãe... Você não vai querer um dia chegar a essa dor, sabendo que desperdiçou a chance de estar ao lado dela, pelo tempo que fosse.

_ Devo entender que com isso você diz que não se arrepende de ter jogado sua personalidade própria longe para ser o que sua mãe queria? – ele perguntou, vendo-a murchar – É pivete... Acho que estamos os dois em uma encruzilhada sem saída plausível.

_ Divergência de opiniões sobre a vida do outro. – ela riu, acompanhada dele – Que tal fazermos uma aposta?

_ Já conseguiu minha atenção. – ele sorriu largo, vendo-a se levantar e rolar a bola com o pé – Cê tá brincando?

_ Gol a gol. Quem fizer mais gols em trinta minutos, ganha. – ela sorriu – E o outro tem que acatar o conselho.

_ Você tem que estar brincando. – ele gemeu de desgosto, fazendo Giane rir.

_ Vai amarelar, fraldinha? – ela provocou, fazendo-o bufar. Ele tirou a jaqueta de couro e a gravata, abrindo a camisa e a jogando no banco. Giane se permitiu analisar o peitoral do amigo por um instante, antes de voltar sua atenção para a bola aos seus pés – Melhor tirar esse sapato de mauricinho também... Ou vai ficar com o pé ferrado.

_ Vou ficar só de cueca daqui a pouco. – ele brincou, tirando os sapatos e jogando longe – Vamos logo vai.

_ Coloca o cronômetro. – ele obedeceu, deixando o celular sobre o banco – Agora vem me pegar.

Ela era boa, mas ele havia melhorado de quando eram crianças. Havia feito escolhinha de futebol, treinado na escola, jogado na faculdade... Não era tão bom quanto a corintiana, mas dava para o gasto.

O jogo estava empatado em 19x19 quando Giane marcou o vigésimo, faltando 40 segundos. Fabinho se desesperou, vendo que ela iria marcar mais um, e fez algo improvável.

_ Me põe no chão fraldinha. – ela gritou as gargalhadas, enquanto ele passava um braço por sua cintura, erguendo-a do chão, e acertava o chute para o gol, empatando o jogo novamente. Ele rodou com ela por alguns instantes, antes de voltá-la para o chão. Ela virou de frente para ele, na intenção de estapeá-lo, mas seus olhares se cruzaram, seus rostos se aproximaram e... O celular apitou o fim do tempo, quebrando o momento e fazendo-os se afastar.

_ Empatamos. – riu ela, meio sem graça.

_ Então, acho que o justo é...

_ Os dois seguirem as sugestões um do outro. – ele concordou – Bom, você sabe a minha... Encontra a sua mãe, conversa com ela, veja o que ela tem a dizer. Mas faz isso de coração aberto.

_ E a minha é...

_ Já sei, volta a jogar futebol. – ele negou, surpreendendo-a.

_ Encontra de novo quem você é. – ele colocou a camisa e os sapatos rapidamente – Porque essa moça pode ser bonita e tudo mais, mas eu sinto falta da Giane que eu conheci.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado.
Beeeijos