A Guardian's Diary 1 escrita por Lino Linadoon


Capítulo 7
Capítulo 6 - Foi sua culpa


Notas iniciais do capítulo

Pois é! Penúltimo capítulo, minha gente! Aproveitem! :D
O começo está uma porcaria, mas mais para o final até que ficou legal. ^^'



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Pensamentos confusos giravam pela mente de Jack e a imagem do que tinha acontecido na oficina de Norte se repetia diante de seus olhos de novo e de novo. Ele ainda não acreditava que tinha feito aquilo. Mas alguma coisa tinha se soltado em sua mente, tirando dele toda a ansiedade e o medo por apenas alguns segundos. Jack desejou poder viver preso naqueles poucos segundos para toda a eternidade, mas a realidade havia o atingido logo em seguida.

Cinco anos haviam se passado, cinco anos em que a relação entre Jack e Coelhão havia melhorado consideravelmente, pelo menos se comparado à o que eles tinham antes. E agora... Jack tinha arruinado tudo.

"Porque eu tenho mania de arruinar tudo...?" Jack murmurou para si mesmo, ignorando os traços secos e gelados de lágrimas em suas bochechas. Mas ele balançou a cabeça. Não, ele não devia ficar se focando nisso. Não, ele tinha que fazer o que tinha aprendido a fazer com os Guardiões, ele tinha que arrumar aquilo.

A Toca estava aberta, o que era inesperado, especialmente depois do que tinha acontecido. Ele atravessou a passagem com cautela, sentindo nervosismo subir por sua garganta. Ao sentir o calor da Toca o envolver, Jack foi novamente lembrado do calor de Coelhão e seus pés pararam por um momento. Ele respirou fundo. Não, ele não podia deixar aquilo piorar, ele tinha que cuidar daquilo, agora.

Jack caminhou lentamente por entre as plantas e esculturas de ovos, se sentindo nervoso, se preparando para o momento em que os Ovos Sentinelas se levantariam e o chutariam para fora da Toca, mas eles não se moveram. Ele continuou andando, procurando por Coelhão, ficando cada vez mais nervoso ao não encontrá-lo em lugar algum. Onde mais Coelhão poderia estar se não em sua Toca...?

Até que ele parou.

Coelhão estava sentado perto do córrego colorido, como quando Jack tinha o encontrado pintando ovos alguns dias antes da Páscoa. A memória mexeu com o rapaz, de algum modo fazendo seu nervosismo piorar. E ele quase virou e saiu voando para longe. Quase. Ele tinha que arrumar tudo aquilo.

"Coelhão..." Jack falou baixinho, sabendo que Coelhão já sabia que ele estava ali. O Pooka não reagiu, uma de suas orelhas apenas tremeu levemente. "Eu--"

"Mais nenhuma palavra, Frostbite." Jack quase pulou ao ouvir aquelas palavras, soando mais como um rosnado do que qualquer outra coisa. Coelhão se levantou, se voltando para o rapaz, sua expressão era séria, mas era como se houvesse algo indecifrável nela. "O que diabos foi aquilo?"

Jack tentou falar alguma coisa, mas era como se as palavras tivessem se prendido em sua garganta. Ele sentiu como se estivesse sufocando por um momento, como se em baixo da água de novo. O que só piorou a situação.

"Eu sabia... Eu devia saber que você estava tramando alguma coisa!" Coelhão continuou falando uma vez que o espírito do inverno continuou calado. "Você estava esperando por um momento pra fazer alguma coisa... Você fez aquilo só pra me envergonhar na frente dos outros, não é?"

Jack se surpreendeu. É claro que Coelhão ia pensar aquele tipo de coisa! Jack não sabia se sentia triste ou irritado com aquilo, de repente se lembrando das coisas que Coelhão tinha falado sobre ele anos atrás, só para se lembrar de como o Pooka havia reagido ao descobrir que Jack tinha ajudado a fazer Jamie acreditar nele novamente.

"Não!" Ele finalmente encontrou sua voz. "Não foi ideia minha, foi da Denti ou... Do Norte!"

Coelhão bufou de modo cínico e Jack sentiu como se aquilo tivesse só o deixado mais irritado.

"Colocando a culpa na Dentiana e no Norte?" Ele sibilou por entre os dentes. "Isso é baixo até pra você, Frost!"

"Não foi isso que eu quis dizer!" O nervosismo ainda queimava dentro de Jack, mas agora raiva estava começando a se misturar com o sentimento. "Eu nem sei quem colocou aquele visco! Eu juro! Eu só estava ficando na oficina do Norte, eu nem sabia que você ia parar por lá! Eu nem queria que aquilo acontecesse!" Ao ouvir o que disse ele se sentiu mal, sabendo que aquilo não era em todo verdade. Ele queria sim beijar Coelhão, tinha sonhado com aquilo várias vezes, mas não daquele jeito!

O Guardião da Esperança cruzou os braços, as orelhas abaixando levemente, sua expressão ficando ainda mais indecifrável. Jack esperou, sem saber o que fazer ou dizer, simplesmente esperando alguma coisa.

"Porque será que eu não acredito em você?" Coelhão murmurou.

Jack não sabia como responder àquilo. A raiva borbulhando junto com o nervosismo e a tristeza ao saber que Coelhão não confiava nele, sabendo que Coelhão pelo jeito ainda o via do mesmo modo que via há cinco anos atrás.

"Tá bem! Tá bem! Então não acredita..." Ele retrucou, dando as costas para o Pooka, sem saber o que fazer no momento. Parte dele sentia que se ele voasse para longe tudo iria piorar, mas também que, caso ele ficasse ali, ele iria dizer coisas que não queria dizer, o que acabaria piorando as coisas de qualquer jeito. E pensar que tudo tinha acontecido por causa de um beijinho.

Um beijo... Coelhão realmente não gostava dele, para reagir daquele jeito...

"Vê se eu ligo..." Jack se ouviu dizendo, quase sem pensar.

Ele girou o cajado, chamando o vento frio para o calor da Toca, tentando ignorar como a tristeza estava tomando mais espaço do que a raiva.

"Jack..." Ele sentiu algo quente tocar seu braço e por um momento era como se um choque tivesse tomado seu corpo.

Jack pulou para longe, perdendo equilíbrio no ar por um momento. Ele se ajeitou antes de rolar no ar, e, com o movimento, algo escorregou do bolso de sua jaqueta. Ele se virou para ver o que era, confuso, sem se lembrar o que tinha no bolso além das lembranças que ele tinha de seus amigos.

Mas antes que ele pudesse ter uma boa olhada, uma pata felpuda pegou o objeto do chão.

"O que...?" Coelhão virou o objeto na pata e Jack notou como as sobrancelhas grossas do Pooka se apertaram, seu rosto mostrando definitiva raiva. "Isso era parte do que você estava tramando?" Ele disse por entre os dentes, virando objeto para o rapaz.

Jack quase caiu para trás novamente ao ver o que tinha caído de seu bolso, imediatamente lembrando que Cupido havia deixado algo com ele, algo que ele tinha esquecido ali. Era um frasco pequeno com um líquido rosado dentro e com uma etiqueta no gargalo tampado onde estava escrito "poção do amor".

"Não!" Jack rapidamente disse, sentiu suas bochechas ficarem frias. "Não! Isso nem é meu! É da Cupido! Ela--"

"Qual era o plano, Jack? Colocar isso em alguma bebida minha e fazer com que eu me apaixonasse por alguém, ou, eu não sei, algo, só para zoar com a minha cara, é isso?" O tom de voz de Coelhão se elevou ainda mais e Jack sentiu a raiva voltando.

"Não! Nunca!" Ele praticamente se ouviu gritando. "Você acha mesmo que eu ia fazer esse tipo de coisa? Sério mesmo?"

"Eu não sei! Não é você que adora fazer brincadeiras, meu querido?" Não havia afeto naquela palavra, assim como sempre que Coelhão a usava, ainda assim Jack sentiu um leve arrepio ao ouvir aquilo. "O que mais poderia estar querendo fazer com isso? O que mais eu posso esperar depois..." Ele parou por um momento, sua expressão mudando levemente. "Depois do que aconteceu na oficina?"

Jack parou por um momento, se lembrando novamente daquele beijo, do que tinha sentido por apenas alguns segundos em que seus lábios tinham se encontrado com os de Coelhão. E então ele se lembrou do que tinha sentido logo em seguida, quando Coelhão o empurrou para longe, com o modo como o Pooka havia reagido.

"Você pensa tão mal assim de mim?" Foi só o que ele foi capaz de dizer, sentindo todas as emoções engasgando sua garganta.

Coelhão não chegou a falar nada.

“... Vá embora daqui, Frostbite...”

Jack se voltou para o Coelhão novamente, só para vê-lo se afastando com passos lentos. O rapaz de gelo notou como as patas do outro, cerradas em punho ao lado de seu corpo pareciam tremer levemente.

"Coelhão..." Jack chamou, sem saber o que queria falar ou o que queria fazer.

“Saia daqui!” Coelhão exclamou, sem se voltar totalmente para o rapaz, apenas erguendo uma pata, como que para ter certeza de que o outro ficaria longe dele.

"Eu..." Jack sentia que devia simplesmente fazer como Coelhão tinha dito, mas ao mesmo tempo ele não queria fazer aquilo. Ele sentia como se, caso fizesse aquilo, tudo seria tão finito que a chance de qualquer coisa, até mesmo o companheirismo que tinha nascido entre ele e o outro Guardião, iria se perder completamente.

“Eu odeio você...” Coelhão murmurou, baixo, como que só para si mesmo.

Era como se aquelas palavras tivessem perfurado o peito de Jack Frost e ele se sentiu sem fôlego. Então era isso. Ele estava certo, era o fim. E, de um modo ou de outro, era como se ele estivesse preparado para tal coisa desde o começo do relacionamento entre eles. Mas, ainda assim, ele não estava nem um pouco pronto. Ele nunca estaria.

Todos os sentimentos de antes vieram a tona ao mesmo tempo, borbulhando dentro dele, queimando cada parte dele, mas principalmente o seu coração. Raiva, tristeza...

Com um movimento rápido, ele se colocou de pé e voou para fora da Toca, já se sentindo incapaz de segurar as lágrimas, e sem vontade de deixar o outro vê-lo chorar. Honestamente ele não queria mais olhar para Coelhão, não queria olhar para ninguém, nem para si mesmo. Só queria ficar sozinho...

Assim como tinha ficado sozinho por tanto tempo...

Ele quase nem notou quando flocos de neve começaram a flutuar ao redor dele.

—G–

Coelhão se sentou na beira do córrego colorido mais uma vez, o familiar cheio de menta e baunilha que acompanhava o espírito do inverno sumindo enquanto esse voava para longe.

Ele suspirou, de repente se sentindo frio, e ergueu o pequeno frasco de poção de amor. Tantas perguntas rolavam por sua mente, ele nem sabia no que focar. Porque Jack estava com uma poção do amor em seus bolsos? E porque... Ele tinha puxado Coelhão para um beijo?

Nesses últimos anos, embora os dois não tenham se visto constantemente, Jack tinha se tornado mais presente na vida de Coelhão. Ele tinha quase certeza de que podia confiar no rapaz, embora ainda caísse em alguns truques e brincadeiras; mas ele sabia que só podia culpar a si mesmo, afinal, Jack era o Guardião da Diversão. Jack raramente passava dos limites e quando ele passava ele pedia desculpas, mesmo que do jeito dele.

Mas dessa vez... Jack parecia realmente sincero ao falar que nada tinha sido sua ideia, que ele não tinha tentado fazer nada para mexer com Coelhão. Mas o Pooka não sabia no que pensar.

Porque então Jack tinha uma poção de amor em mãos e o tinha puxado para um beijo...? A não ser que... Será...?

Os pensamentos do Guardião foram interrompidos pelo som de uma voz.

"Coelhão!' Ele suspirou, reconhecendo a voz do espírito da primavera. "Coelhão! Ah, aí está você!"

"Vá embora, Bloom." Coelhão disse simplesmente, jogando a poção de lado, de modo que ficasse escondida entre as plantas. "Eu quero ficar sozinho..."

"Respeito seu momento de meditação, mas é coisa séria!" Bloom disse rapidamente, flutuando até o grande coelho. E Coelhão notou o nervosismo em seus olhos cor de rosa. "Você também é o Guardião da Primavera então tem que me ajudar!"

"O que está acontecendo?" Coelhão ficou sério, sem entender sobre o que a garota estava falando. Ainda assim, sua mente começou a processar o que estava acontecendo, e o frio que ainda o rodeava fez seu pelo se arrepiar, como que o ajudando a entender qual era o problema. Ou melhor, "quem" era o problema.

"Vem comigo e você vai ver!"

—G–

Burgress estava coberta de neve, não havia um só lugar que não estivesse encoberto por um manto branco e frio. Coelhão se abraçou ao sentir o vento forte e frio atingir-lhe o corpo, junto com milhares de flocos de neve e pedras pequenas de gelo que flutuavam no ar. E, por algum motivo, era como se eles estivessem intencionalmente se unindo para machucá-lo.

Só havia uma pessoa que podia estar por trás de tudo aquilo.

“Frostbite!” Com os dentes cerrados, Coelhão tentou andar pelos montes de neve, se afundando mais a cada passo.

Bloom voou com dificuldade à frente do Pooka, como que se quisesse o levar até o garoto, embora Coelhão já tivesse uma ideia de onde ele estaria.

“Jack Frost!” Bloom gritou para o vento que parecia ter se tornado mais forte ainda, forçando o espírito da primavera de volta ao chão. “Você prometeu que não faria nada nessa primavera!”

Não houve resposta nenhuma, o uivo do vento só ficou mais alto e mais forte. Coelhão ultrapassou Bloom, se dirigindo com dificuldade para o lago congelado. Tudo parecia familiar, uma cena pela qual já tinha passado, há muito tempo atrás. E, mesmo com os flocos de neve dificultando sua visão, o coelho enfim encontrou o jovem imortal, sentado em um galho de árvore, as mãos apoiadas no tronco e o rosto virado para este, como se tentasse escondê-lo. Coelhão não sabia como se sentia ao ver o rapaz daquele jeito, mas seu coração se apertou levemente.

“Jack Frost!” O garoto permaneceu imóvel. “Jack, pare com isso!” Coelhão tinha que elevar a voz por causa do assovio forte do vento, mas era como se Jack nem tivesse notado que não estava mais sozinho. O Pooka bufou, uma conhecida irritação se juntando ao aperto em seu peito. “Está querendo criar mais uma nevasca? Que nem a de--”

“Não foi culpa minha...” A voz baixa, levemente embargada de Jack voou junto com o vento gélido, mas Coelhão ainda conseguiu ouvir.

“O que?!”

“Aquela nevasca não foi culpa minha...”

Coelhão piscou uma ou duas vezes, sentindo como se suas pálpebras estivessem congelando. Ele não sabia como reagir àquelas palavras, principalmente depois do que tinha ouvido do rapaz algum tempo atrás. Memórias daquela velha nevasca e do modo como ele tinha se sentido ao ter a Páscoa daquele ano arruinada por Jack Frost retornaram para ele e ele franziu o cenho.

“Como assim não foi culpa sua, moleque?!” Ele tentou se aproximar, mas o vento não permitiu, o empurrando para trás, como se estivesse tentando o afastá-lo do rapaz. Suas patas estavam quase cobertas de neve a esse ponto, o que não melhorava o seu humor. “Você controla a neve! Tudo o que ela faz é culpa sua!”

“A CULPA FOI SUA!” Jack se colocou de pé sobre o galho, o vento ficando cada vez mais forte. Os olhos de Coelhão se abriram um pouco mais, mesmo com o vento, sendo capaz de notar como os olhos de Jack estavam levemente vermelhos, como se ele estivesse chorando a horas a fio. “Aquela nevasca foi culpa sua, Coelhão! Assim como essa!” E antes que o Guardião da Esperança pudesse dizer alguma coisa, Jack continuou. As palavras fluíam com facilidade, como se ele tivesse esperado anos para dizê-las. “Você sabe quantos anos eu passei sozinho? Quanto tempo passei sem ser visto por ninguém?! Muito tempo! E então eu acabei me encontrando com você! Eu fiquei te vendo as escondidas até aquele dia! Você se lembra?!”

Coelhão parou de tentar avançar, processando aquelas palavras, tentando entender, tentando lembrar...

“Aquele dia maravilhoso de Páscoa quando eu decidi ver mais de perto você escondendo os ovos!” Mais e mais a voz de Jack se tornava embrulhada enquanto as lágrimas continuavam a correr, mas seus olhos estavam duros, como se ele estivesse cansado de segurar tudo aquilo. “E então você me viu... Você me viu, Coelhão! Você nem imagina como eu fiquei feliz!" Ele sorriu, um sorriso pequeno, melancólico, com a memória. "Depois disso eu simplesmente não podia sair de perto de você, de onde acha que vinha aquela brisa gelada da qual você reclamava vez ou outra?” Ele soltou uma risada que mais soava com um choro, mas era ainda reconhecível.

Coelhão apenas encarou o rapaz levemente obscurecido pelos flocos de neve. Ele nem sabia o que dizer. Ele se lembrava bem daquilo, o cheiro de menta e baunilha que acompanhava aquela brisa que o seguia de vez em quando, e como ele se tornou acostumado com aquilo, mesmo reclamando as vezes.

“Mas...” Coelhão murmurou, tentando entender a que ponto o rapaz queria chegar. “Se você ficou assim tão feliz... Porque arruinou aquela Páscoa?!”

O sorriso de Jack sumiu com as palavras do símbolo da Páscoa.

“Por que...” O garoto voltou a se sentar, o olhar escondido pela franja de cabelos brancos. “Por que você me via... Mas ao mesmo tempo não me enxergava...”

“O que?” Coelhão perguntou e não deixou de notar que o vento tinha começado a se acalmar, mesmo que só um pouco.

“Eu tentei me aproximar de você tantas vezes, mas você nunca ligava para mim...” Jack murmurou, a voz baixa, quase difícil de ouvir com o vento. “E cada vez que eu chegava perto... Você me enxotava... Até que eu não aguentei mais...” Os flocos de neve de se tornaram maiores e o vento voltou a ficar mais forte. “Depois que você disse que não tinha tempo para mim e que para você eu não passava de um garoto irritante... Eu..." Uma pausa. Coelhão pode ouvir um soluço e seu peito se apertou. "Eu chorei...” As lágrimas tinham retornado e Coelhão notou como elas se tornavam gelo antes mesmo de rolarem pelo rosto de Jack. “E quando eu notei tinha uma nevasca ao meu redor! Quanto mais emotivo eu fico menos consigo controlar meus poderes, por isso eu não... Gosto de falar sobre meus sentimentos com os outros..."

Jack escondeu o rosto nas mãos, seus ombros tremendo, mas não de frio, nunca de frio. E Coelhão sentiu a necessidade de se aproximar, de ajudar o rapaz, mas ele se sentia congelado no lugar.

“Foi por sua culpa eu ter chorado naquele dia...” Jack murmurou, a voz abafada. “Eu não queria arruinar a sua Páscoa, mas..." Outro soluço. "Eu não consegui...” Ele não chegou a terminar.

O assovio forte do vento se intensificou e, junto com os soluços de Jack, eram os únicos sons entre o Pooka e o espírito.

Coelhão hesitou, sentindo como se sua garganta tivesse se congelado dessa vez. Ele se lembrava do que Jack dizia, se lembrava de mandar o rapaz embora, dizer para que esse o deixasse em paz. E, por um momento, ele se lembrou da expressão do rapaz ao ouvir aquilo, daqueles olhos azuis, brilhantes o encarando como se fossem feitos de vidro; e, dessa vez, Coelhão quase podia ver como o coração desse tinha se partido naquele momento.

Ele suspirou.

“Você tem razão, Jack...”

Os soluços pararam por um segundo.

“O que?” Jack levantou o olhar lentamente, como se estivesse tímido. Lágrimas congeladas brilhavam em suas bochechas azuis. Coelhão desviou o olhar, incapaz de encarar o garoto.

“A culpa foi toda minha...” Coelhão disse, fitando suas patas cobertas de neve. “Fui um grande idiota com você, garoto. Feri seus sentimentos naquele dia e hoje também...” Jack se manteve calado e Coelhão pensou no que devia dizer, não, no que queria dizer, no que precisava dizer. "Eu..."

“Não precisa falar essas coisas só para me fazer sentir melhor...” O Guardião da Esperança ergueu o olhar para o garoto no galho de árvore. Jack o encarava com seriedade, os olhos azuis novamente parecendo vidro, suas sobrancelhas estavam unidas, irritadas. “Não adianta." Ele de de ombros, como se não se importasse, embora o outro soubesse a verdade. "Eu sei que você não gosta de mim e nunca vai gostar... Você mesmo disse que me odeia...”

“ORA! Pare com esse drama todo, Jack Frost!!” Coelhão explodiu.

Jack se surpreendeu, quase caindo do galho em que estava. Ele piscou uma ou duas vezes, sem saber como reagir àquilo, então Coelhão continuou.

“Não estou falando isso só para que se sinta melhor, estou falando porque é a verdade!" Ele apontou um dedo para o rapaz. "E não ouse dizer que eu te odeio! Porque eu não te odeio!”

“Não?!” Jack pulou da árvore, deixando seu cajado de lado e se colocando frente a Coelhão, o encarando de baixo com seriedade. Seu rosto estava ainda mais azulado, e Coelhão quase podia ver as chamas brilhando por trás daqueles olhos azuis. “E aquilo que você disse na Toca?! E o modo como você agiu quando... Quando eu te beijei em baixo do visco?!”

“Como você esperava que eu reagisse naquele momento, moleque?!” Coelhão agarrou Jack pelos braços, o balançando levemente, como que para enfiar um pouco de juízo nele. Ele sentiu o rapaz ficar tenso sob suas patas e, com um suspiro, afrouxou os dedos. “Eu fiquei confuso...” E parou por um momento. Coelhão também não era do tipo que falava sobre seus sentimentos, mas ele tinha que deixar aquilo de lado naquele momento, sabia disso. Não por si mesmo, mas por Jack. O espírito apenas o encarou. “Eu não esperava nada daquilo, tudo o que eu queria era te dar era aquela escultura boba..." Ele suspirou. "... Pra mostrar pra você que realmente gosto da sua companhia, Jack.” Ele finalmente deixou que seus olhos se encontrassem com os de Jack, encontrando aqueles orbes azuis o encarando com descrença.

"Gosta...?" Jack murmurou, como se não soubesse o que aquela palavra queria dizer.

"Gosto..." Coelhão admitiu. "E não é só disso que eu gosto." Ele desviou os olhos por um momento, antes de se forçar a encarar Jack mais uma vez. “Eu sempre gostei de ver você vez ou outra admirando os ovos que eu escondia... Eu gostava daquela brisa fria, apenas não conseguia admitir para mim mesmo que gostava...”

Aos poucos, o vento gélido entre os dois foi se tornando mais fraco, até que seu assovio era quase inaudível.

“Sim, você é um grande chato quando quer ser.” Coelhão disse com um sorriso pequeno, que se alargou ao ver Jack rir levemente. “Mas eu até que gosto... Desse seu jeito irresponsável.”

Jack não sabia o que dizer, apenas continuava mantendo os olhos azuis - inchados e vermelhos - presos naqueles outros olhos incrivelmente verdes e brilhantes de Coelhão. O Pooka se sentiu um pouco sem jeito. Havia um ar estranho de adoração nos olhos de Jack, algo que parecia ao mesmo tempo similar ao modo como Sophie um dia olhou para ele, e algo completamente diferente, mais profundo.

Coelhão suspirou, se preparando para as próximas palavras que ia dizer, sabendo que era agora ou nunca...

“E-eu gosto de você, Frostbite.”

Jack podia jurar que seu coração havia parado de bater por um segundo.

“Mas eu não sei--” Coelhão continuou.

“Você quer dizer...” Jack interrompeu e se sentia de repente sem ar, ao mesmo tempo que se sentia flutuar, mesmo sem seu cajado. “Você...”

“Eu... Gosto muito de você, Jack.” Coelhão finalmente disse, e era quase possível ver o vermelho em suas bochechas em baixo do pelo cinza-azulado. Jack pareceu congelar no lugar, deixando o outro nervoso. "Muito." Ele adicionou e Jack respirou fundo. Não, ele ainda não estava pronto para dizer as palavras que queria dizer, mas aquilo, ele esperava, já devia servir para fazer o rapaz entender "Mas eu entendo se, depois de tudo e... Do que eu disse... Você não--"

Coelhão não chegou a terminar a frase. De repente seus lábios foram cobertos pelos de Jack, os braços do rapaz envolvendo seu pescoço; ele podia sentir o gosto salgado das lágrimas do rapaz e o frio do corpo desse apertando contra o seu pelo, e ele se lembrou daquele momento, tão curto como foi, na oficina de Norte. E decidiu que aquilo era o bastante. Ele envolveu a cintura fina de Jack com seus braços, o puxando para mais perto e o dando suporte.

Enquanto os dois continuavam apertados um contra o outro – Coelhão sem se importar com o frio do rapaz e Jack se deliciando com o calor do Pooka – o vento cessou, assim como os flocos de neve ao redor.

Após alguns segundos que pareceram durar anos, Jack se afastou, mas não ousou soltar o Pooka. Ele piscou os olhos como se encarasse uma miragem, se focando em dois olhos grandes e verdes. Coelhão sorriu levemente com a cara abobada do espírito do inverno.

“Isso seria um ‘eu também gosto muito de você’?” Ele perguntou.

Jack ficou calado de repente, apertando os lábios bem fechados.

"Não..." Ele disse e Coelhão piscou uma ou duas vezes. Jack desviou os olhos lacrimejantes, o rosto brilhando em um azul profundo. "É um eu te amo..." Ele finalizou, escondendo a cabeça contra o pescoço felpudo de Coelhão.

Coelhão abriu e fechou a boca. Aquelas eram palavras poderosas, ele estava honestamente surpreso com a facilidade com que o rapaz falava elas. E, pensando nas coisas que tinham acontecido entre os dois, Coelhão sentia que Jack era o mais corajoso dentre os dois. Ele suspirou, apertando o rapaz ainda mais em seus braços.

“Jack..." Ele murmurou contra o cabelo branco do pequeno Guardião. "Eu sinto muito pelo que disse antes...”

"Tá tudo bem..." O garoto suspirou, sua respiração fria fazendo o outro tremer levemente. "Eu é que tenho que pedir desculpas... Por tudo que eu fiz..."

Coelhão sentiu a necessidade de dizer que "não, ele não precisava de desculpar", mas ele sabia que Jack sabia que aquilo era uma mentira. Então tudo que ele fez foi sorrir, movendo a cabeça de modo que o permitisse apertar os lábios contra a testa de Jack. O rapaz riu levemente, se lembrando daquele beijinho no Polo Norte.

“Awww...” Uma voz chamou a atenção dos dois, os fazendo voltar para a realidade. “Olha, não querendo arruinar o momento, mas já arruinando...” Bloom acenou para o mundo ao seu redor com um olhar de expectativa.

“Ah, é... Eu sinto muito, Bloom...” Jack murmurou, afastando a cabeça do peito de Coelhão, mas sem soltá-lo, o Pooka notou. Era como se Jack tivesse medo de se afastar “Eu prometi que não faria nada e, bem... Se... Tiver algo que posso fazer para compensar...?”

Bloom parou por um instante, pensando, e aos poucos um sorriso largo iluminou seu rosto.

“Oh, acho que tem algo, sim...” Disse com uma risada.

Jack fez uma careta, lançando um olhar para Coelhão que ergueu uma sobrancelha.

“Porque eu sinto que não devia ter perguntado isso...?” O espírito do inverno murmurou.

Coelhão não conseguiu deixar de rir com as palavras do garoto. Uma risada genuína, que ele raramente ouvia sair de sua própria garganta, uma risada que, ele notou, era mais presente quando Jack Frost estava por perto. Ele apertou o focinho contra o cabelo branco do rapaz, sentindo o conhecido cheiro de menta e baunilha, e fazendo Jack sorrir.


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Notas finais do capítulo

MEU DEUS! COMO SOU DRAMÁTICO! >:U
Pois é, o próximo vai ser o ultimo então minha gente, ok? ^^