Contos de Redenção- Prólogo escrita por Tiagobm


Capítulo 4
Ossos do Ofício


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura.



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Acordei deitado numa maca em um quarto pouco iluminado por algumas velas. Quando percebi que não sabia onde estava, levantei-me rapidamente com um susto. Tentei colocar meus pensamentos em ordem, relembrar os fatos, mas senti uma irritante dor de cabeça.

Virei-me para lado e vi o homem moreno sentado preguiçosamente em um banco de madeira. Ao ver que eu tinha acordado, ele me cumprimentou com um aceno dizendo:

–Bom dia. Já está se sentindo melhor?

–O que aconteceu? Onde eu estou?

Ele pareceu preocupado:

–Não se lembra do que aconteceu? Talvez você se recorde mais tarde. Basicamente, eu estava carregando o senhor e essa sua perna infeccionada até aqui para ser tratado. Você adormeceu no caminho, agora vejo que deve ter desmaiado de exaustão. São poucas as crianças que passam por tudo isso e podem contar a história depois.

Aos poucos, as últimas memórias começaram a fazer sentido. Levantei-me com dificuldade e pus-me a observar melhor onde estava.

O cômodo se assemelhava a uma catacumba, com paredes grossas de pedra esculpida e sem o menor contato com o Sol. Mas, o lugar não chegava a me ameaçar, podia considera-lo até mesmo aconchegante. Dizem que o lar reflete o âmago da alma, e, se um dia eu pudesse construir meu próprio lar, não me importaria de morar no subterrâneo.

Terminei de vasculhar o quarto com os olhos e perguntei timidamente:

–Senhor, onde é “aqui”.

Ele sorriu pra mim dizendo:

–Vamos dar uma volta, siga-me. A propósito, pode me chamar de Heleno.
Enquanto andávamos pelo que parecia ser um enorme esconderijo subterrâneo, Heleno dizia-me sobre cada lugar que nós passávamos.

A estrutura em si era bem maior do que eu havia imaginado, mal parecia ser capaz de estar no subterrâneo: Havia uma área pra treinos de adagas, arcos e outras armas, refeitórios, uma biblioteca maior do que eu esperaria de uma irmandade de ladrões e alguns quartos que, segundo ele, eu só conheceria quando fosse mais velho.

Apesar de tudo aquilo parecer legal, mesmo sendo uma criança, eu sabia que aquelas não eram lá companhias muito boas. Essa sensação de estar em perigo me perseguiu durante todo o nosso “passeio”. Se eu havia adquirido alguma coisa nesse tempo nas ruas, foi um senso de autopreservação aguçado, qualquer coisa potencialmente perigosa me incomodava.

Interrompi o comentário animado de meu guia sobre três formas de se portar ante a um nobre. “Com classe, beleza e o dinheiro dele no seu bolso”. Falei com certo nervosismo na voz:

–Senh-Heleno, não quero parecer mal agradecido nem nada, mas, eu acho que essa história toda de roubos, mercenários... Não é bem pra mim.

Ele olhou para mim incrédulo e depois deu uma risada dizendo:

–Bobagem! Você já demonstrou aptidão nos roubos, além do mais, conosco você não passará mais fome ou frio nas ruas. Claro que será necessário que você trabalhe, mas eu tenho certeza que sua vida seria bem melhor aqui. Além do mais... Eu sei como é ficar sozinho... Aqui você poderia ter algo próximo de uma família.

Ao ouvir essa ultima parte, meu coração bateu mais forte. Esqueci rapidamente meus preconceitos sobre o grupo de Heleno. Eu queria um lugar para chamar de lar, pessoas para chamar de família.

–Uma família! Sim, eu quero isso. Então, você disse que eu vou precisar trabalhar. O que eu devo fazer? Quando eu começo?
Heleno falou rindo:

–Fique calmo rapaz! A sua animação é muito bem vinda aqui Mas, para ser de alguma utilidade para nós, você precisa aperfeiçoar suas habilidades para cumprir melhor sua função.

–E qual é a minha função?

–Hm... Digamos que você será um mestre nas artes profissionais de caráter furtivo.

Claro que eu não sabia que isso significava ladrão na época.

–Então eu quero começar a treinar. Já!

–E você vai! Mas antes você deve se adaptar à sua nova vida, conhecer pessoas, esse tipo de coisa.

Na nossa irmandade existia um número muito extenso de participantes, por isso, infelizmente, eu serei obrigado a citar apenas aqueles que mais marcaram minha memória.

Tínhamos Pheu, um especialista de armas a longo alcance como bestas, arcos e até mesmo estilingues de couro. Pheu, em geral, era um cara bem tranquilo e divertido. Mas, se você tentasse falar sobre sua família ou seu passado, a probabilidade de acordar em uma maca três dias depois não era pequena, digo isso por experiência própria.

Nosso alquimista e mestre no veneno chamava-se Sebastian. Ele tinha um temperamento um tanto quanto estressado, mas seu senso de justiça era excepcional. Nunca achei que senso de justiça combinasse bem para alguém que prepara venenos para os outros, mas, quem sou eu para julgar.

Também conheci um especialista em armas pesadas como maças, machados, espadas de duas mãos e marretas chamado Perry. E seu irmão especialista em armas leves chamado Aron.

Por mais que fossem a imagem cuspida um do outro, ambos viviam discutindo e brigando. Penso que pessoas semelhantes tem essa tendência a discutirem por verem, nos outros, seus próprios defeitos.

E por último, mas não menos importante, Lílian. Ela tinha doze anos então, por idade, era a mais próxima de mim naqueles subterrâneos. Tínhamos aula juntos e geralmente nosso aprendizado era baseado em uma competição constante para descobrir quem era o melhor “mestre furtivo”.

Sinto um estranho sentimento no peito ao me relembrar dessas memórias. Não penso que seja nostalgia, não. A nostalgia é um sentimento agradável e quente. Ao pensar neles sinto apenas acidez e dor. Mas como eu poderia relatar minha vida sem escrever sobre minha família?

No meu segundo dia, após ter conhecido minha nova casa, me dirigi à área de treino junto com Heleno. Ao chegarmos lá, vesti uma das roupas de irmandade.

Elas eram feitas de uma espécie de tecido leve e resistente com luvas e botas feitas de couro preto. A roupa se ajustava a mim como uma segunda pele e isso me deixava muito confortável.

Após estarmos preparados, Heleno começou a me explicar o que seria feito:

–Certo Seth, esse é a nossa primeira aula e, antes de começarmos a treinar qualquer coisa, você tem que dominar a habilidade mais importante de todas: a furtividade nos movimentos. Já percebi que você leva jeito para esconder sua presença e seguir os outros.

“Mas, você está muito longe do ideal, qualquer pessoa treinada pode acabar percebendo você e isso o levaria à maus lençóis. Você precisa de aperfeiçoamento. Dúvidas?”

–Não senhor.

–Ótimo. A partir de agora suas roupas serão todas iguais a essa, ou cinza se preferir. Pode parecer besteira, mas a roupa é de vital importância para nosso trabalho. Esse tipo de tecido especial permite que você tenha flexibilidade e resistência ao mesmo tempo, além das cores preta e cinza favorecerem a nossa camuflagem com o ambiente.

“Você também deve atentar ao tipo de movimento que faz, não é só porque você sabe misturar a sua passada com a de alguém que você irá fazer isso todas as vezes.”

“Dependendo da situação em que você se encontra, poderá ser necessário mudar seu tipo de movimentação. Por exemplo: Se você estiver perseguindo alguém em uma floresta você deve tentar se misturar com as sombras das árvores para se camuflar, assim como arbustos e outras partes da vegetação. Agora, se você estiver em uma cidade movimentada o melhor a fazer é usar a população a seu favor.”

Minha vida transcorreu rotineira e confortável por bastante tempo. Aprendi com eles, cresci com eles, essas pessoas moldaram meu caráter. Até hoje não vejo problema em roubar uma moeda ou outra ao passar por alguém abastado na rua.

Após os intensivos treinos de habilidades furtivas, ao completar dez anos, comecei com treinos com adaga. Eu não estava lá muito animado no dia em que começamos, havia, principalmente, nervosismo em mim.

Encontrei-me com Heleno no lugar de treino de sempre que, dessa vez estava com diversos bonecos de palha. Ao chegar, sentei-me e observei seu alongamento matinal. Após acabar, ele se virou para mim e disse:

–Seth, este é um grande dia meu jovem. A partir de hoje você começará a aprender a usar a principal arma de nossa atividade!

Olhei para o chão e resmunguei muito pouco animado:

–Ótimo, vou aprender a matar pessoas.

Heleno manteve-se quieto. Parei de brincar com meus pés e olhei em sua direção. Ele mostrava uma seriedade raramente vista. Meu mestre sustentou meu olhar e disse resignado:

–Preste muita atenção criança. Adagas são ferramentas, utensílios, podendo ser tão úteis como nossas roupas, ou habilidades naturais. Quem escolhe a finalidade para a qual a adaga será usada é você.

“Obviamente pode ser necessário utilizá-la para autodefesa, mas, quem decide a gravidade dos ferimentos é você! E, acima de tudo, eu quero que você use o que eu lhe ensinar com prudência. Você está aqui para fazer dessa adaga sua ferramenta, sua servente, e não o contrário”.

Aquela era uma visão sábia da situação, como geralmente eram as opiniões de Heleno. Pensando por aquele lado, usar uma adaga parecia quase excitante.

–Bom, agora vamos à parte prática.

Ele me deu uma adaga de cabo prateado com detalhes em vermelho e uma lâmina de aço negro com ondulações nas bordas. Sorriu paternalmente para mim enquanto dizia:

–Considere isso um presente. Agora, pegue-a e ataque um dos bonecos na forma que você achar mais fácil.

Peguei a adaga e observei-a em minha mão, era realmente muito bonita. Segurei o cabo com força permaneci alguns instantes parado, pensando na melhor forma de usar aquela arma. Optei por fazer o que me parecia mais lógico, usar a ponta da arma para perfurar.

Corri em direção ao boneco e perfurei sua barriga com a ponta da adaga. Logo após ser atingido, a palha saiu aos poucos pelo furo no boneco.
Heleno presenteou-me com um olhar de desaprovação e disse de forma dura:

–Não, não e não. Você segura a adaga como se ela fosse uma faca de pão. Deve-se segurar o cabo de uma forma mais angular e com menos força, assim os movimentos ficarão mais fáceis e rápidos, pense nela como uma extensão de seu braço.

“Além disso, a menos que você tenha conhecimento dos pontos vitais de uma pessoa e queira matá-la, você não deve perfurar e sim cortar. Passe a lamina com as laterais e não a ponta, assim a área de contato é maior.”

“É para isso que servem as ondulações, para quando você passar a faca o corte seja mais profundo. Além do mais, assim você pode realizar mais movimentos em menos tempo!”

Tentei novamente seguindo as instruções de Heleno, e, dessa vez, a palha saiu em muito mais quantidade. Fiquei feliz, mas Heleno ainda não estava satisfeito:

–Geralmente, quando precisamos nos defender de um inimigo, nós atacamos primeiro as pernas para dificultar a locomoção do oponente e, com nossas malhas rápidas, termos menos trabalho em desviar ou fugir.

“Espadachins atacam no peito, não ladrões. Obviamente, se você estiver nas costas de um inimigo, pode-se atacar o pescoço. Reze para nunca ter que fazer isso, não é algo bonito de se ver.”

Absorvia as informações com a avidez com que uma esponja absorve a água. Descobri que havia em mim um gosto por descobrir coisas novas, sejam elas quais fossem.

Foi nesse ritmo de treino que segui os dois anos seguintes, que, posso dizer com certeza, que foram os melhores de minha vida.

Recebi treinos exaustivos, exercícios demorados e aulas maçantes. Mas, também ri com meus mentores, me diverti com Lílian e aprendi a ser o mais próximo do que eu poderia ser de um bom homem com Heleno.

Tive aulas de treino com arco, conhecimento e utilização de venenos em geral, posturas de combate, leitura de runas mágicas, movimento furtivo e perícia com adagas.

Aos doze anos de idade, eu estava apto para representar a irmandade em nossas tarefas. Naquela hora começava minha nova vida, e ela prometia muito.
Ao menos eu achava que prometia...


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Notas finais do capítulo

Peço perdão pelos possíveis erros de português, não tive muito tempo para revisar. ^^'



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