Poxa vida, chegou o dia!

Quantas vezes eu disse que nunca me casaria?

Quanto nojo eu sentia quando alguém falava de um simples beijo. Eca!

E agora eu estava aqui, diante do vestido que o próprio João Miguel escolheu pra mim. Vestida exatamente da forma que ele imaginou. Emocionada de pensar que esse tecido suave já tenha sido tocado por ele e que ele o escolheu para me receber como sua esposa.

Sua esposa. Eu ainda não posso acreditar que ele vai se casar comigo. Por quê? Se a Estefânia é linda e inteligente, a esposa perfeita para João Miguel São Romão, o médico de loucos. Às vezes eu acho que ele é como seus pacientes, com uns parafusinhos a menos, porque deixou a elegante Estefania pra ficar comigo.

Ainda continuo pensando que tudo não passa de uma brincadeira sem graça, que a qualquer momento vou descobrir que João Miguel está debochando de mim. Ou talvez ele tenha me escolhido por que acha que sou maluca também. Penso isso por que ele cuida tão bem de mim e me dá carinho e atenção. Mas como ele vai ser feliz comigo? Uma órfã que ele acolheu e ainda deu a sua palavra ao Juiz Velarde que seria o meu “emendador”. Será que ele fez isso por que teve pena de mim? Eu não poderia suportar isso. Seria melhor voltar a viver com a Candelária e esquecer ele de uma vez. Lá eu me sinto eu mesma, com os meus amigos de sempre, iguais a mim. Mas eu confio tanto nele que não poderia deixá-lo. Não quando ele diz que quer se casar comigo. Comigo. Malú. Maria de Jesus. Aquela que mentiu pra ele pra se safar da cadeia; que quebrou os vidros da casa do Juiz a pedradas e que esteve no maior apuro com a policia só por ter roubado alguns litrinhos de leite para dar às criancinhas com fome do orfanato onde cresci. Sem sobrenome, sem família. Não pode ser. Ele deve estar mesmo mal da cachola. Imagina que com tantos loucos pra cuidar ele parece que ficou abobado também.

Mas ele disse que gosta de mim. Até me tascou um beijo na boca quando eu disse que o amava naquela noite que eu voltei pra casa dele depois de ser humilhada, acusada de ladra e expulsa da casa dos Velarde. Ele me defendeu, me ouviu, acreditou em mim... Ele é muito bondoso comigo. Depois desse dia ele vive me beijando e eu gosto muito. Nunca pensei que existisse um homem como o João Miguel. Antes dele eu achava que só o padre Anselmo era confiável. Para mim todos os outros eram cretinos. Como aquele que me fez mal no passado. Abusou da minha inocência e até hoje me faz sofrer com aqueles pesadelos horríveis.

Mas o João Miguel é diferente por que ele não me obriga a nada. Me trata com carinho e me respeita. Ele me beija, mas é com cuidado, tanto que eu sinto uma coisa bem estranha aqui dentro. Sinto medo, quero correr, mas também quero ficar. Sempre quero que ele faça de novo e nunca é o bastante. Será que esses médicos que cuidam dos doentes da cabeça fazem algum feitiço pra gente ficar assim caidinha por eles? Sim, por que com ele é diferente. O Adriano quis me beijar um dia desses e eu dei uns tapas naquele abusado. Não gostei nadinha. Com o João Miguel não é assim! Ele se aproxima e eu já quero fechar os olhos pra ele me beijar. E, além disso, o cheiro que vem dele é tão bom, tão doce, até parece que ele é feito de mel. Bom, ao menos os olhos dele acho que são por que são amarelinhos... e tem mais, quando me olham me provocam uns arrepios bem esquisitos. E quando ele sorri jogando a boquinha pro lado? Morro de vontade de correr pra ela! Ta vendo? Ele deve ser mesmo um feiticeiro e dos bons. Não aquele que balança um troço na cara da gente. Esse não. O feitiço dele é nos olhos. Por que toda vez que ele me olha daquele jeito eu sinto um frio no estomago. Mas o que eu sei é que eu to gostando disso e vou me casar com ele. Não quero que aquela Estefânia volte a tirar ele de mim. Ah não, minha filha, isso não! Será que ela sente a mesma coisa por ele? Será que ele a enfeitiçou também? Tomara que não por que esse negócio é muito forte e ela não vai desistir dele fácil. Mas eu já sei o que fazer. Eu também tenho olhos, ora! Toda vez que ver ele vou olhar pra ele do mesmo jeito que ele me olha. Se funcionar ele vai ficar amarradinho em mim como eu tô por ele.

Eu vou abraçar muito ele e... acho que quero ficar sozinha com ele, mais fico pensando se ele vai me obrigar a fazer coisas que eu não queira como aquele filho da mãe fez comigo quando eu era bem novinha e não sentia essas coisas por ninguém.

Bom, mas o João Miguel não é assim. Ele é como um anjinho loiro que cuida de mim e nunca vai me machucar, sei que não. Nunquinha. Então quando ele estiver casado comigo vou dar muitos beijinhos naquela boquinha. Não tem problema eu tirar proveito disso né? Por que ele parece um anjo mais vai ser meu marido e acho que ele gosta um bocado de me beijar também.

Ai meu Deus, tô com tanto medo... Também tô muito nervosa e quero chegar logo na igreja por que o João Miguel vai estar lá me esperando como nas historias de princesa que as crianças gostam de ouvir. Eu achava que essas coisas não existiam, mas parece que ele saiu de um livro de conto de fadas por que lá os mocinhos são sempre tão bonitos e o João Miguel é... como um príncipe. O meu príncipe!

Por isso eu preciso estar bem bonita pra entrar na igreja como uma princesa.

Por que hoje vou ser... a princesa do João Miguel. Com todo mundo olhando ele lá segurando a minha mão e me olhando daquele jeito de cãozinho abandonado. Que coisa... isso mexe muito comigo! Até parece que ele é que é órfão com aquela carinha de pidão. Igual ao meu cachorrinho “kilate” quando tá com muita fome. Sinto uma vontade louca de cuidar dele e dar tudo que ele quer. Pena que não posso dar nada a ele. Por que ele é tão rico e já tem tudo e é lindo!

Sem contar que vai me dar seu sobrenome. São Romão. Maria de Jesus São Romão. Que estranho, né? Sempre fui Maria de Jesus de ninguém e agora isso. Quem dá o sobrenome são os pais e eu não quero que ele seja meu pai por que tenho alguns pensamentos e... Não! Pra falar a verdade não é nada estranho, é muito bonito isso que ele quer fazer comigo. Se bem que o que eu queria era que ele passasse a se chamar João Miguel São Romão de Maria de Jesus. Aí sim, seria bem legal. Mas ele não me perguntou nada e só disse que eu ia me chamar desse ai que eu falei. Poxa, eu nunca dei nada pra ele. Uma vez eu dei umas rosas do jardim da dona Cecília, mas acho que isso não conta. Eu queria dar uma coisa bem importante pra ele sempre lembrar de mim. Como eu lembro dele... me beijando... me abraçando...Bom, se meus beijos fizessem ele se lembrar de mim eu poderia dar todos pra ele. Toda vez que ele pedisse!

Nossa! Caramba, tô muito atrasada.

“Espera aí João Miguel, que eu tô chegando e você vai me achar lindona nesse vestido".