A Question escrita por Lacking World


Capítulo 8
Shame and Boldness


Notas iniciais do capítulo

"Das profundezas dos papéis, relatórios e provas, uma mão brota. Pequena e avermelhada, assada por causa do sabonete barato da escola, a mão se retorce e a palma força os papéis para baixo, puxando o resto do corpo para cima. Surge um braço, com o cotovelo raspado pelo asfalto, seguido por um rosto abaixado. Lentamente, o rosto é mostrado. É avermelhado por causa do sol, com aparência desleixada, e marcado por olheiras.
Os olhos arregalados e avermelhados pela falta de sono alevantam, fitando a tela do computador. As pupilas, pequeninas, dilatam rapidamente. Os lábios secos e quebrados se retorcem, murmurando algo em silêncio.
O murmuro aumenta, revelando ser uma risada engasgada, praticamente tossida. Um sorriso enorme e sinistro toma conta de seu rosto. E como se algo arranhasse sua garganta por dentro, seu urro sai rouco e estridente.
Nos últimos segundos antes que chegasse até o aparelho indefeso, um berro escoou pelas paredes.
—Ryuko la Satsuki!- a criatura berrava."



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Toda perversidade é não obstante pequena para a perversidade de uma mulher. O que é a mulher além de um inimigo da amizade, uma punição inescapável, um mal necessário, uma tentação natural, uma calamidade, um delicioso dano, um mal da natureza pintado em belas cores! Vil e danosa.” In:Malleus Maleficarum, 1486 – Kramer e Sprenger.

~

Era apenas um reles toque entre os lábios, um selinho silencioso e calmo que durou, quem sabe, menos de um minuto. Com certeza não era algo enlouquecedor ou selvagem, mas reconfortante e agradável era a estranha onda de calor e vigor, uma sensação prazerosa, que assolou o corpo de Black Rock Shooter por inteiro, e se instalou no vazio em seu peito, acabando, naquele momento, com os resquícios da frieza e dureza que, com mão-de-ferro, controlavam seu imo. Foi suficiente para que a imensidão e as preocupações se retirassem do centro das atenções, sendo único e exclusivamente ocupado por Dead Master e o contato nunca tão intimo que estavam as duas garotas tendo. Seu coração que sempre batia fraco e compassadamente se fortalecia e acelerava, mas ela não temia a mudança do ritmo, que antes sinalizava que seu corpo estava enfraquecido e se esforçando demais, e agora, sentia como se tivesse chegado ao nirvana. Os músculos relaxavam e a dor desaparecia, e sua mente vagava, dopada pelo sabor dos lábios e do hálito gelado. Mesmo desligada do resto do mundo, a guerreira ainda tinha consciência de que ainda não era suficiente para satisfazer si mesma, louca para explorar além dos lábios frios e deleitar-se com o gosto e a maciez e com a sensação que saboreava.

Tão centrada estava em sua fantasia que entonteceu quando sentiu os lábios da outra se afastarem com rapidez, trazendo sua mente de volta para a terra firme. Ríspidas e ligeiras, as correntes abandonaram Black Rock Shooter, e deixaram-na cair de supetão contra a terra escura, começando pelas costas, cabeça e braços, seguido pelo resto do corpo. E ficou lá, estática e caída no chão frígido e rochoso. O arrepio que percorreu sua espinha ao ter o calor do beijo largando-a e sendo substituído pelo frio do ambiente fê-la abrir os olhos, sentar-se e acordou-a para organizar melhor seus pensamentos.

Dead Master fitava Black Rock Shooter com o cenho franzido, o choque estampado no rosto junto com uma dúbia mistura de dúvida e raiva, e claro, surpresa pelo atrevimento da caída, mas bem no fundo de seus olhos refletiam algo a mais, algo que há muito tempo ela não sentia, algo que havia sido acordado pelo ósculo. O desejo. A vontade de tomar para si o corpo esguio e pequeno da garota. A cobiça de macular e brincar com a boneca. A curiosidade pelo gosto e reações que provocaria na inexpressiva criatura, que só com um beijo tão inocente, já estava com a temperatura corporal maior e atordoada. O orgulho e a ostentação que teria por dominar a, pelo menos até algumas lutas atrás, mais poderosa “outro lado”. A superioridade que aspiraria pela ousadia de ter seduzido a guerreira. A satisfação de poder colocar toda a força e raiva na criatura machucada, de poder tortura-la à vontade. O prazer que teria ao saborear a carne macia e sentir mais profundamente a essência da jovem. A pretensão de tornar aquele ato puro numa depravação sem limites. Por que não? O que ela estava prestes a fazer não seria muito diferente de uma punição, uma tortura para a outra. Sim, seria uma experiência no mínimo interessante tragar-se com além dos beiços de Black.

A dor dos apertos das correntes ia se esvaindo enquanto o oxigênio parecia voltar para os seus pulmões, seu cérebro retornava a funcionar corretamente e o juízo vinha a toda polpa para socar seu subconsciente por ser tão imprudente. Armado com a memória do que a guerreira tinha acabado de fazer com a ceifadora, o juízo perfurou sua mente, tomada pela consternação e a vergonha. Como teve a coragem de agir dessa maneira? As pontas dos dedos da mão em que a cabeça estava apoiada pressionavam com força sua testa, num reflexo, uma autopunição. Não conseguia encarar a outra guria, e já podia até imaginar que logo uma foice desceria em direção ao seu pescoço. Ela merecia um fim por esse arrojo e pelo desleixo nessa peleja, quem sabe fosse até melhor assim, de forma rápida e indolor, e nas mãos de sua maior rival (ou algo a mais). Era irônico, afinal, ter sua vida ceifada por “Dead Master”, mesmo que tecnicamente, ela não fosse, até onde ela sabia, A Morte em pessoa. Seria mais honrado do que morrer numa batalha, covarde do jeito que estava, onde teria que suportar dores incessantes e lentas, nas mãos das “outro lado” inexperientes e desonradas, apesar de ser isso o que ela acreditava que merecesse. Não fazia jus a ter o capricho que desejava.

Despertou da sua reflexão quando os pés de Dead Master entraram em seu campo de visão, próximos. Engoliu a saliva e o receio, e fixou o olhar na adversária, cujos olhos baixaram e a analisavam da cabeça aos pés. Logo, Black viu a expressão de pasmo da garota se transformar na costumeira feição que fazia quando alguma barbárie passava em sua mente. A sádica e cruel.

Black desviou o olhar para o baixo. A foice estava nas mãos, à disposição. Submissa, assentiu, baixou a cabeça, e fechou os olhos novamente, esperando o golpe que finalizaria sua existência naquele mundo e a deixaria à mercê do desconhecido. Ouviu a risada, baixa e murmurada, espirada como ar, da garganta de Dead. Automaticamente, as mãos enluvadas agarram-se ao chão, guardando alguns pedregulhos com angústia, como uma mãe que protege o filho dos perigos, conservando os pedaços que eram parte de seu nome e pertenciam àquele mundo. Era agora.

Um momento de silêncio se passou. A escuridão cessou um pouco, ainda restavam as nuvens meio escurecidas, que acinzentavam quando passavam na frente da enorme Lua, e voltavam a escurecer quando se afastavam, e o “agora” que estava demorando demais para chegar. Black, confusa, levantou os olhos, um tanto arregalados, para a outra. O escárnio era visível no rosto meio iluminado da rival, e num deboche, a risada aumentou, tornando-se uma gargalhada. Séria, a guerreira olhava a ceifadora, incomodada por ter virado uma fonte de chacota, aguardando a gargalhada terminar, e de novo, permitiu que a escuridão voltasse para a sua visão.

Sentiu dedos gelados apanhando seu queixo, despertando-a. Uma garra roçava seus lábios, levemente, contudo capaz de fazer a guerreira respirar com mais aflição e a batida do coração apressar. Dead Master estava à sua frente, ajoelhada no espaço que restava entre suas pernas abertas. Primeiramente, o espanto tomou conta de Black Rock Shooter, tanto por não ter percebido a movimentação, tanto pela aproximação da adversária. Porém, ao cravar o olhar com a outra, percebeu algo que não havia notado antes nos olhos da jovem, no jeito que agia, no sorriso, nas suas expressões. Algo estava errado, a fúria e ódio não estavam mais lá. Havia atrocidade em toda essência dela, contudo, havia ainda algo incógnito e estranho. Era mais psicótico e insano, como se a rival estivesse prestes a fazer a pior truculência, ou pior ainda, esse sim é o exemplo perfeito para expressar o que Black quer dizer: como se Dead Master fosse um animal faminto na frente da presa capturada e pronta para ser devorada. Subitamente Black Rock Shooter abriu bem os olhos quando percebeu que tal presa podia ser ela mesma.

O instinto dominou-a e tentou se afastar, todavia Dead Master foi mais veloz, sabendo da intenção da jovem de escapar, chamou suas correntes, que enlaçaram os pulsos de Black, levando-os acima da cabeça; com um braço, enlaçou cintura da rival e, com a mão que antes acariciava os lábios, agarrou-lhe o rosto antes que a garota pudesse sair de perto dela. Os cabos metálicos apertavam com força os pulsos e as unhas arranhavam a cintura numa profundidade suficiente para que pequenos cursos de sangue escuro nascessem e descessem ao longo de sua figura. Foi o bastante para tensionar os músculos e prover o surgimento da vontade de lutar e de sobreviver na guerreira, que procurava, com os olhos, por todos os lados, a sua espada. Sem a arma à vista, provavelmente levada pelas serpentes de metal, e com a pressão contra si maior, voltou a encarar Dead Master. A firmeza em seus olhos passava uma mensagem silenciosa para a perversidade dos olhos da outra, algo como “Perdeu sua chance, perdi a vontade de sumir”.

Ao receber essa resposta, a ceifadora perfurou um pouco mais a fundo o canal onde descia o fluxo de sangue da cintura machucada, causando, num impulso de dor, que a presa encrespasse, as costas curvadas arqueassem para frente e que ela desse uma tragada intensa por ar. O sorriso intimidante de Dead aumentou ao ver essas reações, deveras satisfatórias e estimulantes. Lenta e sem pressa, retirou, um por um, os dedos, e levou-os à boca, e deslizando a língua vermelho-escura, quase bordô, limpou-os e bebeu o líquido negro e ferroso.

Imóvel e perplexa, Black assistia a limpeza que a outra fazia. Era assustadora essa sede, no sentido literal, por sangue que Dead tinha. Pensando bem, tudo nela era terrífico e ameaçador, um pesadelo para os do “outro mundo”. Contudo de certa forma todas aquelas ações, rápidas, ansiosas, e meio primitivas, seduziam-na e acendiam uma chama em seus nervos sensíveis. No subconsciente, uma parte dela, a mais racional, dizia em tom bravo e forte para se afastar daquela súcubo e acabasse de uma vez com aquela novela ridícula e impensável. Ao mesmo tempo, a outra parte, a mesma que a manipulou para que osculasse, sussurrava baixinho, num tom rouco e malicioso que nunca pensou que teria, para que ficasse e aproveitasse e dizia o que, segundo ela, era a mais “pura” verdade: que Black queria sentir mais o toque bestial e árduo de Dead Master, que apreciava aquele perigo, que deveria parar de usar essa máscara de ser inabalável e deixar-se levar pela luxúria.

Era claro que a guerreira planejava seguir a ordem da primeira voz, mas quando presenciou de novo o rosto da adversária bem próximo do seu, de ter as unhas e dedos afagando suas bochechas arranhadas; de sentir aquela respiração fraca como um vapor de água gelada e aquele hálito refrescante contra sua pele; de cheirar aquele aroma embriagador; e ter aqueles olhos demoníacos, com íris finas como anéis, fixados aos seus, a racionalidade tornou-se inútil e desinteressante, vencida pela parte atrevida da guerreira. Tal parte urrou de glória quando Dead, lambendo os próprios beiços, puxou para baixo o queixo de Black, abrindo a boca da mesma, e por fim, selou os lábios da rival.

A primeira conquista foi a da boca, invadida pela língua da ceifadora, que explorava todos os cantos e a abusava da língua desacostumada da guerreira, que de pouco em pouco, se habituava ao ritmo frenético e deixava de ser oprimida. Suspiros e às vezes até gemidos baixos escapavam da garganta da amarrada e eram abafados. Podiam ser mais altos, dependendo do que a dominante fazia e se a mesma permitia que recuperassem o oxigênio, reforçando sua voz outra vez.

A mão que antes estava no queixo agora estava sobre a clavícula, prestes a chegar aos seios e a outra pousava nas costas, no meio da coluna, querendo arrancar aquela capa. Separou as bocas, finalizando o beijo com uma mordidinha nos beiços de Black, puxando-os de leve, instigando-a. O sorriso reapareceu quando a presa se aproximou, hipnotizada e com tanta cobiça quanto ela, tentando unir as bocas novamente, esfomeada por mais contato, pelo sabor. Mas Dead não deixou, queria se livrar daqueles trapos que tanto atrapalhavam antes de tudo.

~

Quando abriu os olhos devagar, meio zonza, o céu já havia clareado. A luz machucava a pupila, que estava acostumada com a penumbra. De imediato, Black Rock Shooter cobriu os olhos azul-escuros com a mão pálida e descoberta. O gesto doeu um pouco, pois seu pulso ainda não havia se recuperado totalmente e estava com marcas arroxeadas. Enquanto esperava sua visão voltar ao normal, virou o rosto para o lado onde ela havia se deitado, praticamente se jogado, para recuperar o fôlego. Foi a última visão que teve antes de cair num sono sem sonhos, pois se sentia satisfeita na hora.

Ela não estava mais lá. Estava só de novo.

Prontamente, passou lenta e repetidamente a mão sobre a nova cicatriz em sua clavícula e pensava no momento interior. Ela guardaria aquela memória com muito acalanto, sem dar atenção à vergonha, buscando preservar tudo o que podia, os olhares, os sorrisos, os sussurros, os gemidos. Lembrava-se daquela pele branquinha se esfregando na sua e no chão, se aquecendo. O rosto dela pairando sobre o seu, com a franja e as mechas balançando, tocando seu queixo e a sua testa. Dos estigmas que foram remarcados num castigo. Das suas mãos em concha agarrando os ombros dela, emaranhando os cabelos dela, apertando as costas dela. Dos corações que batiam tão rápido e fortemente que só faltavam saltar para fora. Dos atos selvagens e libertinos. Daquele prazer e as sensações que nunca havia experimentado antes e que eram indescritíveis, mesclados ou não à dor. Da incapacidade de acreditar na afoiteza delas. Do medo que alguém aparecesse e aquele momento acabasse. Da dor aguda perto de seu ventre, lá embaixo, diferente de qualquer uma.

Quando a luz já não a incomodava mais descobriu os olhos, mas continuou a afagar a nova cicatriz mais um pouco. O sinal ia da clavícula e encurvava, indo em direção ao seio direto, parando no início da inclinação. A sensação do primeiro beijo ainda esquentava seu peito por dentro, porém o frio estava voltando a assombrar. Levantou-se e foi até as roupas caídas, vagarosa e meio dolorida, ignorando a dor que piorava quando se agachava para recolher as peças e quando as vestia. Vestida, deu uma procurada pelo cenário, em busca de sua arma, que deveria estar por perto. Contudo, não havia mais nada ao redor dali além de escombros. Ela deve ter levado sua espada também. Teria de recupera-la, e dar o troco.

Voltou ao ponto de partida, dando uma última olhada ao chão onde tudo havia acontecido. Aquele chão estava manchado de sangue. Com o seu sangue.

Deu meia volta, e foi em direção ao lugar que presumia que a ela estivesse, com pensamentos ambiciosos na cabeça.


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Notas finais do capítulo

E aí meu povo?! Voltei dos mortos e trouxe esse presentinho pra vocês ~Escapando de motosserras~
Desculpe o atraso, esse ano está sendo bem surpreendente, pode-se dizer. Coisas que não esperava que acontecessem estão acontecendo, e ainda é meio difícil lidar com elas. Por exemplo: O Forninho caiu e a Juliana ainda está desmaiada U-U.
Deixando minha vida de lado, vamos falar de coisa boa! Ou não, dependendo do que acharam, né? Bem, sendo sincera, minha experiência em relação à contato físico é praticamente 0%, então talvez esse capítulo tenha forçado demais. Espero que compreendam e peço desculpas por tudo isso.
Mas de qualquer forma, obrigada por lerem até o fim. Que Satsuki-sama esteja com vocês e proteja-lhes das zinimigas.
See U & Kisses



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