O suor que descia pela testa devagar, indo parar nas macias maçãs do rosto, não era frio como a personalidade dela. Fazia tempos que ela não corria nem batalhava desse jeito, determinada. Mas não havia porque se acovardar, sua experiência em combate era espetacular (pode perguntar a qualquer moradora desse mundo) e as atuais adversárias não tinha chance, já que eram apenas dois bonecos criados para ganhar tempo. Mas ainda tinha dúvidas acerca da origem do raro sentimento, o medo. O fato de duas caveiras voadoras enormes, controladas por Dead Master, estarem vindo como dois animais em busca da caça, ela, e loucas para corta-la e transforma-la, usando as enormes mandíbulas, num monte de carne irreconhecível; ou o fato que não conseguia manter-se diante da ceifadora. Por que a garota estava se sentindo assim? Qual era a razão estúpida dessa vez? De onde surgiu esse aperto assassino no peito, que enforcava o coração? Por que suas pernas chacoalhavam e tremiam quando seu olhar era preso pelos olhos verdes? Haviam rogado uma maldição nela? Ou na pior das hipóteses, Dead Master estava confundindo seu cérebro de alguma maneira para encurrala-la com o controle mental?

Quando se deu conta, as caveiras estavam a poucos metros, os dois pares de luz verdes ficavam cada vez maiores, como faróis de carros vindos velozmente para cima de um pobre pedestre desavisado. O som das rochas do chão quebrando-se, devido ao arrastão dos ossos, era alto e bem alarmante, a ponto de causar arrepios e paralisar as pernas de quem não estivesse preparado. Faltavam poucos segundos para que se esbarrassem, as mandíbulas estavam bem abertas, mostrando os dentes grandes e grossos, prontinhos para partir em vários pedaços e amassar o pequeno corpo da garota. Quando estavam a apenas o tamanho de uma régua escolar de distância, Black saltou para frente em direção ao chão, escorregando, raspando a pele das costas e da parte superior das coxas na rocha fria e dura, arranhando-a e fazendo que os filetes escuros de sangue começassem a descer. Em frações de segundos, estava abaixo das caveiras, pegando-as com força nas bordas dos buracos que haviam abaixo das mandíbulas. Antes que os crânios pudessem reagir e recuperar-se do susto, Black já estava usando toda a força que havia nos seus braços para movê-los um na direção do outro.

Os crânios eram colididos um contra o outro, destruindo-se. Os restos que caíam sem parar tornavam-se pó diante do semblante sério e indiferente da guerreira, que não demonstrava nenhuma piedade diante dos gritos roucos e desesperados, e somente continuava a mover seus braços com cada vez mais força.

Os olhos de Dead Master arregalaram-se, e seu sorriso aumentou mais ainda, deixando os dentes brancos e quadrados à mostra. Risos eram sufocados pela sua garganta, não queria acabar com o espetáculo e distrair Black. A forma como a guerreira estava dando um fim nas suas escravas era cruel, desumana, atroz, sádica, mas ainda assim, para os olhos da ceifadora, sublime. Sim, essa era Black Rock Shooter, nobre e majestosa, uma verdadeira máquina para matar. Porém, o sentimento de satisfação fora uma alegria momentânea, sendo dominado pela seriedade após analisar a situação. A luta fora suficiente para que pensamentos clareassem sua mente. Black havia mudado e a tratava diferente, não como uma rival, inimiga, adversária, e lutadora, mas como algo diferente de qualquer “outro lado” desse mundo.

O silêncio voltou a reinar, pelo menos por hora, Black teria um pouco de descanso, levaria tempo para as cinzas se reagruparem e formarem os crânios novamente. Contudo, quando foi tirar o suor de sua testa com a mão, uma corrente, negra, grossa e pequena envolveu seu pulso até a metade de seu braço, apertando-o. Virou-se para a origem da corrente, poucos metros separavam-na de Dead, que não ostentava seu natural e costumeiro sorriso sádico, e sim, uma expressão severa e desapontada.

Black Rock Shooter não se movia, seus olhos estavam presos aos olhos verde-âmbar de Dead Master. A mesma comprimia sua foice ao redor dos dedos com energia e mordia os próprios lábios com raiva. Por que Black não contra-atacava, mesmo com a corrente quase quebrando o braço dela? Como ela a via agora? Frágil? Fraca? Insuficientemente forte para lutar com ela? Afinal, o que ela despertava na guerreira a sua frente, a ponto de fazê-la recear na hora de atacar? Seria arrogância? Insegurança? Medo?

Antes ela queria saber as respostas apenas por curiosidade, mas agora, sentia ansiedade, ou melhor, raiva e desespero para saber por que a guerreira fazia isso apenas com ela.