O Pacto do Sigilo escrita por Murilo Wendler


Capítulo 6
Nada a Esconder




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Sábado Murilo acordou e se lembrou o que era aquele dia.

– Um ano. Faz um ano desde que tudo aconteceu. – Ainda deitado, pegou seu celular e mandou mensagem para Thiago, Thais e Yasmin.

Levantou, lavou o rosto e foi tomar o café da manhã em silêncio com seus pais.

– Vou andar pela cidade. – Disse quebrando o silêncio.

– E os estudos? – Perguntou o pai. – O vestibular vai ser daqui a duas semanas.

Murilo deu de ombros.

– Você tem que passar em uma boa faculdade, Murilo. – Disse sua mãe autoritária.

– E se eu não passar? Tento ano que vem. – Antes que sua mãe começasse a falar, Murilo se levantou e voltou para o quarto.

A mãe furiosa abriu a boca para reclamar com o pai que fez um sinal para ela parar.

**

Guilherme estava lendo e sentado em um dos bancos de uma praça quase no fim da cidade.

A praça não era grande, mesmo ela sendo no final da cidade, era muito bonita. Havia dois tipos de árvores predominantes, uma espécie tinha o tronco com casca de um tom cinzento-escuro, suas copas eram grandes com folhas verde-escuras e com flores amarelas; o outro tipo de árvore de grande porte, também possuía flores amarelas, a copa era arredondada e bastante vistosa. As duas floresciam em épocas diferentes, por isso a praça nunca deixava de ter o tom amarelo das flores.

Nos sábados de manhã, ele sempre acordava cedo e ia para aquele lugar ter um pouco de sossego e pensar.

Levou um susto com um grito logo atrás dele. Uma garota dava risada.

– Quer me matar do coração, Mariana? – Guilherme estava ofegante.

– Claro que não. – Disse revelando seu grande e lindo sorriso. – O que você faz aqui?

– Venho para cá todo sábado. – Fechou o livro marcando a página. – E você?

– Estava dando uma última volta na cidade antes de ir embora. Aí te vi aqui e decidi vir conversar.

– Então você vai mesmo embora? – Guilherme abaixou a cabeça.

– Vou sim. – Disse sentando ao lado do garoto. – Mas agora estou gostando mais daqui, volto sempre que puder e nas férias.

– Podia morar aqui com seu pai né?

– Não sei, eu tenho uma vida fora daqui.

– Vou sentir muito sua falta. – Guilherme estava triste e Mariana percebeu.

– Também vou sentir a sua. – Disse se aproximando mais.

Guilherme aproveitando, com o rosto mais perto da garota, calmamente e com o coração disparado, tentou beijá-la, mas Mariana se desvencilhou. Os dois não se olharam por alguns minutos sem graça.

– Ér...vamos no cinema hoje? – Perguntou Guilherme.

– Ah, Gui, queria ir, mas vou jantar com meu pai. Meu último dia aqui. Sinto muito mesmo. – Dava para ver que Mariana estava triste em não poder ir com Guilherme.

– Tudo bem. – Disse dando de ombros.

– Olá, vocês. – Era Murilo.

– Vejo que todos decidiram acordar e vir pra praça hoje. – Comentou Guilherme. Mariana ficou parada observando Murilo.

– Não, vou visitar a Dona Thereza, a casa dela é logo ali. – Murilo apontou para uma casa rosa simples, com portões baixos.

– Ela não era a avó da Alexandra? – Perguntou Mariana.

– Era sim.

Guilherme profundamente desconfortável se levantou.

– Vou pra minha casa. Que horas você sairá da cidade? – Se dirigiu para Mariana.

– Amanhã de tarde, quando minha mãe for me buscar.

– Então estarei te esperando na saída da cidade. Tchau para os dois. – E saiu nervoso, mas não deixou transparecer.

– Então quer dizer que você irá amanhã mesmo? - Perguntou Murilo.

– Vou sim. Mas estou pensando em uma coisa.

– No quê?

– Não vou falar, porque não sei se vai dar certo.

– Conta vai. – Murilo estava curioso.

– Não! – Disse sorrindo, gostando que Murilo havia ficado interessado e curioso com sua ideia.

O sorriso do rosto dela sumiu quando ela começou a falar novamente.

– Murilo, te conheço há quase três meses e nesse pouco tempo me apeguei muito a você. Não somos muito próximos, é eu sei, mas desde quando eu te vi pela primeira vez me apaixonei por você.

Murilo estava surpreso com a declaração repentina de Mariana.

– E não agüento mais guardar esse sentimento, precisava falar antes de ir embora.

Sem saber o que fazer ou falar, Murilo ficou estático. Era a segunda vez que alguma garota se declarava para ele.

Vendo que Murilo estava sem reação, a garota se levantou pronta para ir embora da praça, mas o garoto segurou o braço dela. Mariana olhou para ele, o coração dela estava batendo muito rápido, esperava uma atitude que talvez ele nunca teria. E estava certa, Murilo soltou o braço dela. Decepcionada, ela saiu de cabeça baixa e Murilo ficou olhando Mariana ir embora.

Então ele seguiu seu caminho para a casa de Dona Thereza.

No outro dia de tarde Guilherme foi para a entrada da cidade esperar a saída da Mariana.

Depois de muito tempo esperando, ele perdendo as esperanças, pensando que ela já havia ido embora, eis que passa um carro com Mariana sentada no banco da frente.

– Tchau, Guilherme, até outro dia. – Mariana estava com a cabeça e pescoço totalmente fora da janela do carro gritando e acenando.

Guilherme apenas acenou com a mão e ficou parado com um sorriso bobo vendo o carro saindo da cidade.

– Vou demorar meses para ver novamente esse lindo sorriso.

Vários dias se passaram, Murilo e Guilherme foram se tornando cada vez mais amigos, além de conversarem no consultório, agora se falavam na escola e passavam o intervalo praticamente juntos.

– Ah cara, não fica assim, você pode tentar novamente ano que vem. – Disse Guilherme.

– Eu sei, mas eu queria ter ido bem esse ano no vestibular né. – Murilo não havia ficado satisfeito com sua nota.

– Ei, Murilo, Guilherme. – Era Thais, ela corria para chegar nos dois garotos. – Consegui passar, vou me mudar.

– Parabéns, Thais. – Disse Guilherme e Murilo apenas forçou um sorriso.

Ainda animada, Thais não conseguia parar de falar, Murilo se lembrou de como era ela antes, aquela menina tímida e estava torcendo para que ela parasse de falar um pouco.

– ...e aí eu voltarei para cá nos finais de semana e feriados. – Thais chegando mais perto de Murilo, murmurou algo para ele. – Então, até logo.

Esperando Thais se afastar, Guilherme perguntou:

– Que assunto é esse que a Thais falou que vocês nunca iriam conseguir resolver? – Murilo ficou assustado por Guilherme ter escutado o que Thais havia falado.

– Não é nada.

– Vai esconder coisas de mim? Sou seu amigo ou não sou?

– É claro que é. – Murilo suspirou – Mas é complicado.

– Tente, adoro coisas complicadas.

– Bom, não posso contar detalhadamente, mas quando eu terminar, você entenderá o porquê. Tudo começou ano passado. – Murilo escolheu com cuidado as palavras, contou tudo o que tinha acontecido na festa, sobre o Pacto, sobre o segredo e sobre o Ceifador. – Não posso revelar o motivo do Pacto por causa do Ceifador.

– Isso é loucura. – Disse Guilherme com aquele ar de deboche que só ele tinha.

– Eu sei que tudo isso parece loucura. Por favor, não conte nada a ninguém sobre isso, queria tirar esse peso das costas para alguém que não tivesse envolvido nisso.

– Como você pensa em acabar com o Pacto?

– Você acredita em mim então?

–Claro, você é meu melhor amigo, Murilo.

– Obrigado, sério. Então, agora que Conceição está morta não temos mais como quebrar o Pacto. O livro foi queimado no incêndio.

Guilherme ficou pensativo e então disse:

– E na casa dela? Tipo, ela deve ter algumas coisas lá, não?

– Talvez, mas como iremos entrar lá?

– Invadindo? – Murilo levantou uma sobrancelha para o amigo. – Podemos entrar na casa e procurar. Ela morava com alguém?

– Não que eu me lembre, mas ela tinha uma irmã aqui na cidade, Thiago comentou comigo uma vez.

– Então iremos de noite na casa dela, talvez possamos encontrar algo que nos ajude.

Depois de combinarem tudo, os dois amigos voltaram para a casa.

Murilo falou aos pais que iria dormir na casa de Guilherme aquela noite e que iam juntos para a escola. Após arrumar suas coisas, pediu a seu pai para levá-lo até a casa do amigo.

A casa de Guilherme era grande, não como a de Thiago. A sala de visitas era aconchegante e com uma grande televisão, onde o pai dele estava assistindo filme. A mãe estava na cozinha, lugar onde ela mais gostava, afinal era uma grande chefe de cozinha que havia trabalhado em grandes restaurantes na França, Itália e India para ganhar experiência.

Cumprimentando os pais de Guilherme, Murilo seguiu pelo corredor até chegar no quarto do amigo. O quarto de Guilherme não era muito grande, a janela estava aberta e dava de frente para o outro lado da cidade, havia duas prateleiras com muitos livros.

– Está pronto?

– Um pouco receoso, como vamos sair sem levantar suspeitas de seus pais?

– Simples. Vamos sair normal. Não precisamos falar nada para meus pais, por isso falei para você vir pra cá. Eles sabem que normalmente eu saio para correr de noite, então não dará em nada.

– Ah, então de boa. Mas como iremos invadir?

– Sei lá, nunca fiz isso antes. – Guilherme disse rindo. – Na hora a gente vê o que faz. Vamos. – Foram para a cozinha beber um copo d’água antes de saírem.

– Voltem antes das 23horas, deixarei a comida dentro do forno para vocês. – Guilherme havia puxado totalmente a aparência da mãe, o tom do cabelo da mulher era um pouco mais escuro que o do filho, seus olhos também eram azuis claros. Já o pai tinha cabelo castanho escuro e olhos azuis.

Saindo da casa, começaram a correr como se estivessem treinando, Guilherme corria atrás de Murilo que o guiava até a casa de Conceição. Até que chegaram.

– Nossa, pra uma velha sozinha, essa casa está bem arrumada.

– Vamos ver lá dentro, agora que está abandonada. Como vamos entrar Guilherme?

Guilherme olhou ao redor, não tinha ninguém e retirou um canivete do bolso e foi em direção a porta, não se importando com o canteiro de flores mortas. Ele tentava abrir a fechadura, mas sem sucesso.

– É muito difícil. – Disse desistindo.

– Eu falei que era para termos pensando nisso antes. – Murilo deu uma olhada na casa. – Guilherme, tenho uma ideia. Vamos, faça pezinho para mim.

– No que você está pensando?

– Nós subimos pelo muro e depois no telhado, de lá podemos descer para os fundos da casa, bom, pelo menos de lá podemos pensar em outra coisa.

– Bom, já é um começo. – Ele fez uma ponte com suas mãos, permitindo que Murilo subisse no muro, este puxou Guilherme, ajudando o amigo a subir. Os dois se equilibraram e andaram sobre o muro, com cuidado subiram no telhado.

– Guilherme, cuidado, esse telhado parece não estar muito firme.

– Murilo, eu sei me cuidar.

Atravessando o telhado, Murilo se assustou com um casal de gatos, acabou desequilibrando e caiu no fundo das casas fazendo um barulho.

– Você está bem? – Perguntou Guilherme apreensivo.

– Estou sim, caí em cima de uma máquina de lavar.

– Murilo, se esconda, tem alguém vindo. – Na casa vizinha, alguém tinha acendido uma luz e aparecido na janela para olhar de onde havia vindo o barulho, mas sem ver ninguém, acabou voltando.

Guilherme conseguiu pular para os fundos. Murilo saiu de trás da máquina.

– E aí?

– Bom, podemos forçar essa janela pra dentro. – Disse Murilo.

– Tente a janela, vou tentar a porta.

Depois de algum tempo, Guilherme conseguiu abrir a porta.

– Foi mais rápido.

– Essa porta não estava fechada com a chave, só precis...

– Ta bom, Guilherme, vamos logo, antes que nos peguem aqui. – Os garotos não sabiam que a casa estava sem energia, mas decidiram não acender as luzes para não chamar atenção dos vizinhos, Guilherme usou uma lanterna, Murilo o celular.

A casa era muito pequena, havia poeira por todo canto. Guilherme e Murilo começaram a procurar.

– O que estamos procurando? – Perguntou Guilherme.

– Qualquer coisa estranha que contenha algo escrito, folhas soltas, livros, ou até pergaminhos.

– Ei, Murilo, quando formos embora não precisaremos subir telhado, vamos voar com essa vassoura. – Brincou Guilherme montando em uma vassoura.

– Que engraçado Guilherme, para de brincadeiras.

Reviraram a casa inteira e sem sucesso, não encontraram nada a respeito de Ceifadores, pactos e conjuras.

– Vamos embora. –Disse Murilo decepcionado.

– Não, vamos continuar procurando. – Respondeu Guilherme levantando uma almofada do sofá cor de vinho.

– Guilherme, reviramos essa casa toda e não encontramos nada. Vamos logo, antes que alguém consiga ver luzes dentro da casa.

– Então tá, chefe. – Saíram pela porta dos fundos. Guilherme subiu na máquina de lavar e conseguiu se pendurar no telhado subindo. – Cuidado para não cair de novo. – Disse logo após Murilo também fazer a mesma coisa que ele.

– Não enche Guilherme.

Conseguiram cruzar o telhado, dessa vez sem complicações. Logo saíram correndo de volta para a casa de Guilherme. Pegaram o caminho mais longo, assim poderiam chegar cansados e suados para realmente enganar os pais.

– Vai tomando banho que depois eu vou. – Disse Guilherme para Murilo.

Após tomarem banho, foram jantar.

– Deixa a louça aí, amanhã minha mãe lava. – Foram para o quarto, Murilo iria dormir no sofá cama.

Os dois se ajeitaram e começaram a conversar um pouco.

– Vou te contar uma coisa que não conto a ninguém. Lembra quando falei na nossa primeira conversa que tinha brigado com meu melhor amigo uma vez? – Guilherme respondeu que sim. – Então, aconteceu comigo no início desse ano, saí com Thiago e uns primos dele e fomos para o Le Dioy, era aniversário do Breno, o primo dele que fazia 18 anos. – Le Dioy é uma espécie de barzinho para adolescentes onde não vende bebidas alcoólicas. – Chegando lá, Breno tirou da mochila quatro garrafas de Vodcas.

– Mas é proibido beber no Le Dioy! – Interrompeu Guilherme.

– Não é proibido, lá só não vende esse tipo de bebida, mas mesmo assim ele colocou nos copos escondidos dos garçons e das outras pessoas. Eles começaram a beber que nem loucos, no segundo copo eles já estavam doidões, não sou de beber, mas dei apenas um gole e odiei. Terminaram e quiseram ir embora, as pessoas perceberam que havia algo errado, Thiago e os primos andavam que nem baratas tontas até a saída. E aí decidiram andar pela cidade. – Murilo deu uma pausa, Guilherme ouvia atentamente. – Andavam pela rua gritando, cantando, pegavam pedras e atiravam nos vidros das janelas e depois saíam correndo. Até que...- Murilo respirou fundo. – Quebraram as portas de vidro de um mercadinho e invadiram. Eu não quis entrar, mas eles me empurraram pra dentro, começaram a beber todas as bebidas, destruíram o mercadinho. Quando tentei sair a polícia chegou e nos levou para a delegacia. Lá eles fizerem o maior estardalhaço, os policiais perceberam que eu estava sóbrio e me fizeram um monte de perguntas, acreditaram em mim, mas não em tudo e meus pais tiveram que pagar fiança.

– E o Thiago e os primos?

– Gritavam para eu inventar uma história e tirá-los de lá. Acabaram ficando detidos por uma semana.

– Mas eles são menores de idade, tipo, só o Breno era de maior. Como que ficaram uma semana? – Perguntou Guilherme confuso.

– Os policias iriam deixá-los apenas um dia, caso pagassem a fiança. Mas o pai de Thiago decidiu deixá-los por uma semana para que aprendessem. Os primos nunca mais vieram passar as férias aqui depois. – Mais uma pausa de Murilo. – Thiago sempre me culpou, falando que eu não tinha sido amigo o suficiente, minha relação com ele piorou, assim como a dele com o pai.

– Nossa, que tenso. Mas você não é um péssimo amigo. – Guilherme virou e fechou o olho. – Então quer dizer que meu melhor amigo é um infrator da lei?

Murilo deu risada e disse:

– Boa noite.

– Boa noite.

Os dois pegaram no sono.


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Notas finais do capítulo

Um capítulo leve e com o motivo da briga entre Murilo e Thiago.
No próximo, um personagem importante irá voltar.
Comentem o que acharam.



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