Lágrimas do Céu escrita por Sallich


Capítulo 1
One Shot




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Eu estava confuso, era a primeira vez que vinha a Terra. Minha cabeça latejava de forma dolorosa e um misto de sensações crescia em mim. Não exatamente em mim, mas no meu devido receptáculo: Jimmy.

            Meus olhos humanos eram fracos e superficiais: não podia ver todas as cores que cercavam aquele lugar. O céu estava coberto com um manto escuro e estrelado, a lua estava cheia, não havia sinal de chuva ali.

           

Nota: Eu continuava parado em frente à casa de Jimmy e não sei o porquê.

 

-Papai, papai! – Ouvi uma voz aguda e esganiçada chamar. Provavelmente, o filhote humano do receptáculo. – Aonde você vai? – Eu continuava de costas para a criatura: não teria coragem de fita-la. Afinal, eu estava tirando o seu pai dela.

-Eu não sou o seu pai. – Respondi secamente, não havia tempo para sequer explicações. Ajeitei a cobertura em tom de caramelo sob o corpo de Jimmy e desapareci.

Senti uma pontada estranha no meu peito: era a mesma dor da perda que eu havia sentido. Mas quem eu estava perdendo agora?

Presumi que essa dor não era minha: o corpo sentia a dor inconscientemente... Jimmy sentia que estava perdendo aquilo tudo que mais amava.

 

...

 

Eu não sabia aonde eu iria, vagava pelos céus, imperceptível aos olhos humanos. Olhava com atenção tudo lá embaixo, mas esses olhos não me proporcionavam muita clareza.

Desci devagar até pousar sob uma montanha com picos esbranquiçados de neve. Olhei tudo em volta: aquilo me trazia lembranças claras de minha casa.

Sentei de forma confortável naquele tapete branco e frio. Tentei assimilar todas as sensações confusas que eu estava sentindo: a saudade de casa, a dor de Jimmy, as sensações que este corpo tem reagindo com o ambiente em volta... A dor da perda de Ruth...

Olhei para o céu: ele estava lindo, bonito como o da minha casa ou quem sabe até mais.

As estrelas pediam no manto negro da noite como réstias brilhantes e coloridas que piscavam sem parar. A lua majestosa e rechonchuda vibrava em tons prateados que refletia sob meu rosto, o vento gelado bagunçava os meus cabelos e faziam cantar as folhas das poucas árvores daquela montanha...

Aquilo era tudo tão mágico, tão belo, tão perfeito... Mas eu sabia que alguma coisa faltava ali...

“Ruth” – Pensei. “Ruth, meu coração está doendo por que te perdi para sempre”... Eu repetia em preces baixas... Sabia racionalmente que não a veria, mas meu coração latejava de forma dolorosa um novo sentimento: era como se eu acreditasse que ela fosse vir para mim... Como se ela fosse aparecer por entre as árvores.

Eu sabia que não aconteceria, mas por que meu coração insistia nisso?

“Queria que estivesse aqui”... – Eu continuava com minhas preces baixas. – “Queria que me explicasse o que estou sentindo”.

Suspirei fundo: eu precisava manter a calma, precisava controlar esse emaranhado de sentimentos e emoções que estavam me dominando.

 

...

 

Eu vagava pelas ruas sem destino. Via uma série de rostos desconhecidos e conhecidos ao mesmo tempo. Eu sabia de suas aflições, seus medos, suas angustias.

 

Nota: Nós, anjos, podemos nunca sequer ter visto-lhe alguma vez na vida, mas sabemos tudo sobre você.

 

Olhos tristes, olhos felizes... Um misto de sensações se passava pelos corações humanos. Algumas eu conhecia em certo contexto, e outras poucas, eu já havia sentido. Mas mesmo assim, era tudo tão novo para mim.

Era triste e de partir o coração ver o desespero e a tristeza no coração de algumas pessoas, mas ao mesmo tempo tão completo e tão mágico... Percebi o motivo da inveja dos anjos. Mesmo os humanos sendo tão fracos e tão orgulhosos, nenhum se igualava igual ao outro... São perfeitos em suas diferenças.

Suas emoções, seus motivos, seus defeitos, suas formas de sorrir, seus gostos... Simplesmente mágico e fascinante.

 

Nota: Anjos não são diferentes, anjos não tem emoções, anjos não têm nada. Ou eu pelo menos pensava assim.

 

Mas havia aqueles, que tentavam mascarar a sua dor de todas as formas possíveis. Alguns forçavam sorrir, que para mim, não havia lá muita beleza. Outros eram mais sinceros e exibiam suas carrancas de descontentamento. Outros se entregavam no pecado e na sordidez, deixavam seus sentimentos mais baixos tomarem conta de si.

Pecavam de toda a forma possível: fornicação, bebedeira... Mentiras, orgulho, inveja, loucura... Assassinatos. Como algum ser pode matar algo de sua própria espécie?

Percebi que, havia muita coisa que eu tinha que aprender. Muita coisa tinha para ver, para descobrir. Senti-me impulsionado a desvendar essa máquina humana. Mas antes, eu tenho que saber que sentimento é esse que eu estou sentindo.

            Ao longe, vi uma menina fitar-me. Seus olhos tinham um tom de mel e seus cabelos argilosos escorriam sob seu colo... Exatamente como Ruth.

            Suspirei, senti-me atacado de novo por aquela sensação.

            Fitei com mais intensidade aquela menina: ela trajava um vestido branco até os joelhos e trazia consigo uma bíblia. Ela olhava para mim e sorria enquanto seus pés faziam menção até mim.

            Seus passos eram macios e lentos e seu semblante trazia consigo um sorriso lindo de alegria e contentamento... Mas por que ela sorria?

            Eu sabia muitas coisas sobre ela. Seu nome era Cadence, ela tinha uns dezoito anos humanos... Sabia que seus pais haviam morrido a menos de mês em um acidente de carro... Mas ela continuava sorrindo com toda a sinceridade do mundo.

           

            Nota: perder os pais, até para os anjos é doloroso... Imagine a um humano?

 

            -Olá. – Seu sorriso era tão sincero e tão bonito que me forçou a sorrir levemente. – Tive a impressão de que conheço você.

            -Isso é impossível. – Ela não mentia, mas era impossível de alguma forma ela me conhecer.

            - Eu não sei por que, mas sinto que te conheço... É muito estranho. – Ela me analisava com seus olhos cor de mel.

            -Você se parece com uma de minhas amigas. – Respondi secamente. Eu fitava-a, esperava algum tipo de reação, mas para a minha surpresa, ela mantinha a expressão sorridente.

            -Você parece triste, atordoado. Alguma coisa está ferindo você? – Num súbito, sua expressão tomara uma mascara de seriedade, algo como... Preocupação?

            Ela estava preocupada comigo?

            -Por que diz isso? – Perguntei, fitando-a com expressão confusa. – Por que se importa?

            -Por que você é um filho de Deus. Eu não quero que um de meus irmãos fique confuso e deprimido. – Ela continuava sorrindo.

            -Eu quero que me ajude a entender. – Olhei de relance para a bíblia em sua mão. Definitivamente, ela era uma serva de Deus.

            -O que você quer entender? – Seu rosto tomara a mesma máscara de preocupação.

            -Quero entender sentimentos, motivos... – Ela me ouvia com atenção e balançava a cabeça como se concordasse. – Quero entender os motivos do seu sorriso, quero entender por que depois de tudo o que aconteceu você continua a sorrir. – Ela me fitava com expressão surpresa.

            - Aconteceu? O que você sabe disso? – Ela me questionava, mas eu ainda não via sinais de raiva em sua expressão.

            - O que aconteceu com seus pais. – Respondi.

            Ela suspirou fundo, dessa vez não foi para se manter calma, mas como se tentasse encontrar alguma coisa a dizer... Como se tentasse achar as palavras certas.

            -Olha. – Ela me fitava com a mesma expressão feliz. – Eu continuo a sorrir por que eu sei que apesar de tudo, Deus está comigo. Eu continuo viva. Não há motivos para odiar a vida.

            -Então ama a Deus, mesmo depois de tudo que lhe aconteceu? – Eu continuava a questioná-la. De todos os rostos que eu havia visto, aquele foi o que mais me surpreendeu. Ela tinha motivos para odiar tudo, mas mesmo assim, tinha fé.

            -Claro que eu amo. Eu tenho fé que tudo vai melhorar. Tenho esperança de que alguma coisa muito boa vai acontecer na minha vida.

 

            Nota: eu não sabia o que era esperança.

 

            -Esperança? – Perguntei. – O que é?

            Ela riu baixinho.

            -Esperança é quando racionalmente, ou até pelas palavras de outras pessoas você sabe que algo não vai acontecer. Mas o seu coração ele sabe, ele espera aquilo que você mais quer se torne real.

            Eu fitava-a com olhos confusos, eu ainda não entendia a esperança.

            -Para ser mais clara. – Ela continuou. – É guardar os seus desejos no fundo do seu coração esperando que eles aconteçam. Pode doer um pouco, pode te ferir... Mas a esperança é a única coisa que nos resta.

            Antes que ela pudesse dizer mais alguma coisa, eu desapareci dali.

 

            ...

            Voltei ao pico da montanha. Sentei-me confortavelmente sob o tapete gelado e voltei meus olhos aos céus fitando ainda o manto negro da noite.

            Agora, eu entendia o que eu estava sentindo, o que eu guardava no meu peito: era a esperança humana.

            Ela doía, como a garota disse que iria. Mas era tão boa e tão intensa... Eu não sabia como poderia descrevê-la.

            Descobri outro motivo para os anjos invejarem os humanos: esperança. O sentimento mais bonito e até mais nobre que a própria fé.

            Os anjos não precisam dela, mas humanos sim. Eles precisam dela para erguer suas cabeças todos os dias, para terem coragem de enfrentar o mundo... Sem a sua esperança, eles não conseguiriam nada.

            Senti novamente lágrimas espessas se formarem no meu rosto. Elas escorriam sob minha face deixando um caminho quente e úmido.

            Num instante de minha esperança, pensei em minha amada... Senti novamente a conexão dos nossos sentimentos... Ela estava chorando por mim? Ela sentia a minha falta?

O céu era tomado por um véu espesso em tons de marrom: sinais de chuva.

            As gotas começavam a cair por sob os meus cabelos, minha face... Quentes e salgadas como lágrimas... As lágrimas do céu.

           

           

 


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Notas finais do capítulo

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N/a: De fã para fãs... Espero que gostem! Por favor, não esqueçam dos reviews, não vai matar vocês... Beijinhos!!