O Primeiro Encontro com a Morte escrita por Harold Mendes Moura


Capítulo 1
Capítulo Único




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Martin pega a lâmina e a encara. Dizem que isso faz as pessoas se sentirem melhor. Dizem que isso faz as pessoas esquecerem os problemas. Mas ele não via sentido nisso. Aliás, ele não via sentido em nada. Não conseguia enxergar a lógica de acordar todos os dias, aguentar todas as pessoas que tem de conviver, suportar seus pais criticando-o e continuar vivendo. Mas ele não tinha coragem de acabar com tudo. Ele não tinha coragem de fazer tudo isso sumir.

Então, pensa ele, se a vida tem de ser vivida, que seja da melhor forma possível: ignorando-a. Apenas passando os dias com seus pensamentos, seus livros, seus jogos. Que a vida o esqueça e que todos vejam o quão inútil ele é. E, quando refletirem sobre isso, tentem aplicar este pensamento em si mesmos, e percebam como não estão ganhando nada tentando viver. Que Martin não está tão equivocado assim. Que ele tem razão. Sempre tem.

A melhor forma de ignorar a vida é mostrar para si mesmo que não se importa com ela. Martin, então, passa sua lâmina nos seus braços, formando fendas em sua pele que logo são preenchidas com sangue abundante.

- O sangue é a essência da vida. É o que mostra que estamos vivos. Então, que ele saia do meu corpo e vá para a terra. Que eu já esteja acostumado para quando voltar ao pó.

Martin não se incomoda com a dor. Percebe que ela substitui seus pensamentos e emoções. E gosta disso. Percebe que estava errado e que não há nada mais lógico do que isso.

- Que minhas lágrimas sejam substituídas por sangue. Que as emoções em mim sejam substituídas pela dor e frieza. Que eu não me importe com nada. Que eu consiga fazer o que sempre quis.

Os seus desejos são feitos para o vazio. Martin espera que alguém o atenda. Qualquer pessoa. Mas ninguém aparece. Novamente, começa a chorar.

- Não... Eu não posso... Porque ainda tenho sentimentos? Porque ainda tenho vontade de viver? Eu quero...

Direciona sua lâmina ao pescoço.

- Eu consigo. A razão em mim é maior que a minha natureza. Não posso deixar as ideias equivocadas dos pensamentos humanos atrapalharem meus planos. Não posso continuar insistindo em algo tão falho quanto a vida.

Sua mão, porém, vacila. Encosta-se à parede com os olhos fechados. Seus braços ardem como se estivessem em chamas. Ninguém pode ver isso. Ninguém pode perceber o quão fraco ele é.

Martin veste sua jaqueta de modo a esconder suas feridas. Volta a ler seu livro. Volta a tentar esquecer a vida. Volta a viver tentando fugir da própria vida. Não se mutila novamente por muito tempo. Apenas espera a morte calmamente, se excluindo de tudo e todos. Não se importa mais com nada, ou tenta não se importar. Mas um desejo ainda carrega consigo. Embora se ache fraco demais para repetir, sabe, inconscientemente, que uma alma corrompida jamais volta à normalidade por si só. Que ninguém pode se curar sozinho. Que, um dia, ele não vai poder esperar mais. E aguarda ansiosamente por este dia.


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