A Feiticeira escrita por rkaoril


Capítulo 24
Antes um pássaro estínfalo morto do que dois voando




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XIV

SUZANA

POR UM LONGO E TERRÍVEL MOMENTO, Suzana pensou que eles estavam mortos. Ela pulou do chão frio com neve e começou a gritar por eles, o que não durou muito já que Sabrina tapou sua boca.
– Shh – ela disse – eles estão bem. – Então apontou para um trecho da floresta atrás deles, com grandes árvores de eucalipto e pinheiros enevoados – São filhos dos três grandes, não iriam se abater tão facilmente por apenas um pedregulho.
– Você tem certeza? – Sabrina sorriu.
– É claro. Agora temos que continuar, tenho certeza que logo irão nos enviar uma mensagem de íris.
– Okay.

Suzana não tinha certeza, mas sentia que Sabrina estava fazendo a coisa certa. Olhou para trás, vendo o pedregulho em pedaços no chão, provavelmente por causa do impacto. Não viu nenhum semideus esmagado pelos buracos do vagão.

Sabrina parecia saber onde estava indo. Ela constantemente olhava para o céu, cuidando as estrelas como tinha feito da última vez que se enfiaram em uma floresta. Tinham passado a noite inteira naquela floresta apenas para entrar em um bar e então Suzana apareceu por mágica em um conversível vermelho e Apolo ficou paquerando-a até que as meninas aparecessem – não havia sido uma boa noite e Suzana não queria repetir.
– Onde estamos indo? – ela perguntou.
– Estou nos guiando para o leste. – ela disse – Na direção de Peaks Pike. Provavelmente encontraremos um hotel ou pousada montanhês rapidamente.
– Ah, ótimo. Como você acha que eles se salvaram?
– Johnathan pode ter saído voando – disse – mas eu acho mais provável que Elizabeth deve ter viajado nas sombras e levado ele junto, e acabado em algum lugar nas proximidades.
– Coitado do Johnathan. – ela conseguiu dizer com um sorriso, Sabrina sorriu.
– É, eu também acho. Ter que ficar com a Elizabeth, nem nós merecemos.
– Quanto tempo você acha que eles se aguentam antes de se matar?
– Até onde sei, já se mataram.

Elas caminharam por longos minutos, felizmente não encontraram nenhum precipício ou resvalaram colina abaixo na neve – era uma floresta montanhosa no meio do inverno, o que quer dizer muita decida e muita neve. Após algum tempo de caminhada, elas encontraram um ponto na cidade no qual as árvores estavam velhas e marcadas, secas como maracujá de gaveta. O chão estava todo esburacado, a neve se fazia verde em alguns lugares e o cheiro era péssimo.
– Argh – disse Suzana – que nojo.
– Shhh – disse Sabrina. Ela pegou Suzana pela manga da jaqueta e a arrastou até atrás de uma das árvores, a que parecia mais inteira e menos propensa a desabar em cima delas. Ambas espreitaram do outro lado do tronco.

Quando Suzana viu o hotel, pensou wow, Elizabeth iria adorar esse lugar. Ele era de um tom branco com pintinhas marrons. Sua estrutura era adornada com tábuas marrons atravessadas no concreto, como em construções alemães. Ele era alto e parecia não ter fim, e se não parecesse tão abandonado e caindo aos pedaços Suzana teria achado lindo – logo atrás, ela podia ver as montanhas enevoadas da cordilheira.

Entre elas e a entrada do hotel, havia absolutamente nada. Esse trecho era preenchido com um caminho esburacado e enlameado composto apenas de neve que ou estava derretida ou verde. O lugar parecia ter navalhas espetadas por todo o lugar, do tipo que se vê em barbearias. Suzana se sentiu estranha, não queria por nada no mundo ir na direção daquele hotel.
– Temos que ir lá – disse Sabrina para sua cólera – esse lugar está me dando uma sensação estranha, como se me chamasse ou algo do tipo.
– Eu acho melhor não – disse Suzana – pode ser perigoso.

Nesse momento um grasno – que lembrava um pouco Suzana do grifo – e então pássaros negros enormes voaram sobre elas, circulando o lugar. Suzana percebeu que pareciam ser corvos, mas diferentes – seus bicos brilhavam como sua espada, feitas de bronze. Suas penas eram as navalhas fincadas na terra, negras como a espada de Elizabeth embora claramente não sendo ferro Estígio. Suzana mordeu os lábios enquanto os pássaros circulavam na sua frente, até que eles pareceram nota-las e fizeram um V apontado para elas voando em sua direção.

Sabrina felizmente notou também, sendo esperta o bastante para se jogar com Suzana atrás de uma pedra quando as navalhas caíram em sua direção como bombas, e então bicos bateram contra a pedra fria. Suzana entendeu o plano de Sabrina quando ela o pôs em prática – Sabrina aproveitou que os pássaros estavam atordoados e correu com Suzana na direção do hotel.

Suzana ouviu as navalhas começarem a descer, mas não olhou para trás. Correu até que as paredes de concreto estavam entre elas e os pássaros.
– Ouch – disse, quando sentiu dor na panturrilha. Sabrina se abaixou, usando a luz de sua adaga na escuridão para analizar a panturrilha de Suzana.
– Suzana – ela disse, muito séria.
– Você tem uma navalha na panturrilha.
– O que?!
– Acalme-se, e sente-se.

Suzana se sentou no chão. Ele estava sujo e úmido, mas ela não se importou. Levantou a perna e ficou meio que de costas, de modo que Sabrina podia ver sua panturrilha.
– Como você não está agonizando? – perguntou Sabrina.
– Não sei. Minha mãe não é a deusa do prazer? Talvez eu tenha algum anticorpos que ajude com a dor.
– É, deve ser isso. Eu vou ter que arrancar isso, então você come ambrósia para não sangrar até a morte e poder caminhar, ok?
– Ok.

Sabrina tirou algumas tiras de pano de sua mochila, provavelmente compradas em uma loja de retalhos de toga em Nova Roma. Ela deu a mais grossa para Suzana morder enquanto ela arrancava a navalha, para que não ficasse surda – imaginou Suzana. Quando ela levantou o polegar que estava mordendo bem o pano, Suzana apertou a navalha em suas mãos e a retirou em um rápido puxão.

Foi uma dor rápida, mas excruciante. Suzana esmagou o retalho em sua boa e produziu um granido com a garganta, apenas para logo depois ficar ofegante. Sabrina então enrolou a panturrilha dela e ofereceu um cubinho de ambrósia.
– Rápido – disse ela. Suzana cuspiu o pano e abocanhou a ambrósia.

Tinha gosto do bolo de laranja que seu pai comprava a mistura e fazia no verão para tomar com limonada. Suzana apertou os olhos afastando as lágrimas, sentindo que o gosto e a lembrança de seu pai era tão excruciante quanto a dor na panturrilha. Logo, o calor da ambrosia produzida pela lembrança do bolo de seu pai chegou até sua panturrilha e ela se sentiu anestesiada.
– Ah – ela disse – isso foi horrível.
– Temos que continuar. – disse Sabrina, se levantando – Você consegue caminhar?

Suzana se levantou. Testou a panturrilha com um ou dois passos e parecia capaz de caminhar. O local não exatamente doía, mas ela sentia um desconforto terrível na perna, como se tivesse tido câimbra ou algo do tipo.
– Tudo ok. Você está bem?
– Me sinto ótima. – disse Sabrina.

Elas começaram a caminhar pelo lugar, guiadas pela luz de Contracorrente e a adaga de Sabrina. Suzana pensou ter visto uma sombra as seguindo uma vez ou outra, mas se convenceu de que era um truque da luz. Chegaram até uma escada aos pedaços, e conseguiram subir. No alto, atravessaram um corredor com vários buracos de contato imediato com o primeiro andar e portas cujas maçanetas estavam tão velhas e corroídas que as trancas não funcionaram. Entraram em um quarto com uma imensa janela de vidro que dava vista para as montanhas, o lindo quintal esburacado e os pássaros enormes. De cima, pareciam muito mais feios.
– Eu me lembro de onde eles são! – disse Sabrina por fim – São os Pássaros Estínfalos!
– Quem?
– São pássaros monstro que Héracles enfrentou no seu 6º trabalho. Aprendemos isso na aula de história, lembra? – Suzana tentou fuçar na memória, mas tudo que se lembrava da aula era de longas palestras do professor Sheep e de Elizabeth dormindo em algum canto. Era ridículo, estudava como louca para as provas mas quando vivenciava algo assim não podia se lembrar.
– Mais ou menos. – mentiu. Sabrina estreitou os olhos – Temos que mata-los para sair daqui, são muito perigosos. Acho que sei como fazer isso, mas não tenho certeza se podemos.
– Por que?
– Héracles os derrotou com uma matraca que foi presente de minha mãe, Atena. A matraca os espantou de perto dele, por que são pássaros carnívoros, e então ele os acertou com flechas venenosas. Mesmo que pudéssemos os espantar, não temos arcos ou nada que possa acertá-los à distância.

Suzana ficou algum tempo observando os pássaros voarem em círculos até que algo estalou em sua mente.
– Sabrina.
– Sim?
– Augusto, o cara que eu mencionei que ia se casar com a Elizabeth.
– O cara da jaqueta de couro e as espinhas do chalé de Hefesto?
– Esse mesmo. – ela pegou sua mochila e despejou o conteúdo explosivo na cama velha – Ele me deu essas granadas. – Sabrina sorriu como uma criança de cinco anos em frente a uma sorveteria.
– Amiga – ela disse – eu já disse que adoro esse seu charme que faz os homens te darem bombas?

***

Suzana fez conforme o plano – ela escalou sozinha até o ponto mais alto do prédio. Sabia que os pássaros eram atraídos por carne humana, mais ainda por carne meio-sangue, então não tinha muito tempo. Se apoiou no que parecia os ferros de uma caixa d’água. Ela pegou a granada mais potente que Augusto deu para ela – fogo grego. Ela jogou a mochila pelo buraco que viera – um alçapão no teto que dava acesso a caixa d’água – e olhou para os pássaros a sua frente.

Ela cuidadosamente colocou dois dedos na boca, e em uma batida de coração assoprou sobre eles. O assovio veio como de costume – alto e escandaloso – e então ela soltou os cabelos fazendo seu cheiro navegar com o vento.

Os pássaros se formaram em V novamente. Ela viu enquanto navalhas viam em sua direção. Antes que pudessem chegar perto o suficiente, ela levou a granada para a boca e arrancou o pino com os dentes – o que milagrosamente não causou um acidente com seu aparelho – e então jogou a granada para cima em linha reta. Quando uma navalha passou de raspão por sua bochecha, sendo seguida por bicos de bronze e milhares de outras, Suzana se jogou no buraco de que viera, colapsando contra o chão do terceiro andar. Sabrina felizmente estava a seus postos, e fechou a passagem pela qual ela emergira com toda a velocidade para então pular para o chão.

Foi rápido. Suzana sentiu cheiro de queimado e ouviu os pássaros gritarem. O fogo grego se espalharia fácil e selvagemente consumindo tudo em seu caminho, elas tinham pouco tempo para deixar a mansão.

Sabrina disparou escada a baixo com Suzana, que sentia cada vez um cheiro mais profundo de queimado e em um rápido vislumbre para trás viu chamas verde brilhante consumirem tudo ao seu redor como se fosse uma onda vinda do sótão.

Dispararam pela escada tropeçando nos buracos, e então atravessaram o corredor esburacado quase que dando um pulinho no primeiro andar em um passo ou outro para chegar na escada. Enquanto descia, Suzana viu fogo grego entrando por buracos no teto, não haveria muito tempo.

Conseguiram emergir no hall de entrada. Dispararam quase que sem fôlego e asfixiadas pela fumaça até sair pela porta principal e estar vários metros longe do hotel, que desabava em fogo verde.


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