A Feiticeira escrita por rkaoril


Capítulo 1
Cavalo de Fogo




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I

ELIZABETH

MESMO ANTES DE TER VISTO O FANTASMA, Elizabeth estava tendo um dia péssimo. Ela acordou em um ônibus escolar, olhou a hora no celular e percebeu que era muito tarde para que o ônibus a levasse a escola. Ela se lembrou de que morava em uma escola interna, então tudo fez sentido: as memórias do alojamento, o ônibus àquela hora da manhã. Ela se lembrou que estava em uma excursão para o Monumento de Washington, o que era péssimo.

Era péssimo por que diferente da maioria das pessoas, Elizabeth tinha duas melhores amigas. Ela tinha entrado no meio do primeiro ano do Ensino Médio na Escola para Jovens Problemáticos de Washington, o que a deixou 6 meses atrasada no requisito amizade com as duas. Ela se sentia péssima todas as vezes que havia excursões – ambas sempre faziam juntas, SEMPRE. Ela sabia que não era por mal, simplesmente não podiam se forçar ambas a gostarem tanto dela quanto gostavam uma da outra, e ela já se sentia grata o bastante pelos momentos nos quais elas estavam com ela.

Isso não contribuiu para que ela saísse da maré de mau humor.

Ela olhou pela janela – estava um dia escuro e chuvoso, o que era bom já que ela geralmente tinha problemas para enxergar em ambientes claros, mesmo que seus olhos fossem de um castanho muito escuro. Ela esfregou esses olhos e se recostou no banco desconfortável do ônibus, dando uma rápida olhadela para a pessoa sentada ao seu lado.

Não havia ninguém ao seu lado, ela sorriu tristemente.

Elizabeth puxou sorrateiramente os fones brancos de sua jaqueta de couro negra – ela era muito de se vestir como uma motoqueira com jeans negros rasgados e jaqueta de couro, usar All Star detonados e picotar seu cabelo negro assimetricamente. Era um jeito legal de afastar as pessoas e irritar sua mãe.

Mãe. A palavra deu a ela náuseas. Ela rapidamente contornou isso colocando os fones em seus ouvidos perfurados três vezes com brincos de prata – que não ajudavam no frio – e ligando na música que a deixaria dormir fácil e tranquilamente no ônibus: The Scientist por Coldplay.

Ela fechou seus olhos e deixou a mente reconhecer a melodia e letra da música, deslizando facilmente de sua pele e ficando em um estado confortável entre sub e consciência. Foi quando o ônibus passou por um buraco e ela saltou do banco, se agarrando rapidamente ao bando da frente.

Ela tirou os fones de ouvido a tempo de ouvir o professor Sheep rir da situação e apontar para alguns pobres coitados que tinham caído de seus bancos. Ela franziu a testa e mudou a música, tentando dessa vez permanecer acordada.

Quando o ônibus finalmente havia chegado, o céu havia parado de chover. Ela esperou até que todos tivessem saído do ônibus, desejando que a sorte que ela nunca teve se revelasse agora e fizesse com que o Sr. Sheep esquecesse dela ali até o final da excursão. Infelizmente, ele foi até onde ela estava sentada e fez questão de arrastá-la até a rua.

Ela cumprimentou Sabrina e Suzana, que eram suas amigas e discutiam sobre o trabalho no qual a excursão era o foco até terem visto ela. Elas sorriram e tentaram puxar assunto, mas ela foi muito ríspida, mesmo tentando não demonstrar qualquer tipo de rancor. Ela se estapeou mentalmente, mas tentou manter-se calma.

Suzana e Sabrina eram as pessoas preferidas de Elizabeth em todo o mundo. Suzana tinha uma pele pálida natural, diferente de Elizabeth que era caucasiana mas mantinha-se longe de sol e estava sempre parecendo fraca e pálida. Ela sempre tinha uma aparência saudável, olhos castanho claros e cabelos que cainham em cachos até a cintura. Ela tinha algumas poucas sardas debaixo dos olhos limpos de olheiras e vestia uma jaqueta de veludo com jeans e botas. Ao seu lado, Sabrina ajeitava seus óculos que brilhavam momentaneamente como os personagens inteligentes de anime – ela tinha um cabelo preto afro amarrado atrás de sua cabeça, puxando todo o cabelo naquela direção. Sua face era carnuda e bochechuda, de uma maneira fofa. Seus olhos eram tão grandes quanto os de Elizabeth, mas atrás das lentes dos óculos pareciam pequeninos círculos cinza. Sua pele era café com leite e ela usava uma jaqueta cinza de poliéster com tênis comuns.

O professor ficou seguindo Elizabeth de perto, como costumava fazer. Ela se sentia geralmente oprimida pelo quarentão de um metro e sessenta e dois (cinco centímetros maior do que ela) com aparência amigável que insistia em stalkeá-la à todo o lado. Ela uma já pensara em perguntar ao professor a razão disso, mas acabava concluindo que a resposta era óbvia – ela era definitivamente uma criança problemática e não tinha parado naquela escola por ter comido na sala de aula.

Newton Sheep era um sujeito definitivamente formidável. Ele sempre usava roupas simples de jovens – jeans e camiseta – e era sempre amigável e divertido, o professor favorito da maioria dos alunos. Ele tinha um cabelo preto ralo parecido com o de asiático, e olhos um pouco puxados que contrastavam com sua pele morena clara.

Quando decidiu que Elizabeth não estava para aprontar nenhuma gracinha, ele levou a turma desbalanceada com apenas 5 garotas (incluindo Elizabeth, Suzana e Sabrina) para 25 garotos. No fim, 4 das meninas estavam lá por razões bobas – como invadir estabelecimentos após o término do horário, pregar peças na diretora pomposa da escola, roubar comida da cantina escolar ou ter os pais cansados delas. A única menina acusada de um crime realmente grave era Elizabeth, o que fazia com que ela fosse uma espécie de lenda na escola. Todos tinham medo dela, todos reclamavam de seu comportamento (causado por TDAH) e de seus modos, mas ninguém sabia realmente a verdade a respeito do que ela tinha feito para terminar ali.

Suzana e Sabrina haviam sido amigáveis, queridas e gentis. Elas dividiam o quarto no alojamento com ela, e nunca haviam perguntado o que havia ocorrido – elas sabiam que era grave, mas nunca haviam tocado no assunto. Elizabeth era tão grata por isso que a fazia querer chorar. Ambas faziam tanto por ela, mas ela não podia evitar se ressentir da preferência que tinham uma pela outra.

O professor começou a dar uma explicação tediosa a respeito do Obelisco de Washington. Realmente uma história fascinante – Elizabeth pensou sarcasticamente enquanto olhava ao redor. Havia uma espécie de degrau que colocava o Obelisco – uma estrutura pontiaguda em mármore branco apontada para cima, muito no alto – em uma espécie de pedestal, várias bandeirinhas ao redor e então alguma avenida complicada de Washington. Elizabeth nunca havia sido boa com localização – o sistema colégio-alojamento alojamento-colégio fazia ela se sentir calma e assegurada.

Ela desejou pela milionésima vez ter trazido seu bloco de desenhos – uma das causas do déficit de atenção nela era que ela era obrigada a fazer mais de uma coisa ao mesmo tempo, então ela optava por desenhar nas aulas para ter a esperança de alguma aprovação nas matérias. Ela pensou no que desenharia – provavelmente uma garota mágica de algum anime (ela costumava assisti-los antes de ser presa no alojamento sem internet), ou quem sabe uma personagem de um livro. Era malditamente melhor em desenhar garotas do que garotos.

Pensou que talvez tentasse praticar a anatomia masculina. Tentaria desenhar um garoto alto, de cabelos negros longos o bastante para serem bagunçados ou para passar a mão por durante um beijo, ou abraço apaixonado. Tentaria desenhar o príncipe das trevas cliché que via em seus sonhos. Parecia uma ideia satisfatória.

Ela ouviu uma voz a chamando. Com alívio, percebeu que não era o professor, mas ficou curiosa. Olhou ao redor, procurando o dono da voz. Então foi chamada de novo, sua atenção foi para o garoto sentado no degrau do Obelisco.

Seu coração acelerou, palpitou e parou de vez – ele era o garoto de seus sonhos. Literalmente.

O garoto devia ter 16. Ele parecia magro, mas ao mesmo tempo muito saudável – embora sua cor estivesse demasiado pálida. Elizabeth pensou que ele era quase translúcido com as veias roxas e verdes a mostra ao redor de seus olhos fundos e rodeados por olheiras. Ele tinha cabelos negros exatamente como Elizabeth imaginou – um pouco mais curtos que os ombros, e bagunçados. Seus olhos pareciam à primeira vista negros, mas quando ele piscava eles brilhavam o suficiente para mostrar o azul de seus olhos. Ele usava uma espécie de versão masculina das roupas dela – jaqueta de couro, jeans negros rasgados e botas de combate que fizeram Elizabeth ter que resistir ao impulso de roubá-las de seus pés.

Ele sorriu de um modo que fez o coração de Elizabeth voltar a bater, dessa vez, rápido de mais. Ela desejou poder falar alguma coisa – qualquer coisa – mas era como se o ar tivesse sido roubado de seus pulmões.

Ela sabia que não era por que o garoto era tão surrealmente lindo – ela tinha uma certeza de que o garoto não pertencia ali. Ele irradiava uma espécie de energia. Ela achou que a palavra que pudesse melhor expressar aquilo seria a aura do garoto, mas ela achou essa tradução muito pobre.

Ela sabia que ele estava morto.

Ela não sabia como lidar com isso.

Mesmo que Elizabeth fosse constantemente assaltada pelos desmortos, quando dava de cara com um morto - ou vivo - tão gostoso ela ficava sem fala.

Ela engoliu em seco, e gesticulou para que ele continuasse – não confiava em sua própria voz. Ele se levantou e olhou ao redor, prendendo então seu olhar no céu.
– Não é assustador como às vezes o céu chora? Isso estraga tantas coisas.

Elizabeth não sabia como responder. Naquele momento, o céu trovejou desafiadoramente, como se tivesse ouvido as palavras do garoto. Ela sentiu um arrepio percorrer sua espinha, como se raios no céu fossem alguma razão para ter medo.
– Bobagem. – murmurou a si mesma – Não há razão para temer uma tempestade boba.

O menino morto riu do que ela disse, como se tivesse ouvido.
– Tem certeza? – ele disse, confirmado que havia ouvido – Uma vez um raio quase me matou. Se eu fosse você, sairia daqui enquanto ainda há tempo para isso.

Ela tentou chama-lo de frangalho, mas ela mesma estava se queimando por dentro para não correr feito uma louca. Ela olhava para o céu, que cada vez ficava mais negro e tempestuoso. Era como se pela primeira vez encontrara o medo de morrer, algo que nunca havia presenciado não importando quão ruim a situação estava.

Ela olhou para o garoto, mas ele não estava mais lá.

Estou ficando louca – disse a si mesma procurando pelo professor Sheep, que já havia terminado a palestra e deixado os jovens da turma tirarem fotos ao redor e conversarem livremente - mais do que de costume. Antes que pudesse encontra-lo, Suzana e Sabrina encontraram ela primeiro.
– Lizie? – disse Sabrina – Com quem você estava falando? – disse ela preocupada. Sabrina tinha essa preocupação com pessoas possivelmente loucas (muita preocupação no caso de Elizabeth, que era frequentemente flagrada falando sozinha).

Elizabeth ficou sem jeito. Ela queria falar a respeito do garoto morto (o fato de Sabrina e Suzana não terem visto ele confirmava o fato de que ele era um fantasma, embora Elizabeth não soubesse o porquê dele ter vindo falar com ela), mas sinceramente, quem acreditaria? Ela duvidou que Sabrina e Suzana fossem fazê-lo.
– Eu... – ela fez o que fazia quando ficava nervosa. Limpou os jeans, passou as mãos nos cabelos, limpou a área entre o nariz e o lábio superior onde costumava suar e olhou para o céu (a última a deixando ainda mais preocupada). Foi quando ela ouviu, um som que a ensurdeceu e deixou sua visão branca.

Um raio caiu do céu na direção do obelisco. Ele tocou uma possa d’agua, quase que eletrocutando todo o lugar. Elizabeth mordeu o lábio para não gritar, se contentando em tapar os ouvidos. Quando abriu seus olhos e se acostumou com a visão, várias crianças já estavam correndo e gritando, e Sabrina tentava conduzir ela e Suzana para longe do lugar enquanto ela ouvia o professor Sheep tentando fazer os alunos se acalmarem e seguirem na direção do ônibus.

Foi quando Elizabeth sentiu algo mudar sob seus pés. Era como se uma engrenagem tivesse estalado sobre eles, ao mesmo tempo estalando em sua cabeça.

O lugar no qual o raio tocara se abriu no chão, de lá, saiu uma espécie de estátua mecânica feita de bronze. A estátua era uma espécie de cavalo enorme. Quando ela finalmente emergiu do chão, o cavalo relinchou, acendendo milhares de pequenas chamas ao seu redor até ficar dourado e flamejante, como um pokemon chamado Ponyta, só que em uma versão muito maior e assustadora. O cavalo relinchou, Sabrina continuava tentado puxar Elizabeth que estava completamente desnorteada, conseguindo apenas encarar a estátua enquanto ela vinha com fúria em sua direção.


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