O futuro é construído pelas nossas decisões diárias, inconstantes e mutáveis, e cada evento influencia todos os outros.- Alvin Toffler.

A palavra ainda reverberava por sua cabeça.

—Filha... Oh, por Aslam! é você mesmo. - a mulher tomou a garota num abraço apertado. - Você se parece tanto com seu pai. - disse Jordana ao se afastar da moça, que a fitava atônita.

—Desculpe-me, mas quem é você? - a pergunta saiu rápida, afiada e paralisou a rainha. Todos assistiam á cena sem reação, até mesmo RipChip, que há pouco cantava uma de suas animadas canções, encontrava-se paralisado ao lado do rei Pedro e de Allessandra, tudo parecia ter parado, a pequena tripulação que acompanhara o rei na aventura até a ilha de Myriades não se movia, até mesmo o vento estava parado.

—Você não me reconhece não é? - com um sorriso triste, a mulher acariciou o rosto da filha, que parecia assustada. - Também, como poderia? Fora levada ainda tão pequena. - o fechar os olhos, Jordana reviveu o momento que até agora considerava o pior de sua vida.

Mariana ainda podia sentir a dor daquela mulher penetrar em sua entranhas, assim como a sua própria. Sua mente rodopiava pelas imagens do homem que deveria ter sido seu pai e sequer tiver a chance de conhecer; e por aquele que lhe causara tanta dor... Kyron.

Após o momento de silêncio que se passou, o rei X guiou as duas mulheres até o seu camarote, na parte inferior da navegação, pediu que se sentissem a vontade e saiu.

—Como você pode ser minha mãe? Eu sou órfã, fui criada em um orfanato. - a garota riu, histérica em seu próprio pânico.

—Você não é órfã, querida. - a rainha de Myriades caminhou até a cama, e sentou-se ali, olhou para um espaço vago ao seu lado num pedido mudo para que Mariana sentasse ali. A garota o fez. - Eu estive esperando por você todos esses anos, na esperança que estivesse viva... Kyron tirou você de mim antes que eu pudesse vê-la crescer. - uma lágrima escorreu pelo rosto da mulher, Mary manteve-se quieta, ouvindo-a. - Na noite em que nasceu, Kyron armou uma emboscada para seu pai e o matou num ataque falso em alto mar, quando voltou para casa você já havia nascido... Linda, saudável, uma verdadeira princesa, - ela sorriu terna, fitando Mariana. - ele sabia que você assumiria o trono e não aceitou a ideia, raptou-a e lhe deixou no orfanato em que você cresceu; eu fui trancafiada no calabouço do castelo, já que lhe faltara coragem para me matar.

Mariana pôs-se de pé e andou até a porta, com as mãos na cabeça sentia que seu mundo desabava de uma forma incontestável e não havia nada que pudesse fazer para reverter o processo. Com um suspiro trêmulo, a garota virou-se para linda mulher sentada ali, fitando-a com toda a esperança do mundo, como se uma simples resposta pudesse fazer sua vida mudar. E poderia.

—Eu... Eu sinto muito, mas não sei o que devo dizer. - confessou a jovem, envergonhada. - Tudo o que sempre quis foi uma família, pessoas que me amassem de verdade, e agora que a senhora chegou e me disse tudo isso, não sei como agir, perdoe-me, mas eu preciso pensar... - a rainha assentiu, já imaginando que receberia uma resposta como esta.

—Terá o tempo que precisar querida. - a baixinha assentiu e deixou o quarto.

Ela ainda estava ali, refletindo sobre tudo o que acontecera em tão pouco tempo, seus pés tocaram a grama macia do jardim real e por um momento Mariana desejou ser diferente, ser outra pessoa, uma pessoa melhor, que tivesse outro passado e quem sabe um novo futuro?

Vozes abafadas pela distância despertaram sua curiosidade, mais uma vez ela se esgueirava em meio às folhas para ver o que se passava próximo a uma árvore grande e frutífera, Allessandra e Pedro conversavam, com sorrisos estampados no rosto era notório que ambos estavam apaixonados, bastavam apenas que dissessem isso.

—Ainda bem que cheguei a tempo, então. - provocou o loiro, vendo a garota fechar o sorriso e fitá-lo emburrada, ele riu. - Bobinha, é brincadeira. - ele apertou-lhe a ponta do nariz, ela riu. - Você é uma ótima guerreira.

—Claro que sou. - ela deu de ombros, rindo da expressão incrédula que o antigo rei fazia para ela. - Mas você também é um pouquinho. - eles riram. - Conte-me, está sentindo falta da Inglaterra? Deixou alguém lá? - a pergunta fora ambígua, ele sabia, por dentro sorriu ao notar que não era o único interessado por ali.

—Para falar a verdade, não. - confessou, vendo-a se surpreender. - Estava trabalhando em um projeto que meu pai deixou, mas não era o que eu queria, não parecia certo... E bom... As únicas pessoas que me restaram após a morte de meus pais foram meus irmãos, então... Não deixei ninguém. - respondeu, vendo-a fitá-lo com um brilho estranho nos olhos.

—Desculpe-me, eu não queria falar sobre seus pais...

—Não se preocupe, já faz tempo. - ele tentou sorrir, ela engoliu em seco. Seus olhos capturavam toda e qualquer atenção para si; verdes, brilhantes, meigos... Esses eram os olhos de Pedro Pevensie, o antigo Rei de Nárnia.

Para ele, era a moça mais encantadora, meiga e inteligente que já vira; uma guerreira frágil, uma destemida mulher. Uma brisa quente, soprada pelo mar embalava o desejo de algo que há muito se esperava, ele queria Allessandra, ela já o amava. Num segundo de insanidade, ou talvez de sanidade total, eles uniram seus lábios em um, deixando que um sentimento novo tomasse as rédeas da situação.

Os lábios moldavam-se com perfeição e doçura, as mãos da garota foram parar nos ombros largos do jovem guerreiro, ele por sua vez, perdeu-se na maciez dos cabelos dela enquanto sentia seu coração acelerar com o beijo.

—Hum-hum. - alguém pigarreou, chamando atenção do casal, que pareceu desconcertado sob o olhar avaliativo do visitante. - Perdoem-me atrapalhar majestade, mas o rei Caspian requisita a presença de todos na mesa de jantar para um comunicado.

Enquanto os atrasados não chegavam, Caspian caminhava de um lado para outro em frente a janela, a lua estava alta no céu, por um momento lembrou-se de seu mentor, ele sempre lhe falava sobre as constelações e seus significados. Uma estrela brilhava mais que as outras, atraindo atenção dos olhos curiosos do herdeiro do trono de Cair Paravel, o astro brilhava tão intensamente que ele podia jurar que a tocaria em algum momento.

O som de passos atraiu sua atenção para dentro do castelo, Lucy, Isabele, Edmundo e Susana acabavam de chegar, todos o cumprimentaram cordialmente, mas apenas a rainha Gentil foi mais além. Aproximando-se do rapaz, que retornara sua atenção para o céu, ela sorriu ao contemplá-lo.

Caspian era lindo, um homem com atributos capazes de fazer qualquer mulher se apaixonar, ou ao menos desejá-lo, ela não era diferente. Sabia de sua beleza e do cargo que ocupava ali, isso lhe dava a certeza de que ele seria seu pelo tempo que quisesse.

—Um beijo pelos seus pensamentos. - de forma audaciosa, ela se aproximou do moreno, que voltou seus olhos para ela. Ele sorriu envergonhado e demorou a responder. Afinal, o que deveria dizer? Sua mente estava tomando um rumo estranho, que ele desconhecia. Ao olhar mais uma vez para estrela a imagem dela preencheu sua mente. Flashs do momento em que a conheceu dos olhos assustados e curiosos transfonando-se em ferocidade, do sorriso que ela dera ao conseguir derrotá-lo na luta de espadas, no quanto seu coração deveria estar magoado agora.

—Em nada, apenas admirando a noite. - mentiu, não poderia contar a ela sobre seus reais anseios, não depois de tê-la deixado sem resposta para a proposta de casamento indireta que fizera em outra noite.

—Me diz a verdade Edmundo, você comeu o doce que eu havia pegado, não foi? - Isabele fitava o rei com uma expressão zangada, enquanto o moreno tentava não rir. Ele havia surrupiado o docinho que ela pegara para comer escondida em seu quarto, Lucy fitava os dois com uma expressão satisfeita no rosto. Ela sabia que iria acontecer, mais cedo ou mais tarde.

—Não fiz nada, senhorita. - ele optou para formalidade como pretexto para desarmá-la. - Como ousa acusar o rei de algo tão grave? - funcionou imediatamente Izzy arregalou os olhos e por pouco não caiu da cadeira ao perceber que poderia ser presa pelo ato que fizera.

—E... Eu... - o riso escandaloso do jovem Pevensie a fez ficar estáticas por alguns segundos, tentando assimilar que aquilo era apenas uma brincadeira. - Você é um bobo mesmo. - ela crispou os lábios, fazendo com que Lucy risse da atitude dos dois.

Não era de hoje que ela os observava, sabia que o irmão estava interessado na garota brincalhona, ele nunca agira de forma tão pura e ingênua com alguém, nem se mostrara com tanta facilidade também. Edmundo amava Isabele, precisava dizer isso a ela, e se não o fizesse logo, Lucy o ajudaria a fazê-lo.

—Perdoe o atraso, majestade. - Allessandra disse ao chegar no salão, ao seu lado Pedro sustentava um sorriso gigantesco, todos notaram o que havia acontecido mas não comentaram, deixariam para um momento mais oportuno. Júlia seguia com RipChip em seguida, Benson estava terminando seus trabalhos e logo iria se recolher. Agora faltavam apenas Mariana e Jordana.

O Rei X sentou-se à cabeceira da mesa com Susana em seu lado esquerdo, sobrara duas cadeiras no lado direito, um momento se silêncio se fez quando o início da fala de Caspian fora interrompido pela chegada abrupta de Mariana e Jordana, as duas pediram desculpas e sentaram-se nos lugares ao lado do rei. Katy começou a servir o jantar, o silêncio ainda prevalecia, todos encaravam Mariana, que ainda mantinha o olhar vago.

Após terminar de servir, os criados retiraram-se do salão, deixando todos á vontade.

—Bom... Eu pedi que nos reuníssemos para fazer um breve comunicado. - os corações da Rainha Gentil, e da antiga plebeia dispararam. As imaginações de ambas embarcaram para um único assunto, ele pediria Susana em casamento. - Depois desse dia exaustivo e de tantas revelações, comunico que alguns soldados da tropa real foram enviados para ilha de Myriades, com o consentimento da rainha de lá, - ele apontou para Jordana, que nem parecia a mesma mulher maltrapilha que eles trouxeram á bordo do Peregrino da Alvorada. - eles receberam ordens de caçá-lo e prendê-lo, portanto, logo a ilha poderá ser retomada pela verdadeira Rainha. - todos aplaudiram o comunicado, exceto a segunda mais velha dos Pevensie, sua expressão chegava a ser medonha diante da confusão.

— Isso é maravilhoso, Caspian. - Lucy manifestou-se. - Jordana poderá enfim assumir seu lugar de direito, e teremos paz no reino. - ela sorria encantada com as possibilidades.

—Paz? - Susana manifestou-se. - Kyron não o único a semear a discórdia pelo reino. - enquanto bebericava seu vinho, mantinha os olhos presos em Mary, que prestava atenção em tudo ainda em silêncio. Havia uma batalha ali; ambas sabiam disso. Mary lutava contra os ataques indiscriminados da tal rainha Gentil, Susana lutava pelo que acreditava ser seu território.

—Por que diz isso, irmã? - Pedro questionou, preocupado com a constatação da moça.

Júlia, que até agora se mantivera silenciosa e pensativa, observava as reações de todos e no momento em que seus olhos astutos pousaram sobre as duas mulheres, ela soube que algo bom não sairia.

—Ora essa Pedro... Tem pessoas que não se enxergam... Nota-se que são desnecessárias, mas continuam insistindo em se manterem por aqui. - ela sorriu cínica.

—Ah, isso é verdade. - Mariana resolvera falar, precisava se defender no jogo daquela mulher. - Algumas pessoas não sabem ser gentis com as outras, e mesmo assim insistem em se manter com o título.

—Olha aqui, garota... - a rainha enfim alterou a voz.

—Já chega! - Caspian interveio, olhando abismado para ambas as mulheres. Mariana mantinha o olhar feroz, o mesmo ao qual ele se lembrava, Susana parecia prestes a pular sobre a moça. - O que está havendo aqui?

—Sinceramente, eu não sei. - Mary falou. - Mas não se preocupe, vai acabar antes mesmo de começar.

—O que quer dizer com isso? - Júlia, Edmundo e Isabele perguntaram juntos, curiosos com o que viria a acontecer.

—Nós viemos parar aqui por algum motivo, que agora eu sei qual é. - Mary pôs-se de pé, fitando a todos. - Chegamos juntas, perdidas e sem saber o que fariam conosco, mas tudo parece tão encaminhado agora... Allessandra e Pedro, Júlia e Benson, Isabele e Edmundo... Cada uma de vocês encontrou alguém por quem viver, por quem lutar. - ela sorriu docemente. - E eu também...

Os olhos de Caspian arregalaram-se, o coração acelerado para saber á quem ela se referia.

—Eu ganhei novos amigos, pessoas maravilhosas... Encontrei alguém que... Bom, não vem ao caso. - ela engoliu em seco, por pouco não falara demais. - Encontrei um reino, uma mãe... Ganhei uma família. - Jordana levantou para abraçar a filha de lado.

—Aonde quer chegar, Mary? - Caspian questionou aflito.

—Eu vou embora. - o choque perpassou por todos, deixando-os de olhos arregalados, até mesmo Susana estava surpresa com a revelação.