Chovia forte. As pessoas na rua andavam depressa e cheias de agasalhos e guarda-chuvas. O céu quase não se era avistado, já que estava coberto de nuvens escuras. A chuva parecia ainda mais tensa pelo reflexo da janela do quarto de Lily. Ela observava tudo atentamente, sem tirar nem por um segundo os olhos das gotas frias de chuva que caíam pela sua janela. Ela gostava de apreciar coisas assim. Poderia passar uma eternidade só observando as paisagens, os lugares, e tudo que a natureza tinha de melhor.

Lily não se achava parecida com as outras garotas que conhecia. Com seus cabelos totalmente lisos castanhos, os olhos azuis penetrantes, a pele clara e o corpo magricela, ela com toda certeza não poderia ser confundida com uma estudante da Escola Marie Brooke, em Londres. Mas Lily gostava de ser assim. Gostava de não ser percebida na multidão, de não ser notada, de ser sempre esquecida. Era mais fácil viver assim, do que tentar fazer amigos que não seriam seus amigos de verdade.

Mas aquilo tudo era falso. Como uma máscara. Lily não era assim de verdade. Na escola, era a garotinha tímida, enquanto na Academia de Artes Modernas, que frequentava, era conhecida por todos e tinha dentre vários alunos, muitos amigos. Ela preferia muito mais pintar um quadro do que sair para uma festa. E se orgulhava disso.

— Senhorita Jackson, pode me responder o que acabei de perguntar?

Lily virou-se imediatamente. Não percebera que o professor Kingsley, da aula de história, a estava chamando. Enquanto tentava arranjar um jeito de não levar detenção por não prestar atenção à aula, pode ouvir as risadinhas fúteis de Mary Stewart, a patricinha idiota da escola.

— Hã, eu... — Lily tentou falar, mas não fazia ideia do que dizer. — Não sei. Sinto muito, sr. Kingsley.

Ele pareceu estudá-la por um momento, o que a fez quase corar.

— Vou deixar passar dessa vez. Mas, se isso voltar a acontecer, você irá pegar detenção por “viajar” na minha aula. Está entendido?

— Sim senhor.

Kingsley quase sorriu. Voltou a explicar sobre a segunda guerra mundial, enquanto Lily tentava dessa vez, não dormir na aula.

♥ ♥ ♥

Quando chegara em casa, Lily fora direto para o quarto, pegara uma toalha e entrara como um furacão no banheiro. Não via hora de poder ir logo à Academia de Artes Modernas, onde tinha uma vida boa de verdade. Enquanto sentia a água quente e confortável do chuveiro, não podia deixar de pensar no último pesadelo que tivera. O jeito como seu “herói” a matara, a deixava totalmente aterrorizada. Aquele mesmo pesadelo a assombrava desde os 12 anos, quando ela ficara perdida em uma caverna, quando fora em uma praia com a mãe e o pai.

Colocou uma calça jeans qualquer, uma blusa do famoso “Keep Calm” e uma jaqueta jeans. Como sempre fazia, calçou seu tênis All Star de cano longo, prendeu os cabelos em uma trança desajeitada e pegou o bloco de artes e o estojo, logo saindo do quarto.

— Querida, já está indo? — disse sua mãe, a olhando quase com súplica, para que ela pelo menos fizesse um lanche. — Coma alguma coisa antes, deve estar com fome.

— Não quero nada, obrigada mãe — respondeu Lily, mostrando-lhe um sorriso torto e saindo de casa.

Foi diretamente para a garagem, pegou sua bicicleta e começou a pedalar em direção a seu lugar favorito. Ela nem via a hora de poder ver seus amigos novamente, poder pintar tudo que quisesse, e, principalmente, poder olhar a linda vista do jardim da Academia, coisa que ela amava fazer.

Assim que chegou ao grande local, colocou sua bicicleta na garagem da Academia e subiu as longas escadas, já vendo a janela grande do terceiro andar, onde era sua sala. Quando pisou no último degrau da escadaria, sentiu uma coisa molhada tocando seu rosto. Percebeu que era uma gota d’água, e, olhando para o céu, viu que chovia. Correu até o interior da Academia, e foi até a área de elevadores, entrando no primeiro e apertando o número “3”.

Quando as portas douradas do elevador se abriram, Lily se emocionou. Seguiu andando, até a porta de mármore prateado, onde podia-se ler “Ala de Artes 5”. Entrou, o coração a mil, e quando foi ver, Ashley já a estava sufocando com seu abraço de sempre.

— Até que enfim você chegou! — ela suspirou. — Achei que não fosse vir hoje! Eu preciso muito falar com você!

— Aconteceu alguma coisa? — disse Lily, um tanto nervosa com o tom de voz de Ash.

— Nada exagerado, mas é que o sr. Lemon disse que teremos um aluno novo na aula. Quem você acha que pode ser?

Sua animação não estava escondida. Ela não parava de sorrir e parecia já estar apaixonada pelo aluno novo, antes mesmo dele chegar.

— Não deve ser ninguém importante. — Lily disse, tentando não parecer nervosa. — Mas enfim, a aula já começou?

— Ainda não. Estamos esperando o sr. Lemon voltar com as pastas dos antigos trabalhos.

— Ah.

Lily sentou-se junto de Ashley em um pufe, enquanto observavam a paisagem do jardim da Academia.