Sociedade Anônima dos Livros escrita por SuzugamoriRen


Capítulo 2
Capitulo 1: Um prólogo muito longo, parte I




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KAI

Era noite na cidade que nunca dorme ou assim consideravam os meios de notícias quando o assunto referia-se a São Paulo. Ela, sendo a maior cidade do Brasil com mais de treze milhões de habitantes, sem contar com a região metropolitana ou o falado ABC paulista, com certeza tinha seu charme. No entanto, eu observava a capital econômica do Brasil de outra maneira. Não considerava a cidade boa para se morar, em compensação, entendia que ela era a cidade onde se você possuísse talento, se daria bem. Uma cidade que lhe entregava diversas opões de escolhas, e ao optar por uma delas ou você iria ao fundo do poço ou a glória nacional.


E foi assim que consegui realizar meu sonho, de misturar o pop brasileiro com o crescente ritmo que surgiu na Coréia do Sul e se propagava pelo mundo, principalmente após as diversas guerras que assolaram o planeta nesse meio tempo de conquistas. Aproveitei a receita dada, a fórmula do sucesso pronta e somente com um estímulo o mercado brasileiro estaria aberto a esse tipo de música. O povo ansiava por algo original, por algo que digamos, seria nascido dentro de nosso país e que dava uma identidade nacional. O conhecido Funk era criticado pelas massas, mesmo que ainda tivesse letras condizentes com a realidade – coisa que reconheço, só vi dois fazendo isso, aumentando as críticas fortíssimas e com a devida razão. O segundo era o samba, que eu gostava… Adorava Arlindo Cruz ou até mesmo o pagode do Zeca Pagodinho. Terceiramente vinha o axé e por ai vai. Nada que abraçasse a população como um todo.


E que tal uma mistura de tipos de música que dariam em algo original?


Foi nisso que eu pensei, foi nisso que eu apostei e com isso, hoje, sou chamado do príncipe brasileiro do pop. De frente para a janela de minha suíte na Avenida Paulista eu solenemente brindei em homenagem a cidade das oportunidades, a cidade que me deu essa chance de brilhar na indústria da música.


Tomei mais um gole de vinho tinto que encomendei diretamente da Itália – sim, sou chique, meu bem – e voltei para o sofá da suíte. De roupão e sandálias havaianas, eu descansava de um exaustivo treino para minha coreografia da mais nova música que compus. A música era em lembrança as vítimas da guerra que assolou o mundo, mas tornou o Brasil numa das doze potências. E elas veriam meu show no estádio do Morumbi. Os doze homens mais poderosos do mundo: os presidentes dos Estados Unidos, Brasil, França, Itália, África do Sul e Índia. Os reis da Arábia Saudita e Inglaterra. O czar da Rússia e os imperadores da Alemanha, China e Japão.


Você deve estar estranhando. Eu estranhei. Todos estranharam que ao passar das guerras, a Alemanha e China se tornaram impérios e a Rússia voltou primeiramente a um regime semidemocrático, para depois se tornar um império com um czar. E talvez para legitimar seu poderio, foi dali que se iniciara a sequência de medidas polêmicas, dentre elas, o renascimento do Índex. Eles não queriam uma nova geração de pensadores, não queriam uma geração que contestasse seu poderio absoluto. E como vencedores, impuseram isso ao conselho de segurança da reformulada ONU. Os Estados Unidos foram contra por ser um país liberal, mas após seu povo estar cansado de se envolver em guerras com outros países pelo que eles fazem em seu próprio território, terminou deixando de lado. O Brasil foi um dos países que acataram a proposta e o primeiro a colocá-la em prática.


Só livros de história e de conhecimento científico – Física, Biologia e Química – poderiam ser publicados. Protestos se arrastaram pelo país, porém o Governo foi irredutível. Professores sumiram ou se exilaram, autores foram presos e impedidos de propagar suas ideias… A polícia era dura e cruel, com tudo e todos. O exército foi às ruas cumprir as decisões supremas e o caos tomou conta do país naqueles cinco anos desde a instauração da lei chamada Lei do Índex. Como a corda – fato histórico – sempre arrebentou para o lado mais fraco, o comodismo do povo falou mais alto. E, no Brasil, essa lei foi imposta com relativo sucesso.


E eu? O que estava fazendo enquanto tudo isso acontecia? Bem, podem me criticar, mas eu estava compondo minhas músicas, esperando a poeira baixar para me tornar conhecido. Mas veja bem, eu poderia ter morrido! Como meu amigo foi… Não possuía músicas de luto, pois minha marca registrada e meu lema era de trazer alegria e fazer as pessoas dançarem nesse estado de luto. Tenho certeza que ele iria querer isso, bem como usar parte de minha fortuna para fazer uma coisa bem perigosa, mas também…


Ouvi duas batidas na porta.


– Kai! Você está acordado? – uma voz feminina se disse presente.


– Sim Thai – eu respondo com um leve suspiro – Estou acordado sim e mesmo que não tivesse você me acordaria.


Escutei uma risada e uma bela morena com olhos cor de mel e um corpo de fazer inveja a qualquer mulher, talvez por que ela conciliava seu serviço com uma malhação regular e um treinamento semanal.


– Você está linda – ela estava com um vestido negro com uma fenda na perna esquerda e que caía muito bem nela. Seus cabelos se encontravam bem escovados e além do vestido realçar sua beleza, andava como uma princesa.


– Obrigada… Estava num jantar, mas não deu certo – ela suspirou – Mas queria conversar com você sobre uma coisa.


– Você realmente vai para Ibiza depois do show que fará no Morumbi?


– Sim, irei. Preciso curtir minhas merecidas férias. Estou cansado sabia? Sou humano também.


– Entendo… – ela abaixou a cabeça em sinal de negação e suspirou mais uma vez. Algo estava errado.


– O que foi minha linda? Algo lhe incomodando?


– Na verdade sim! – imediatamente levantou a cabeça e começou a caminhar em minha direção – Eu não quero ir para a Espanha! Já viu como eles tratam os brasileiros? Não gosto do jeito que tratam suas músicas também. Bem como sabe…


– Se acalme Thaís Duarte da Costa! – tive que dizer o nome todo daquela que estava em minha suíte.


Thaís Duarte da Costa era o que eu chamava de guarda-costas. Porém, para muitos ela era mais que isso. Uma amiga, uma confidente para todas as horas, ela me conhece desde o inicio da minha caminhada e se ofereceu para me proteger de tudo quando meu irmão se envolveu com as pessoas erradas e eu passei a ser visado. Eu dizia que ela era meu anjinho da guarda, que sacrificou sua vida por um inútil garoto das favelas de uma das poucas cidades que não foram afetadas pela guerra mundial, mas pelo o que veio depois dela. A guerra por poder. A guerra civil dentro das favelas.


Praticava várias artes marciais e ainda tirava tempo para fazer alguma coisa em secreto, o qual eu temia o que era, mas não queria imaginar. Ela era a pessoa a qual eu confidenciava todos meus medos, desde o evento que mudou minha vida. Ela parou após eu exclamar e gritar


– O que você deseja Thais? – disse com seriedade.


– Que você me desse férias – ela retrucou com uma decisão nos olhos que mostrava confiança em sua resolução – Preciso ajudar a resolver alguns problemas. Problemas esse que necessitam que eu esteja aqui e não na Espanha ou outro qualquer lugar.


– Algo que necessita dinheiro?


– Não, meu querido – ela deu as costas e se dirigiu a saída – É algo mais ideológico. Algo como uma sociedade secreta dos livros.


Fechando meus olhos, ouvi a porta bater e me lembrei da resposta que Thais havia me dito e acabei por fazer um sinal negativo com a cabeça. Tomei mais um gole do meu vinho, este mais longo até beber tudo da taça e me retirei em direção a minha cama que ficava a poucos passos de onde estava.


Deitei… E foi ai, talvez pelo efeito do vinho que comecei lembrar a vida difícil que tive em Salvador, capital baiana e local onde morei desde os dois anos de idade.


Meu pai era caminhoneiro nascido no estado do Rio Grande do Sul e minha mãe, sempre o acompanhava em suas viagens.


Até que um acidente, a altura da Rua da Inglaterra, dentro da cidade de Salvador, selou o destino de minha família. Meu pai foi considerado culpado e minha mãe, Maria, se viu a frente de dois filhos para criar… Como disse antes, tinha um irmão mais velho e que se chamava Pedro Paulo, todavia todos os amigos o chamavam de P ou Pedrinho Pepe. Trabalhando de empregada domestica, ela conseguira de algum modo nos criar e por para estudar e ler, sempre comprando livros no Sebo, baratinhos justamente porque não tinha dinheiro para mais nada. Tudo era contado. Tudo era certinho. Pedro – visando ajudar nossa preciosa mãe e eu – começou a escrever um livro sobre nossa vida. Sobre a vida em uma das três maiores cidades do Brasil no meio das guerras que assolavam nosso mundo. E esse livro se tornou um grande sucesso a sua época.


Mas com essa história de Índex ele sumiu. Não sei onde ele foi parar e sinceramente sabia que era hora para aceitar que não veria meu irmão tão cedo, se ele realmente tivesse vivo. Ele não iria sair assim, a céu aberto para se encontrar com um dos artistas mais conhecido do país, ainda que por vezes me pegasse pensando nisso.


A “morte” de meu irmão me fez mudar. Assim que terminei o colégio, investi de corpo e alma na carreira musica. Sempre gostei das musicas que via em sites da internet de grupos formados por seis, sete ou até oito componentes. Eles cantavam em um ritmo dançante. Além das letras, a coreografia eram o que chamavam mais a minha atenção e a parte daquele momento surgiu à ideia: mesclar o pop brasileiro com este tipo de música. Primeiro passo foi fazer um vídeo caseiro de sua paródia, compus uma música chamada “Break- up” e acabei por montar uma coreografia própria… Em dois meses, minha musica era a mais tocada e vista por toda América Latina. Como todo e qualquer artista, eu adotei um nome simples e de fácil aceitação: Kai.


Suspirei mais uma vez e esbocei um sorriso quando me lembrei da época que eu fui chamado para gravar um álbum em São Paulo e eu fui morar na capital paulista com meus sonhos em alta voltagem. Sem nunca me esquecer do que aconteceu, também nunca deixei minha mãe, a qual sempre fazia questão de mandar dinheiro para ela e a deixar vivendo como uma verdadeira rainha. Meio orgulhosa, continuava trabalhando apesar de minha atual fama e riqueza. Era uma pessoa que não conseguia ficar parada, nem por um minuto e ficara viciada nisso após o fatídico dia. Tudo para me fazer crescer e tornar o que sou hoje. Lamentava por meu irmão, mas a vida continuava.


Senti uma leve dor nas pernas depois de um breve período relaxado. Eram cãibras nas panturrilhas e a dor que vinha depois disso era insuportável, porém o que mais ele gostava era daquela dor. Porque ele fazia o que mais gostava: Dançar e cantar.


Foi quando meu telefone tocou, ao olhar o número não reconheci… Preferi atender porque aquele número não era conhecido de muita gente.


– Alô? – perguntei com um timbre trêmulo na voz.


– Thais! Thais!


Uma voz feminina que quase queimou meu ouvido precioso de tão alto que ela gritou.


– Quem gostaria de falar com ela?


– Ah! É o famoso Kai? – a garota parecia agir com naturalidade ao reconhecer minha voz - Desculpe, mas é que eu preciso dela aqui. Tipo, urgente!


– Ligue para ela, Oxente - meu sotaque baiano começou a atacar.


– Mas esse é o número que ela me deu…


– Mas esse é o meu número, o número dela é…


– Não precisa. Ela tá aqui. Prazer te conhecer – ela deu um suspiro – Irmão do líder.


E não imaginava que meus piores – ou melhores dias – começassem através daquela chamada.


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