Kuro Contos escrita por Tai Bluerose


Capítulo 5
O Conto do Túmulo Sussurrante


Notas iniciais do capítulo

Depois de um ano, estou de volta com mais um Kuro Conto. Este tem como personagem participante, nosso querido Undertaker.

Um presente para o mês das bruxas.

Espero que gostem.



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O Conto do Túmulo Sussurrante

Todos já haviam partido há muito tempo, e eu permaneci ali, sentada sobre os joelhos, ao lado da lápide de mármore novo, sofrendo a recente perda. A noite já se aproximava e o frio noturno já arrepiava os pelos do meu corpo.

Ouvi passos se aproximarem. Virei meu rosto com olhos ainda marejados e encarei o estranho coveiro atrás de mim. Ele usava vestes ultrapassadas e negras, e tinha compridos cabelos grisalhos. Parecia um ser de outro tempo, perdido no tempo, apartado do mundo fora dos portões daquele velho cemitério; e ainda assim, ele parecia uma peça perfeita daquele cenário tristonho e mórbido.

– O cemitério já está fechando minha jovem – a voz dele soou estranha, alguma coisa entre languidez e indolência.

– Por favor, senhor, só mais uns minutinhos – implorei, torcendo o lenço úmido por causa das lágrimas.

O coveiro olhou para mim, ou pelo menos penso que o fez. O chapéu de camurça puída que ele usava, tinha abas grandes, e projetavam uma sombra sobre seus olhos. Então, ele sorriu. Um sorriso enorme e verdadeiro, que julguei malicioso e cruel, um desrespeito diante a minha imensa dor naquele momento.

– Você tem dez minutos, depois disso vá embora. Fecharei os portões.

Eu meneei minha cabeça afirmativamente, mostrando que havia entendido e pronunciei um agradecimento triste.

– Não fique muito tempo com os mortos, minha jovem, ou pode ser confundia com eles.

O coveiro sorriu novamente, como se aquilo fosse de algum modo reconfortante para mim, e se afastou, perambulando pelas lápides.

No entanto, era exatamente assim que eu me sentia naquele momento, como se estivesse morta também. Minha vida não fazia mais sentido, e tudo o que eu conseguia sentir era o gosto amargo da tristeza. Demorei mais uns cinco minutos e resolvi ir, antes que o coveiro viesse me expulsar.

Dei adeus à lápide, como se estivesse me despedindo da pessoa que ela representava. Levantei-me com dificuldade, e tive a estranha sensação de que, se demorasse mais um pouco ali, eu me enraizaria no solo e me tornaria parte do cemitério. Caminhei em direção à saída com o desânimo de quem está extremamente adoentado, à beira da morte, no meu caso, isso até parecia uma ideia boa. Colocaria fim ao meu sofrimento.

Nem me dei conta de como já estava escuro, aqueles dias todos estavam enegrecidos para mim, eu não via mais a diferença entre o dia e a noite. Também não notei que eu havia voltado a chorar e a soluçar, agradecendo por estar sozinha, e ninguém poderia me ouvir gemer de tristeza.

Enxugava os olhos com as costas das mãos quando escutei um clamor quase inaudível. Um sussurro distante. Julguei estar imaginando coisas, mas a voz voltou a se fazer ouvir. Um pedido de socorro, abafado e desesperado.

– Tem alguém aí? Você pode me ouvir? Por favor, me ajude?!

A voz parecia fraca e distante. Não era alucinação minha, eu sabia que havia alguém ali perto, desesperado.

– Onde você está? Não consigo te ver, nem te ouvir direito.

– Estou em um dos túmulos, não sei qual. Um homem horrível me sequestrou e me prendeu aqui. Pelo amor de Deus, me tire daqui! Estou com medo. Não quero morrer aqui.

Que horror! Como alguém poderia ser capaz de tamanha crueldade? Pedi para que ela continuasse falando, para que eu pudesse seguir a sua voz. Aproximei-me do túmulo onde a voz era mais audível, e podia ouvir o barulho dela socando a madeira. Pedi para que ela esperasse, pois eu iria em busca de ajuda.

– Não me deixe sozinha. Por favor, não me deixe aqui!

– Não vou deixá-la. Mas preciso de ajuda para tirá-la daí. Eu volto, prometo que volto.

Meu coração pulsava como nunca. Corri em meio ao labirinto de lápides, me perdendo na neblina. Gritava pelo coveiro, gritava por qualquer um, mas não encontrei ninguém. Com horror descobri que o portão já estava trancado, com uma corrente muito grossa e um cadeado do tamanho da minha mão. Entrei em desespero, uma pessoa estava correndo perigo de vida, seu suprimento de ar lá embaixo poderia acabar a qualquer momento. Eu não poderia perder mais uma pessoa, eu não suportaria. Balancei o enorme portão e gritei a plenos pulmões, mas o tilintar das correntes e o som dos meus gritos se perdiam nas ruas vazias.

Voltei para onde ficava a casa do coveiro, nem sinal dele ainda. Não havia luz, nem telefone à vista. Eu não conseguia ver mais do que pilhas de caixas e pedaços de madeira amontoada. Com dificuldade, encontrei uma pá e corri de volta para o túmulo em que estava a garota. Quando eu falei, pude ouvi-la chorar de alegria, provavelmente pensava que eu tivesse ido embora. Era eu sua única esperança.

Sua última esperança.

Eu não sabia há quanto tempo ela estava ali, por isso casa segundo era precioso. Ela estava desesperada e não parava de chorar. Eu pedia para ela se acalmar, pois só conseguiria consumir mais do seu já escasso ar com todo aquele choro.

Eu nunca havia usado uma pá em toda a minha vida, mas atingia o solo com força e jogava a terra longe tão rápido quanto eu podia. Quanto mais terra eu tirava, mais alto ficavam a voz e o choro dela.

Enfim atingi a madeira!

Não era um caixão comum, era uma enorme caixa de madeira. Ao perceber que eu finalmente a tinha alcançado, ela começou a bater na tampa, e agora eu podia ouvi-la nitidamente. Sua respiração descompassada puxava o ar com pressa, reação instintiva de quem tem gana de continuar vivo. Eu encaixei a ponta da pá entre o espaço estreito da tampa e a forcei, até que ela se desprendeu. Retirei a tampa e um gás fétido escapou de dentro da caixa, queimando os meus olhos e deixando em minha boca um gosto pútrido.

Fiquei estarrecida. Meus olhos, ainda ardendo, não acreditavam no que viam. Dentro daquela caixa havia uma pilha de ossos, os quais julguei pertencer a esqueletos, e um único corpo, do que parecia ter sido uma mulher, estava em avançado estado de decomposição.

A voz havia cessado.

Eu a ouvira falar, eu a ouvira bater contra a madeira. Mas não havia ninguém ali. Pelo menos ninguém vivo. Um frio intenso desceu por minha espinha, eu estava tão apavorada que não conseguia me mover.

O golpe atingiu a minha cabeça.

Quando acordei, tudo o que eu conseguia perceber, além da dor na parte de trás da minha nuca, eram os ossos sob meu corpo, e o som de terra sendo jogada sobre a madeira. Um sorriso ecoou do lado de fora e a voz do coveiro soou:

– Não dê ouvidos aos mortos, minha jovem, ou você se juntará a eles.

Eu gritei e gritei, até minha garganta sangrar. Mas eu sabia, de nada adiantaria, minha voz não passava de um sussurro sob a terra.


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Notas finais do capítulo

Leitores que me conhecem: estou escrevendo, estou escrevendo >.< ....Quero agradecer a todos os comentários e mensagens de incentivo. Amo vocês.
...
Então, o que acharam do conto? Lembrem-se que eu não sou Poe, peguem leve comigo. Beijos e até o próximo Kuro Conto.
Tai ^-^/



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