Stray Heart escrita por Kiyuu


Capítulo 16
Fantasy


Notas iniciais do capítulo

Olha só quem não morreu!! Sim, finalmente escrevi essa coisa. O mais inacreditável é que estou em plena semana de provas e escrevi praticamente 3/4 disso aqui nessa semana. Hahaha.
Eu não vou falar nada sobre a demora, porque fica repetitivo dizer que eu estava ocupada e etecetera. Só vou comentar que eu estava preocupada com outra fic, do blog desafiosparaficsdehetalia, e só depois de terminá-la que pude escrever essa aqui.
Acredito porém que não vão se decepcionar muito em relação ao rumo dessa história, nesse capítulo. Ou vão, mas isso não importa. De qualquer forma, boa leitura!!



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Arthur não estava com a menor vontade de sair e ir cumprimentar o seu irmão. Ele provavelmente também não fazia questão. Mas Elizabeth, como mãe, queria ver os dois filhos juntos e de bem – o que dava no punk vontade de rir. Ele só não podia fugir dali porque ainda precisava pagar dois dias da sua pena do castigo.

Scott não tinha mudado nada, apenas havia ganhado mais bronze na pele. Continuava com os mesmos cabelos ruivos, que vinham da parte do falecido pai dos garotos Kirkland, no mesmo corte e com os mesmos olhos verdes, um pouco mais escuros do que os de Arthur. E ainda tinha cheiro de cigarro.

– Mãe, não acredito que você deixou esse pirralho pintar o cabelo – Foi a primeira coisa que o ruivo disse ao ver Arthur. – Não me diz que tá pintando as unhas também, flor.

– Flor é o murro que vou dar na sua car...

– Arthur, não comece uma discussão.

O mais novo olhou indignado para a mãe. Quem começou foi ele!, quis berrar, infantilmente.

Que bom te ver também, Scott – Rosnou Arthur, mais cínico impossível.

– Isso, seja educadinho, maninho do meu coração. – E deu um tapinha demasiadamente forte nas costas do outro, que quase devolveu com um soco.

Tinha que se manter quieto, no entanto. A sua mãe sempre ficava ao lado de Scott nas discussões, talvez porque ele fosse mais velho, e de acordo com ela, tivesse mais maturidade. Mas Arthur sabia que ele não era nem um pouco maduro, por mais que tentasse demonstrar aquilo com os seus cigarros, bebidas e mulheres, a tal “vida de adulto” à qual se referia.

Então ele apenas ignorava, com muito esforço, os desaforos que o ruivo lançava em sua direção.

O almoço em família fora, fazendo uso de um eufemismo, desconfortável. Scott não tinha nada de interessante para falar sobre a faculdade, e apenas comentava sobre as praias às quais tinha ido, sobre seus colegas de quarto e os tipos de garota com quem tinha namorado. Elogiou a comida da mãe, alegando que sentia um pouco de falta daquilo, porque só comia besteiras na Flórida. A comida devia ter um efeito químico que também só lhe fazia falar besteiras.

Arthur estava com o celular debaixo da mesa, na tentativa de se dispersar do irmão insuportável. Estava mandando uma mensagem instantânea para Alfred.

“Esse meu irmão é insuportável, ele só fala merda. Não mereço isso”

Ele esperou alguns segundos até que a mensagem fosse visualizada, e encarou pacientemente a tela até que Alfred respondesse alguma coisa.

Agora tá falando algo muito importante sobre a cerveja que vendem nas praias da Flórida”

Quatro minutos depois, Arthur ainda esperava uma resposta. Qualquer coisa. Se já visualizou, responde alguma coisa.

– Ô, Arthur, desde quando tu virou eminho? – Perguntou Scott, tomando um pouco do suco e fazendo uma careta. Talvez tivesse passado tempo demais tomando apenas álcool e refrigerante.

Arthur engasgou com o seu suco de propósito.

– Eu não sou eminho.

– Mas e esses brincos, e esse piercing de correntinha ridículo? – Apontou o ruivo com desprezo. – E esse cabelo vermelho com essa franja gay na cara? Isso é coisa de emo.

– É punk – Grunhiu Arthur, tentando não olhar para o irmão e conter a sua raiva dentro de si. Digitou outra mensagem no celular.

Alfred, se tá aí me responde!!!”

– Ah, tá, claro – Scott fez num tom de escárnio, o que fez o outro se virar para ele, pronto para soltar um desaforo. – Mas sabe, os punks que eu conheço são bem diferentes. Eles eram menos gays e mais hardcore... Ah, é claro, a mãe não ia te deixar raspar um moicano na cabeça.

– Isso não é da sua conta – Arthur começou, mas foi encoberto pela voz de Scott, que continuava falando.

– Eu conhecia um cara que tinha um moicano laranja, e tipo, ele nunca mudava de cor – O ruivo disse, como se estivesse casualmente conversando com colegas de bar. – Acho que quando conheci ele, ele tinha a tua idade. Se bem que nem parecia.

Arthur tirou os olhos do celular no momento que ouviu “moicano laranja”, e passou a prestar atenção no irmão. Certo, existem muitas pessoas no mundo que usam aquele penteado na cor laranja. Mas era alguém raro o bastante para fazer Arthur ficar alerta.

– Ele tinha cara de uns vinte, e vivia se metendo onde não devia com uns traficantes por aqui, junto com uma garota de cabelo rosa. Nem sei por onde anda – Ele deu de ombros. - Mas tu é um pirralho inocente demais pra sequer pensar nessas coisas, né – E mostrou um dos seus raros e breves sorrisos, apenas para acrescentar um pouco de humor sarcástico.

Arthur ficou parado, fitando o irmão com os olhos incrédulos. Não era possível. Naquela cidade, ele só conhecia um cara de moicano laranja e uma garota de cabelo rosa que se relacionavam.

Ou talvez não conhecesse tanto assim.

Scott terminou o almoço, e deixou que Elizabeth recolhesse todos os pratos sem mover um músculo. Ao invés disso, tirou do bolso uma caixa de cigarros.

– Nada de fumar aqui dentro! – Avisou a matriarca dos Kirkland.

O ruivo suspirou, mas não demorou a se levantar da mesa grosseiramente e ir em direção à porta dos fundos. Notou que Arthur veio logo depois, mas o mais novo só falou quando estavam do lado de fora.

– Scott. Qual era o nome desse cara?

– Ih, e eu lá lembro! – E deu sua tragada no cigarro.

Arthur pensou em falar. Mas Scott estranharia e muito se descobrisse que o irmão conhecia o punk antes citado. Porque se ele realmente fosse o que o ruivo disse... Se ele realmente...

Talvez fosse por isso que Drake nunca falava sobre o seu passado. E escondia as coisas de Arthur. E conhecia pessoas estranhas, e o confundia com aqueles papos de “resolver uns negócios que não são do seu interesse”. Ele precisava falar com o outro punk muito mais agora. Precisava tirar satisfações.

O mais novo ficou calado, mas resolveu furtar um cigarro do irmão, apenas para vê-lo olhar para si com um olhar pasmo e jogar na sua cara que ele não era um moleque tão inocente assim.

–-

O celular tocou o sinal de mensagem outra vez. Alfred fitou o seu aparelho, olhando o nome de Arthur. Estava mordendo o lábio e sentia uma espécie de calor esquisito no corpo.

Ele não sabia mais como falar com ele normalmente, ainda que fosse apenas por mensagem de texto. O garoto ficava muito nervoso apenas de pensar em Arthur, quanto mais falar com ele depois daquele sonho.

Claro que o punk não sabia nada a respeito, e Alfred jamais contaria. Ele não tinha culpa. Mas... Alfred não fazia a menor ideia de como olhar para ele como sempre fez. Ele não ia conseguir vê-lo só como um amigo, disso sabia. Só que provavelmente Arthur continuaria tratando-o normalmente. E isso iria causar um conflito. Talvez deixassem de ser amigos, se o loiro contasse. E voltassem a ser como eram antes, no começo do ano.

Mas, caramba, ele não queria isso! Ele queria abraçá-lo, e brincar com os seus cabelos. Queria vê-lo ficar vermelho quando ele lhe desse beijinhos no rosto. Ou poder assisti-lo dormir quietamente, sentindo a sua respiração. Segurar a sua mão. E tocar os seus lábios. E...

Você não vai me responder?????????” Arthur mandou, com o seu jeito típico de ignorar o internetês até mesmo nas mensagens de celular.

“hey,, uh, desculpa, art eu tava dorminod hahah”

“Mas você visualizou as mensagens!!!!!!!

Enfim

Eu ia te chamar... pra vir pra cá hoje, pra... A guitarra.”

“descupla art, eu nn posso sabe :(”

“Por quê????”

Ele demorou a responder. Precisava pensar numa boa desculpa.

“ahh eh q eu to tipo gripado :(“

“Ah...

Mas

O meu irmão tá aqui, então não ia dar pra você vir mesmo”

“td bem < 3”

“... Por que o coração?”

Ah, não, o acidental emoticon de coração.

n e um coração!!!!!!!

e um........ ciclope feliz”

“Hein????”

“> (

ciclope triste”

“...Ok, acho que você precisa trocar de óculos.

Então tá, vou ver umas coisas aqui. Falo com você depois talvez.”

Alfred pensou em dizer que já tinha trocado poucos dias atrás, por causa da briga em que se metera e rachara as lentes. Mas considerou que não seria uma boa ideia, já que sua mente não conseguia pensar em mais nada coerente, e apenas segurou o celular e ficou lendo e relendo as mensagens anteriores de Arthur. Todas as vezes que tentou flertar com ele por meio virtual deram muito errado. Era impressionante.

Ele definitivamente não sabia lidar com aquilo. Em estar apaixonado daquele jeito, como uma garotinha de colegial nos filmes românticos. E nem sequer sabia o que era mais difícil aceitar: Que era gay por Arthur, ou que era gay por Arthur.

Já tinha se rendido aos dois, na verdade. Porque sabia que, àquela altura, não tinha mais para onde fugir.

–-

Arthur estava irritado demais para sequer pensar sobre como Alfred estava agindo estranho. Ele largou o celular em algum canto da cama e inspirou o ar, soltando-o pela boca como se fosse fumaça.

Levantou-se de supetão e arrancou um par de calças e uma jaqueta do armário. Ele não se importava. Precisava sair de casa. Precisava tirar satisfações com o seu – agora entre aspas – “namorado”.

Checou se a sua mãe realmente estava dormindo. Depois, tentou descer as escadas o mais silenciosamente possível. E foi no terceiro degrau que parou quando sentiu olhos verdes sobre si. Estalou a língua e respirou fundo.

– Aonde cê vai, pirralho? – Indagou Scott, com uma lata de cerveja na mão e jogado no sofá na típica posição desleixada.

– Não é da sua conta – Resmungou Arthur, continuando a descer a escada e seguindo para a porta.

– Ô! A mãe disse que tu não podia sair! – Bradou Scott, da mesma posição.

– Eu trago cerveja – Declarou Arthur, e soube que a expressão do irmão mudou no mesmo instante. – Aonde eu vou tem muito, mesmo.

Scott até pensou em perguntar que lugar era aquele. Mas honestamente, ele não dava a mínima.

– Tá, foda-se – E voltou a cabeça para a televisão, onde duas mulheres seminuas dançavam sensualmente.

Arthur tomou aquilo como uma promessa de cumplicidade – ou melhor, troca mútua – e girou a chave sem preocupações. Finalmente, livre!

No entanto, a sensação de liberdade não foi o bastante para melhorar o humor do garoto. Ainda estava furioso, e aquilo parecia se agravar ainda mais, refletindo no clima e nas nuvens escuras que começavam a ocupar o céu do final da tarde. Ele nunca voltaria apenas para pegar um guarda-chuva. Quem se importava, afinal?

Notou que algumas pessoas que passavam ao seu lado na rua o encaravam um tanto assustadas, e ignorou-as enquanto ia até a loja de discos.

No meio do caminho, sentiu seu celular vibrar. Outra mensagem de Alfred. Guardou o aparelho de volta no bolso – não tinha tempo para falar com ele agora. Não era por mal, ele estava relativamente curioso para saber o que havia de errado com Alfred – e ele era muito burro se pensava que Arthur não tinha percebido isso -, mas havia tinha negócios a se resolver.

Assim que o sininho da porta daquela loja numa galeria do subúrbio tocou, o atendente que estava no balcão olhou em direção ao cliente.

– Boa tarde, posso ajudar? – Disse.

Arthur olhou para o rapaz, que de estilo punk só tinha um alargador espiral, com uma expressão impaciente. Ele foi até o balcão e apoiou as mãos sobre a superfície.

– O... Drake tá aí?

– Drake...? – O rapaz montou uma expressão confusa, e aparentemente demorou um pouco para se lembrar das informações. – Ah, ele não trabalha mais aqui. Eu sou o substituto.

Arthur abriu a boca, porém não disse nada, e apenas fitou o cara com uma ruga entre as sobrancelhas e os olhos semicerrados.

– Como assim? Ele trabalhava aqui, tipo, duas semanas atrás! – Protestou o de cabelos vermelhos, exaltado.

– Er, desculpa, mas tudo que eu sei é que o cara discutiu com o chefe e foi demitido...

O punk estava prestes a interrogar o pobre atendente outra vez quando outra pessoa surgiu de uma porta que ficava na área do balcão, carregando uma pilha de discos. Arthur já a vira por ali antes, porém precisou de alguns instantes para se lembrar do nome dela. Natalya, a garota de cabelos longos e platinados, instantaneamente se infiltrou na conversa:

– Ele mexeu com quem não devia, na verdade, e deu em merda – Ela disse, colocando os discos sobre o balcão. – O chefe não quer que ninguém desse tipo aqui na loja.

– Espera, desse tipo como? – Arthur perguntou, assustado.

– Traficantes. Caras das ervas – Ela deu de ombros. – O Drake era parte de uma trupe dessas uns anos atrás. Aí ele resolveu largar e voltar a estudar. Mas eu sabia que ia voltar pra essa de novo quando terminasse. Ele não tem jeito.

– O quê!? E... E como é que cê sabe tanto? – O garoto não conseguia reprimir a surpresa.

– Eu namorava com ele nessa época – Ela disse isso muito casualmente, mas Arthur nem soube como reagir. – Ele me deixou por aquela Lexi. Acho que eles terminaram pouco tempo depois, mas eu tô pouco me fodendo mesmo.

O Drake já tinha namorado a Natalya? E a Lexi?! Como ele não soube disso antes? O garoto não soube como reagir, e apenas ouviu a garota falar com uma expressão pasmada.

– Eu não falo mais com ele desde então, mas ouvi que ele arrumou um garoto do colegial de cabelo verde por aí. Acho que ele queria trazer mais gente pra essa trupe, e pegar o coitado do garoto foi o melhor jeito de poder convencer ele depois. Sinceramente, coitado. Ele não merece ter esse traíra do Drake arruinando seu futuro.

O outro atendente, até agora de nome desconhecido, notou como a expressão do garoto havia mudado tão rapidamente. Ele estava parado, incrédulo. Se prestasse atenção, podia ver a decepção nos seus olhos.

E Arthur se sentiu muito idiota. Extremamente patético. Um pedaço de lixo.

Tudo o que conseguiu perguntar depois foi se Natalya sabia onde eles estavam. Ela não parecia muito certa, mas disse que ouviu dizer que tinha uma festa na casa de Lexi naquela noite. Ficou um pouco desconfiada com a pergunta sobre o endereço, mas não hesitou em dá-lo.

O garoto assentiu, cabisbaixo, e agradeceu enquanto se virava em direção à porta.

Já devia saber disso desde o começo. Que Drake era alguém... Capaz de fazer algo assim consigo. Devia ter considerado melhor antes de subir naquela moto com ele. Mas ele estava encoberto por ingenuidade, e não prestou atenção naquilo. Porque é claro que qualquer um pode parecer boa gente na superfície, mas é preciso conhecer o tal para só então julgá-lo – o inverso do que acontecia com o garoto, que era quase sempre visto como alguém de má índole e julgado pelas aparências.

Então como consequência do seu descaso, só descobrira agora quem realmente Drake era: Um punk envolvido com traficantes, traiçoeiro e mentiroso. Ele mentira na sua cara, e Arthur não vira, com as mentiras embaçadas pela falsa alegria e sentimento de confiança que o garoto estava alimentando sobre os punks.

Contudo, de alguma forma, Arthur saiu da loja com uma enorme culpa nas costas. Também havia um tanto de arrependimento. Ele sabia que... Não tinha sido ele quem traíra o “namorado”, mas o oposto. E mesmo assim... Não conseguia deixar de se sentir estúpido. Por ter caído naquela armadilha. Arthur odiava cometer erros.

Ele queria voltar para casa e nunca mais ver a cara de Drake outra vez. Mas o seu lado orgulhoso dizia para que procurasse pelo mentiroso e exigisse explicações da parte dele. Não sabia se a segunda opção daria certo, porque o outro punk ainda devia estar com raiva de si. Só que Arthur queria provar para ele. Que não tolerava ser manipulado daquela maneira.

Ignorou as lágrimas que começavam a embaçar a sua visão e resolveu ir atrás dele.

–-

Ele planejou os argumentos que usaria e escolheu a dedo as palavras durante todo o percurso, para que quando estivesse lá, tudo já estivesse na ponta da sua língua. Também tentou manter a ansiedade contida dentro de si, por mais que não conseguisse parar de roer as unhas até que chegasse ao seu destino.

Já estava escuro quando Arthur desceu na parada de ônibus perto da referência que tinha, e foi procurando pelo endereço. Sentiu a chuva fraca cair sobre si, porém não se preocupou com o fato de não ter trazido nenhum guarda-chuva. Ele não estava ali para ligar por tomar uma chuvinha qualquer.

E foi pisando nas poças d’água, determinado. Um pouco ansioso, e até com um tantinho de medo escondido no seu orgulho. Mas determinado.

Havia uma casa no final da rua de onde vinha uma música alta e estridente. Arthur a reconheceu à medida que foi chegando mais perto. Era uma música que se lembrava de tocar com a futura banda dos punks. Estavam tocando. Sem ele.

Arthur começou a dar passos mais largos e mais agressivos, assim como a chuva ia piorando aos poucos. No tempo em que chegou no jardim da casa, estava arfando. Foi até a porta, as solas das suas botas violentando a grama.

No entanto, hesitou diante dela. Ficou parado, ouvindo a música e em seguida as risadas que vinham de lá dentro – eram eles mesmo, pois Arthur podia ouvir as vozes conhecidas -, e imaginando como eles deviam estar se divertindo ali dentro. Com as guitarras, os cigarros e as latas de cerveja, apenas preocupados em aproveitar a vida.

Enquanto o garoto levara uma surra alguns dias atrás, e nada vinha sendo divertido para ele ultimamente. Sentia um pouco de saudade dos dias em que saía por aí na moto com Drake, sem destino nenhum. E até das festas, que apesar de serem arriscadas e trazerem consequências, eram divertidas certas vezes (talvez porque Arthur sempre ficasse bêbado nelas). Porque ele tinha amigos com quem compartilhar esses momentos. E ele não queria ficar sozinho de novo.

Por isso, iria entrar ali, e conversar com eles. Talvez tentar fazer as pazes, apesar de tudo. Talvez...

– Ei, pô, na próxima vez é tu quem vai trazer as cervejas, Joey—

Arthur petrificou-se no mesmo lugar e no mesmo instante. Drake, que tinha aberto a porta, parou de falar e encarou o garoto do lado de fora. Nos primeiros segundos, não mudou de expressão, e nenhum dos dois pareceu respirar. Mas depois, o rosto de Drake demonstrou desgosto.

– O que é que quer – Foi o de moicano quem falou primeiro, numa voz ríspida.

A determinação de Arthur tinha descido pelo ralo. Ele estava tremendo, mas tentou esconder as mãos nos bolsos da calça de couro.

Alguém lá dentro perguntou o que Drake estava fazendo parado na porta, mas ele ignorou.

–... O-Olha, eu queria conversar sobre umas coisas – Ele começou após um pigarro.

– Não posso conversar agora.

– Mas é sobre... Sobre uma coisa importante, Dra—

– Se é importante, devia ter conversado antes. – A expressão do punk permanecia séria.

– É-É que eu não pude antes, tipo... É sério, eu preciso mesmo falar com você – Arthur insistiu, tentando olhar nos olhos dele a propósito de convencê-lo. Era difícil. – Me deixa entrar.

Drake fitou-o como se estivesse consolidando o pedido, embora seu olhar gélido não tivesse mudado nada. Uma voz de mulher chamou-o outra vez de dentro da casa. Ele abriu a porta e deu passagem para Arthur.

O anterior barulho do lugar se tornou quase pleno silêncio com a entrada do garoto na sala. Arthur, no entanto, preferiu não prestar atenção em nenhum outro lugar fora o chão. Ninguém lhe lançou uma latinha de cerveja ou lhe cumprimentou com algo vulgar, mas amigável. Só o encararam, com expressões nada positivas.

– Eu quis dizer que... Queria falar só com você – Esclareceu Arthur, embaraçado. A sua voz saiu baixa, como se tivesse medo de falar. Onde estava toda a coragem?

– Mas pra quê? Todo mundo aqui já sabe que você é um merdinha.

O garoto de cabelos vermelhos ergueu um olhar assustado e confuso na direção de Drake. Percebeu que Lexi, a dos cabelos rosa-choque, estava detrás dele, abraçada ao seu ombro e escondendo um sorrisinho.

– E-Escuta! – Exasperou-se ele, nervoso sob a forte pressão dos olhares. – Eu não fiz isso que vocês disseram... É mentira! É-É sério, Drake, eu não fiquei com ninguém naquela festa...

– Ah, é claro – Ele riu ironicamente, e as risadas ecoaram a partir das outras pessoas. Arthur queria tapar os ouvidos. – Cê acha mesmo que eu vou cair nessa sua mentirinha idiota só porque quer me convencer que é bonzinho?

– Drake, acho que ele tava tão apaixonadinho por você que se arrependeu, tadinho – Lexi disse, fazendo um biquinho, e um coro de “Aww” e risadas irônicas se repetiu no cômodo.

Arthur sentiu um nó na garganta se agravando, mas engoliu-o rapidamente. Não podia chorar. Não na frente de todas aquelas pessoas. Não era fraco.

– Eu... Eu não tô mentindo! – Ele tentou, já com a voz enfraquecendo. – Foi você... Foram vocês todos que mentiram pra mim!!

Por um segundo, Drake e Lexi fingiram estar assustados com a acusação. Mas logo depois, o de moicano laranja abriu um sorriso matreiro.

– É mesmo. Talvez a gente tenha mentido, sim.

Arthur congelou, sem reação.

– Mas sério, cê achou mesmo que a gente viraria amigo de um inutilzinho como você? Na verdade, eu sou um cara legal. Não sou? – E foi aprovado pelos outros punks. – Por isso eu até tentei ser bacana contigo, porque você era um garoto bonitinho, sabia tocar e tal. Mas era bobinho. Decidi te testar, pra ver se valeria a pena. Mas cê sempre desiste das coisas porque não tem coragem. Porque cê é muito fraco.

Era inútil. Já havia lágrimas brilhando nos seus olhos, e algum filho da mãe apontou para ele comentando sobre como já estava chorando que nem um pirralho.

– Percebi que cê era burrinho e desisti. Mas acho que tu ainda pensava que era meu namoradinho ou sei lá o quê, então eu podia tirar proveito daquilo, né? Naquele dia, cê tinha me prometido de sair comigo depois da festa. Eu até menti, dizendo que a gente ia fazer umas coisas mais interessantes do que me ajudar a vender maconha, né, mas mesmo assim cê preferiu dormir com sabe-se lá que pirralho que achou por aí. Sinceramente, Arthur, podia ter sido mais negócio pra você não deixar a gente pra trás. Mas cê é um merdinha, mesmo.

Alguém do público riu como se a melhor piada suja do mundo tivesse sido contada pelo de laranja, e foi seguido por mais algumas pessoas. Passaram a vaiar o garoto, entre as risadas. Ouviu vários chamando-o “viadinho”, “idiota”, “chupa-pinto” e variados. Mas foi Drake quem lançou o último insulto, quando jogou Arthur para fora da casa e impiedosamente atirou-o de volta na chuva.

– Sai daqui, bebê chorão.

E a porta veio com força diante de si, assim como a realidade. Foi só naquele momento que Arthur percebeu. Que realmente era um idiota. Que era fraco.

Os seus olhos, ainda pasmos, ficaram na porta por um tempo, como se ele tentasse compreender tudo aquilo que caíra sobre si de uma vez só. Era como a chuva, forte e gélida, mas mais pesado e doloroso. Talvez fosse a verdade.

Ele arrastou-se de volta à calçada, não mais reprimindo as lágrimas, porque estavam disfarçadas de pingos de chuva. Pelo menos podia chorar no meio da rua deserta sem que ninguém percebesse. Já fazia um bom tempo desde a última vez que chorara.

Arthur andou sob a chuva, sem rumo, desolado como um animalzinho que caiu do caminhão de mudança. Pensou em não voltar para casa e ficar vagando pela cidade durante toda a madrugada. Não havia propósito em voltar para casa, porque nada iria melhorar o seu humor por lá. Não havia ninguém para ele lá.

Na infância, ele tinha amigos imaginários, que eram os únicos que os ouviam e o reconfortavam sempre que estava triste. Mas ele não era mais uma criança tola que falava sozinha sobre suas preocupações.

A chuva só estava piorando. Arthur sentia como se a água simulasse um maremoto, com as ondas violentas chocando-se contra si, levando-o embora.

Tidal waves they rip right through me

Tears from eyes worn cold and sad

Pick me up now, I need you so bad

Ele não tinha muita escolha a não ser voltar para casa. E dar de cara com a sua mãe, perguntando por que saiu de casa antes do término do castigo, e interrogando-o do porquê disso. Além disso, havia Scott, o irmão insuportável que só pioraria a sua autoestima.

Ele preferiu não pegar o ônibus de volta, e andar, como sempre fazia quando estava chateado com alguma coisa. Não se importava se levasse muito tempo. Pelo menos não precisava lidar com pessoas notando os seus olhos inchados. Suas roupas já estavam coladas à sua pele, e o seu cabelo estava pingando tinta vermelha, exatamente como se fosse sangue escorrendo pela sua testa. Honestamente, ele se sentia como se estivesse sangrando de verdade.

Ele estava nesse estado, arrastando-se pela calçada com a cabeça baixa e as mãos tremendo, enquanto cruzava a esquina da rua da escola. E foi aí que ouviu o seu nome, um pouco distante. A palavra se repetiu, mais forte, junto com sons de pés pisando nas poças d’água.

– Arthur, o que tá fazendo na rua a essa hora? Nessa chuva? – Alfred indagou, surpreso. Ele tinha uma sacola de plástico na mão e carregava um guarda-chuva colorido sobre a cabeça.

O garoto com o cabelo pingando sangue apenas olhou ligeiramente para o outro, mas não pronunciou uma palavra.

–... Quer que eu te deixe em casa?

Ele tomou a única fungada de Arthur como um sim, e colocou o guarda-chuva sobre ele. Tiveram que ficar bastante... Perto um do outro para que coubessem ali embaixo. Alfred não queria ficar nervoso, e tentou não olhar para ele por muito tempo. Era inevitável.

Foi então que percebeu que havia algo de errado. Arthur estava calado, olhando para o chão, com o cabelo bagunçado cobrindo o rosto.

– A-Art, um... Tá tudo bem? – Ele perguntou, só por precaução. Era noventa por cento provável que Arthur nunca fosse contar para o outro sobre seus problemas.

O punk suspirou. Estava tentando reprimir a vontade de chorar, e qualquer pessoa podia perceber isso na voz dele, que fraquejava de palavra em palavra.

– Al, eu posso... Posso dormir na sua casa?

– Claro!! – O loiro replicou quase instantaneamente, mas a sua própria voz também falhou tragicamente. – Q-Quer dizer, sim, tudo bem...

O som que veio de Arthur foi outro suspiro. Alfred quis perguntar o que havia acontecido, mas... Tinha medo de que o punk não quisesse responder, e o clima apenas piorasse. Então ele apenas o levou para sua casa, segurando o guarda-chuva – que tremia ligeiramente por conta da sua ansiedade.

Na porta de casa, Alfred abriu-a para o outro e sacudiu a água do guarda-chuva. Ele largou a sacola em qualquer canto, apressado.

– Filho! Trouxe o ferment... Oh ?

A Sra. Jones estava no sofá da sala, e ficou um pouco surpresa com o amigo punk do seu filho em sua sala, encharcado, com o cabelo deixando uma trilha de pingos vermelhos no chão.

– Mãe, o Arthur vai dormir aqui hoje – Ele explicou tão rápido quanto uma bala. Seguiu pelo corredor e chamou o punk com um murmúrio, que apenas o seguiu, sem uma palavra.

Com os dois dentro, Alfred fechou a porta e tirou a própria jaqueta. Arthur ficou parado no meio do quarto, cabisbaixo.

– Um, Art, você... Quer uma toalha?

Ele assentiu, de costas para o loiro.

– Tá. E-Eu vou trazer umas roupas secas também – E saiu do quarto, apressado, para achar uma toalha seca, uma camiseta e uma calça de moletom.

Quando retornou, no entanto, o garoto estava na mesma posição, de costas para a porta. Alfred pigarreou.

– Aqui – e entregou a muda para o punk. – S-São minhas roupas... Então pode ser que fique grande em você, é...

– Tudo bem – Foi o que Arthur murmurou de volta, tão baixo que assustou Alfred. – Onde é o banheiro...?

– Ah, claro, o banheiro!! – Claro, Alfred nunca pensou que ele iria trocar de roupa ali no quarto mesmo. Que ideia sem lógica! – É por aqui.

O garoto esperou até que o punk saísse do banheiro, roendo as unhas. Por algum motivo, começou a pensar em Arthur trocando de roupa. E imaginar como seria a tatuagem que ele pensava que Alfred não sabia que tinha. É, Arthur estava trocando de roupa no seu banheiro, Arthur estava de cueca na sua casa...

Ele tinha o rosto corado quando o de cabelos vermelhos entrou no quarto, com sua camisa do Batman e a calça cinza. E esperou sinceramente que ele não pudesse ler pensamentos. Porque Alfred não conseguia tirar os olhos dele, porque ele estava usando as suas roupas, e que ficava muito fofo naquela camisa maior do que o seu número.

A toalha, anteriormente branca, estava tingida de vermelho. Arthur entregou-a, murmurando um pedido de desculpas, e recebeu um “sem problemas!!” em resposta.

Quando o loiro pegou a toalha, acidentalmente tocou na mão do punk. Ela estava gelada.

– V-Você tá com frio?! Eu vou pegar umas cobertas, e um colchão, e travesseiros – Garantiu Alfred, as palavras saindo de sua boca a mil por hora. – Eu posso trazer café, e... Ah, você não gosta de café... Não sei se tenho chá, mas eu... Posso trazer leite quente, se você qu—

– Alfred – Arthur cortou, impressionantemente quieto. Ele estava sentado na cama do outro, encolhendo-se no edredom. – Eu tô bem.

O garoto parou de falar e fitou a imagem por alguns segundos. Alfred não ligava que seus lençóis ficassem manchados de vermelho. Ele era tão fofo.

Alfred quis assentir, para não incitar nenhuma discussão. Mas ele não podia concordar com aquilo.

– Você não tá bem...

Definitivamente, Arthur não conseguia mais enganar aquele nerd idiota. Muito menos em relação ao que estava sentindo de verdade.

O punk demorou um tempo para perceber que os próprios olhos estavam lacrimejando, e levou alguns segundos para esconder o rosto. Foi tempo o bastante para que Alfred notasse.

E obviamente, Alfred se assustou. Um peso de preocupação caiu sobre os seus ombros. Nunca pensou que veria Arthur chorar. Sentou-se na cama, ao lado dele, que escondia o rosto nas cobertas. De início, não soube o que fazer e quase entrou em pânico, mas de alguma forma conseguiu tocar o ombro do outro, ainda que nervoso.

– Você... Er, quer falar o que aconteceu...? – Perguntou Alfred, hesitantemente. – P-Por acaso foi algo com... – e resistiu a soltar um comentário sarcástico - Aquele cara do moicano?

Arthur cerrou os punhos no lençol da cama, apertando o tecido com raiva. Ele finalmente mostrou o rosto. Seus olhos estavam vermelhos, e fungou antes de falar.

–... Eles mentiram pra mim – Arthur começou, tomando toda a atenção de Alfred, que tinha os olhos azuis vidrados nele. – Mentiram sobre tudo. E eu acreditei. – Ele enxugou rapidamente uma lágrima que insistia em escorrer do seu olho direito. – Eu sei que você vai falar que me avisou antes. Só que... Só que eu fui idiota. – E tentou dar um sorriso irônico, mas este ficou distorcido pela sua expressão de “prestes a chorar”.

A última frase surpreendeu o loiro – nunca pensou que fosse ouvir Arthur ferindo o seu próprio orgulho daquele jeito.

– Não é culpa sua, Art...

– É minha culpa... Eu não devia ter me metido nisso, eu devia saber que ia dar merda. Na verdade... Eu nem sei por que eu fiz isso – A voz dele tomou um tom baixo, quase um sussurro, que Alfred só pôde ouvir devido à proximidade. – Eu só não queria... Só não queria ficar sozinho...

O garoto jurou sentir o próprio coração se partir em pedaços com aquela confissão. Arthur não falara nada, mas Alfred sabia que ele não tinha a revelado para outra pessoa antes. E isso o fez se sentir extremamente especial. Ele era especial para Arthur. Ele não deixaria que ficasse triste.

–... Você não tá sozinho – Alfred assegurou, apertando com um pouco mais de força o ombro do punk.

Ele não precisou completar a frase. Até porque mal foi capaz de respirar quando sentiu Arthur abraçando-o.

Alfred ficou petrificado por mais tempo do que deveria. Arthur o abraçara. Arthur estava o abraçando. Arthur. Arthur!! Como reagir a algo tão inesperado? Ele sinceramente esperou que o punk não percebesse que seu coração queria saltar do peito. Pelo menos, como estava com o rosto enterrado em sua camisa, não podia ver que o rosto do loiro estava quase do mesmo tom que os seus cabelos coloridos.

Quando finalmente se deu conta de que devia retribuir o abraço – porque é isso que pessoas fazem quando são abraçadas, Alfred -, desfez-se da pose estátua e envolveu as costas de Arthur hesitantemente. No entanto, a parte difícil só foi essa. Acariciar carinhosamente as suas costas foi automático, assim como suspirar, inalando o cheiro dele como se fosse o perfume mais único e mais doce da Terra. Abraçá-lo era bom. Muito bom, honestamente. Alfred não queria soltá-lo nunca mais.

Só ouviu-o sussurrar, tão baixo quanto um simples sopro, soltando a palavra que flutuou até os seus ouvidos. Obrigado.

Não vendo o tempo passar, Alfred não percebeu que o abraço já estava ficando longo o bastante para se tornar desconfortável. Arthur afastou o rosto do seu peito, e fungou. Não mudou muito a posição, porém, com uma mão sobre o ombro de Alfred e com os corpos relativamente próximos. Havia mais cor nas suas bochechas, bem mais do que quando adentrara a casa, gelado. Talvez fosse pelo calor do corpo do outro, ou apenas pelo embaraço que sentia.

Alfred imaginou que ele não fosse olhar diretamente para si, porque mordia o lábio e tinha as faces sutilmente coradas. Mas Arthur o fez. Incrivelmente, tinha uma expressão tranquila no rosto, a despeito da rara intimidade que tinha com alguém que costumava odiar. E aquilo deixou Alfred ainda mais surpreso. Em todas as outras ocasiões que algo constrangedor ocorria entre os dois, Arthur gritava algum palavrão e tratava de sair de perto do loiro o mais rápido possível. Mas naquela... Era diferente. Frente a frente com os olhos verdes dele, Alfred só queria… Beijá-lo.

The drops of rain they fall all over

This awkward silence makes me crazy

The glow inside burns light upon her

I’ll try to kiss you if you let me

Espera, o quê?! Alfred não estava pensando nisso. Não estava... Não... Espera, espera, era só impressão ou... Arthur estava se aproximando?

Não. Arthur estava mesmo chegando mais perto. Alfred só não sabia se era ele ou si mesmo quem estava se aproximando. De qualquer forma, ele praticamente entrou em pânico interior a partir do momento em que o punk pegou os seus óculos pelas hastes, retirando-os devagar do seu rosto e pondo-os sobre a cama.

Mil vozes ecoavam em sua cabeça, repetindo Arthur vai me beijar centenas de vezes. O mundo todo à sua volta estava ficando borrado, e tudo o que conseguia ver eram os lábios dele, com o piercing de um lado. Separou-os ligeiramente à medida que sua respiração se aproximava da do outro – que, por sinal, declarava a sua ansiedade -, e tornava levemente a cabeça para um lado.

Alfred não queria entrar em pânico outra vez e virar a cabeça como um covarde. Cerrou os olhos com força e tentou acompanhá-lo, girando desajeitadamente a cabeça para o outro lado.

Talvez pelo fato de suas mãos estarem tremendo ou pelo compasso apressado do seu coração, Arthur percebeu que o loiro estava prestes a ter uma síncope ou algo do tipo.

– Calma, eu não vou te morder – A voz veio mansa, como se Arthur ronronasse. E de algum jeito, conseguiu acalmar parcialmente o garoto, que assentiu sutilmente.

Não foi o bastante para evitar a tragédia. Alfred chocou o seu nariz contra o do punk.

Ao se dar conta de que tinha estragado tudo, o loiro quis cavar um buraco ali mesmo, no piso do seu quarto, e se esconder lá para sempre. Teve até medo de abrir os olhos e encarar Arthur outra vez, e provavelmente não olharia para ele nunca mais, e...

Antes que pudesse pensar em mais algo sobre aquilo, sentiu o toque de um metal frio nos seus lábios. E então, os do punk, colando-se com os seus num um beijo inicialmente casto.

A primeira reação de Alfred foi ficar petrificado, outra vez. Ele reabriu os olhos momentaneamente, apenas para checar se aquilo estava acontecendo de verdade. Os lábios mornos se afastaram, com um estalo sutil, mas não foram para muito longe.

A segunda aconteceu quando o loiro percebeu o quanto parecia abobalhado, parado daquele jeito, como se tivesse visto um fantasma. Foi ele quem tomou a iniciativa seguinte e beijou Arthur, vagarosamente. Conseguiu evitar o choque dos narizes, e beijou o seu lábio inferior, não muito confiante se estava fazendo direito. Alfred não tinha experiência. Já Arthur... Bem.

O loiro sentiu um arrepio incontrolável quando a mão direita do punk, que estava em seu ombro, arrastou-se para a sua nuca, e ali passou a brincar com os dedos entre os fios de cabelo. A mente do garoto estava tão focada naquele beijo que ele quase se esqueceu de como estava confuso e surpreso. Como se nada importasse mais. Merda, ele queria mandar tudo pro inferno, e só beijar Arthur pelo resto da sua vida!

Ele sabia que era fisicamente impossível beijar alguém por tanto tempo, mas resolveu não se importar com a lógica. Entretanto, o beijo não parou por razões lógicas – muito pelo contrário.

Arthur apenas afastou-se, de súbito. Alfred ainda ficou com os olhos fechados por alguns milésimos de segundo até perceber que o calor do punk não estava mais ali.

O garoto tinha as bochechas e a ponta das orelhas tingidas do mesmo carmim que o cabelo. Ele manteve o olhar baixo, mordendo o piercing, e Alfred – enfim respirando propriamente - fitou-o com olhos azuis estupefatos.

–... O-O... O que... Foi isso...? – Foi o que o garoto surpreso foi capaz de balbuciar.

–... E-Eu não devia ter... – A voz de Arthur falhava, saindo sem som em algumas partes e mais audíveis em outras, como se tremesse. – Merda. Uh... F-Finge que isso não aconteceu...

– Umm... Por quê...?

Arthur não ousava olhar Alfred nos olhos, e agora escondia parte do rosto com uma mão. Como se Alfred não tivesse percebido o quão corado ele estava – mesmo que estivesse sem os óculos. Aliás, o próprio loiro não podia dizer nada sobre o embaraço do outro. Tinha a mesma cara de tomate.

– Er... Eu sinto como se estivesse... Te usando – Confessou o punk. – P-Porque acabei de terminar com o Drake... E... A-Ah, não sei, devo estar carente...

Ele disse a última frase rápido, como se fosse mais fácil se livrar dela de uma vez só. Alfred apenas assentiu, por mais confuso que estivesse.

– É, esquece sobre... Sobre isso, então. É que... Eu sei que você não sente nada, e não quero que fique, uh... Mal por isso, por minha culpa, sabe.

Alfred quis berrar um enorme não, e dizer que Arthur estava errado. Que ele sentia tudo; tudo levava-o até Arthur agora. Que ele era quase onipresente nos seus pensamentos, e que imaginara muito sobre o momento em que finalmente pudesse... Beijá-lo, e tornar tudo que fantasiava realidade.

Só que não foi como as suas fantasias. E ele nunca conseguiria.

As palavras ainda eram imaturas demais para saírem livres pela sua boca. Alfred ficou sem voz por um tempo, como se fosse incapaz de agir. Arthur tinha um olhar triste. O único som de plano de fundo para a cena melancólica era a chuva - que pelo visto caía com força de novo, ruidosamente – e o suspiro de Arthur.

Alfred trouxe o colchão, e arrumou-o com lençóis e travesseiros, no chão ao lado da sua cama. Na sua mente, o punk não dormia ali, e sim abraçado consigo na sua própria cama. Ele tinha que parar de confundir a sua imaginação com a realidade.

Arthur, por sua vez, tomou o seu leite quente e comeu alguns bolinhos de chuva da Sra. Jones em silêncio. Não havia muitas palavras a mais para serem trocadas entre eles.

O garoto ficou jogando videogame até meia-noite, mas apagara as luzes e pusera o volume da tv baixinho. Não conseguia passar de nenhuma fase. Quando desistiu, checou se o outro ainda estava acordado. E não deixou de notar o jeito fofo no qual ele dormia, exatamente como um pequeno anjinho – de lado, meio encolhido, a correntinha do piercing derramada sobre o travesseiro.

Ao contrário de Arthur, ele não conseguia pegar no sono. No começo, tentara evitar olhar para o colchão do lado direito da sua cama, mas desistiu pouco tempo depois. Esticou a mão hesitantemente, apenas para tocar nos fios vermelhos e sentir a textura macia roçar na sua pele.

Ele tirou a mão como se tivesse sido queimado, mas Arthur não se moveu. Por que estava fazendo aquilo? Não adiantaria nada.

Na verdade, poderia sim estar deitado junto ao punk e acariciando os seus cabelos sem medo. Mas não. Tudo era culpa sua, e do seu falso heroísmo, porque apenas um nerd idiota era incapaz de ser tão covarde numa oportunidade tão favorável.


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Notas finais do capítulo

[we are the champions tocando no fundo]
Eu sinto uma realização enorme em finalmente escrever essa porcaria de beijo. Não estou brincando, eu planejei isso por um ano inteiro. Eu ia adiar mais, na verdade, mas tive uma crise de "foda-se" e pronto. Os idiotas deram uns beijinhos. Eu sei que talvez não estejam satisfeitos, mas. (Eu ia justificar alguma coisa, mas esquece. Podem me encher o saco mesmo.)
Aliás, a música usada no capítulo é Down - Blink-182.
Enfim! Eu terminei essa cena há menos de uma hora, então se tiver algo errado, ou se você achar um dos constantes furos de enredo nesse capítulo, pode me avisar pelo review! Também podem berrar sobre o beijo, ou jogar pedras em mim. Sempre fico muito feliz com todos eles!
Ah sim, aqui um bolinho de chuva pra todo mundo que esperou pacientemente por essa porcaria. uwu Vejo vocês!