Stray Heart escrita por Kiyuu


Capítulo 10
Where Is Your Boy?


Notas iniciais do capítulo

Olha só quem está postando em dia! [aplausos ao fundo] Yay, fiquei feliz em ter conseguido escrever logo esse capítulo, e ele até que ficou com um bom tamanho. Eu me diverti muito escrevendo-o, também!
Bem, não tenho muito a declarar dessa vez! Espero que gostem :3



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Alfred pagou o taxista quando este freou o carro em frente à sua casa, e em seguida, saiu do veículo. As luzes ainda estavam ligadas, e Alfred presumiu que sua mãe estivesse esperando-o chegar para dormir em paz. Ela não relaxaria enquanto não visse o filho dentro de casa, visto que não era comum que o garoto saísse.

Assim que ouviu o barulho da chave na porta, a Sra. Jones levantou-se do sofá com um olhar sonolento e sorriu para o filho, cumprimentando-o.

– Alfred, meu filho! Você chegou tarde... Como foi o jantar?

– Foi legal, mãe – Respondeu apenas, sorrindo de volta para ela.

– E o pai da Madeleine gostou de você?

– Não sei – Alfred suspirou pesadamente, meio cansado. – Mas ela disse que eu fui bem.

– Que bom! Eu disse que ia dar tudo certo, filho.

O garoto assentiu, cansado demais para conversar com a mãe, que também visivelmente lutava contra o sono. Ela sorriu mais um pouco e deixou o filho seguir para o quarto, arrastando-se. Ele não tinha cansado o corpo, mas a sua mente estava cheia de dúvidas, e ele só queria esquecê-las.

Fechou a porta do quarto e tirou o paletó. Fitou por um breve instante a vestimenta nas mãos, e recordou-se de Arthur. Aquele smoking era do pai dele. O pai dele tinha falecido.

Alfred já notara que Arthur não exprimia seus sentimentos verdadeiros, fossem eles bons ou ruins. Ele preferia manter tudo para si mesmo, e Alfred não sabia se era por puro orgulho ou por medo de que descobrissem quem ele realmente era sob toda aquela maquiagem de falsidade. Isso deixava o nerd ainda mais curioso e motivado a desvendar aquele punk.

O garoto vestiu um cabide com o paletó cuidadosamente e pendurou no cabideiro, tirando também os sapatos sociais e pondo num canto. Prontamente, atirou o seu corpo na cama, que quicou como se fosse um cadáver morto.

Faltavam cinco para a meia-noite, e ele pôde ver pela frestinha da porta quando sua mãe apagou as luzes. Na verdade, Alfred não tinha sono. E de qualquer forma, ele não conseguiria dormir direito, mesmo. Apenas ficou lá, estirado, olhando para o teto.

Por algum motivo desconhecido, sua mente continuou a pensar em Arthur. Onde ele estaria? Muito provavelmente, com aquele namorado. Ugh.

Não era que Alfred tivesse ciúmes, mas ele só pensava que aquele cara do moicano laranja não merecia alguém como Arthur. Mas bem, tentando ser otimista... Não é bom julgar as pessoas – como Alfred sempre ouviu de sua mãe desde criança -, então ele podia sim ser um cara legal e cavalheiro. Talvez.

Where is your boy tonight?

I hope he is a gentleman

Alfred sentiu algo em seu bolso vibrar, e preguiçosamente alcançou o celular. Quem estaria lhe ligando em plena meia-noite?

E foi com surpresa que ele viu o nome de Arthur cintilando na tela. A única coisa que conseguiu pensar naquele momento foi algo como “Por que diabos ele está me ligando a uma hora dessas?”, mas não hesitou em atender. Afinal, era Arthur quem estava ligando. Ele nunca ligava para Alfred, apenas o contrário acontecia.

– Alô... Art?

– Alfred!! – A voz do outro lado da linha estava diferente. Não tinha aquele ar rude e amargo que Arthur usava sempre que se direcionava ao nerd. Muito pelo contrário. A voz dele era doce, melosa e um pouco alegre demais.

–... Tudo bem? – Perguntou o nerd, estranhando imediatamente o comportamento do outro.

– Ahaha, tudo ótimo! – Disse, com uma voz contente, e em seguida berrando - Ei, filhos da puta, calem a boca aí, eu tô no telefone com o Al, porra!!

– Por que me ligou a essa hora...? – Tentou Alfred, mas o punk começou a falar ao mesmo tempo, e parecia que não estava disposto a parar para deixar o outro continuar.

– Não me diz que estava comendo aquela menina e eu interrompi! Ainda bem que eu fiz isso, né? Calem a boca!!

– O... O quê? – O rosto de Alfred corou inteiramente. O que estava acontecendo?

– Eeei, Al, eu queria te ver de novo naquele smoking... Aquela pirralha não merece te ter só pra ela, isso é muito egoísta, hm...

– A- Arthur, o que você tá falando?! – Exasperou-se o nerd, incrédulo.

– Eu disse que... Ei, pera aí, eu tô falando no telefone! – Berrou Arthur outra vez.

Alfred pôde ouvir mais vozes do outro lado da linha. Uma voz desconhecida, porém assustadora, elevou-se no meio do falatório. “Ei, vamos meter porrada nele!”

– E-Ei, Art... Tem certeza de que tá tudo bem?

– Eu tô bem! – Agora a voz dele estava perdida no meio de várias, e era quase inaudível.

Ei, pirralho, cê é o viado do Drake, né?”, disse uma voz no meio dos ruídos, acompanhada por outras. O nerd estava começando a se preocupar.

– Art. Onde você tá? – Tentou Alfred, falando mais alto para que Arthur conseguisse ouvi-lo, visto que estava no meio de uma multidão.

– Eu tô na festa do Joey, pô... Ei, filho da puta, me larga! – Houve uma pausa barulhenta, e Alfred pôde ouvir o punk berrando muitos palavrões.

– Arthur? Ei, você tá me ouvindo? Merda! Arthur, me dá um endereço!

– Ah... É aqui na rua do... Na rua da pizzari- Ah, caralho!!

– O quê?! Pizzaria? – Alfred já estava berrando no telefone.

– Alfreeeed, eles vão bater em mim!!

E foi a última coisa que o garoto ouviu antes de mergulhar de novo no silêncio do seu quarto. Mas dessa vez ele não ficou parado. Algo de errado estava acontecendo com Arthur, e ele precisava saber o que era.

Sem pensar em mais nada, o nerd saltou da cama com uma pressa impensada, agarrou uma jaqueta para vestir sobre a camisa social e enfiou os pés nos tênis – porque já tinha passado horas com aqueles sapatos sociais nada confortáveis, e ainda por cima, não teria tempo de calçá-los mesmo.

E foi assim, com os sapatos desamarrados e o cabelo amarrotado, que o garoto espreitou-se pelo breu do corredor da casa. Se sua mãe o visse saindo de casa àquele horário, certamente ficaria indignada. Talvez pensasse que seu filho estava fugindo de casa ou saindo todas as madrugadas para se encontrar com traficantes de drogas. Não seria uma boa situação se ela o flagrasse, obviamente. Ele tentou ser silencioso como um ninja, mas pisou no próprio cadarço e quase tropeçou. Bem, era Alfred.

Foi só quando chegou à rua que notou que não fazia ideia de como chegar até Arthur. Ele mal sabia exatamente onde ele estava, e nem sequer tinha um meio de transporte disponível.

A não ser pelo carro de sua mãe, que dormia estacionado na garagem. Era um carro pequeno, visto que a Sra. Jones só tinha um filho e só saía para trabalhar, mas que estava consideravelmente velho e empoeirado, além de fazer um barulho esquisito quando ligava.

Quando tinha treze anos, o pai de Alfred tentou ensiná-lo a dirigir, treinando pelas ruas vazias e quietas do bairro residencial onde moravam. O garoto até que se deu bem no começo, conseguindo manusear o veículo com a ajuda do mais velho. Mas nada mais do que isso, e tinha sido a última vez que o garoto tocara num volante.

Mas ele ainda se lembrava dos ensinamentos do seu pai, que agora divorciado de sua mãe, era um homem de negócios ocupado e que viajava constantemente. E aquele momento era crucial. Ele precisava fazer aquilo.

Alfred pensou em Arthur. Havia algo acontecendo com ele, e provavelmente não era nada bom. Ele precisava ajudá-lo... Porque se preocupava com ele.

E essa foi apenas uma das coisas que percebeu naquela noite.

Alguém esbarrou – na verdade, bateu propositalmente – no braço de Arthur, fazendo-o derrubar o celular que segurava, que caiu com um baque no chão de concreto. O garoto pôde ver a tela do aparelho rachando. Indignado, virou-se para o culpado e sibilou:

– Você quebrou meu celular! – Fez ele, decepcionado como se aquilo tivesse sido a maior tragédia de sua vida.

– E nós vamo quebrar a tua cara também, viadinho – Disse o cara, o cara dos alargadores inumanos. Sim, ele estava lá, no meio dos quatro caras que cercavam Arthur como se este fosse uma presa e eles os vorazes predadores. Algumas pessoas em volta incentivavam a briga e assistiam como se aquilo fosse uma atração da festa.

Arthur nem sequer se lembrava de como tinha acabado encurralado naquela situação. Ele só começou a beber as cervejas que o grupo dos punks que não conhecia lhe ofereciam. E aos poucos, sua consciência foi sumindo, e ele nem sabia mais o que estava fazendo. Depois de não muitas latinhas, o seu corpo deu lugar a um Arthur Kirkland risonho, contente, exageradamente sentimental e um pouco abobalhado, sobre quem o seu “eu são” não tinha controle. O seu maior erro foi ter confiado naqueles caras.

Não tinha mais volta, porém. Arthur estava com puro álcool no sangue, tonto e fora de si, não sabia onde estava o seu namorado – talvez pegando outra pessoa por aí, mas ele nem se preocupou com aquilo no momento -, por acaso tinha perdido sua jaqueta favorita e precisava vomitar.

Em algum momento da noite e por alguma razão, tinha saído até o quintal dos fundos da casa de quem estava dando a festa – ele nem sequer sabia quem era – e ligara para Alfred do celular. O lugar estava escuro, e ele se escondia sob uma penumbra perto da piscina, escorado na parede. Alguns outros punks também se refugiavam ali, longe da multidão e onde as músicas berrantes sobre anarquia eram apenas um ruído abafado. Alguns apenas encostavam-se ao muro, enquanto um ou outro casal se agarrava e um grupinho fumava maconha no canto. Mas Arthur estava alheio a todos, inclusive aos consumidores de drogas, quando ligou para Alfred naquele momento, e nem sequer se preocupou com o que estava dizendo.

E então aqueles caras haviam brotado, os mesmos que tinham lhe oferecido inúmeras latinhas de cerveja. Eles ficaram longe a princípio, como se estivessem planejando alguma coisa, mas logo se aproximaram de Arthur.

– A gente tem nojo de você e daquele seu namoradinho de merda – Cuspiu o cara dos alargadores, dando um passo à frente e ficando frente a frente com o garoto. – me faz querer vomitar, pirralho.

– Talvez seja porque ele é muito gostoso e você tá com inveja – Arthur sorriu tolamente, tentando intimidar o cara com o seu olhar, mesmo que o outro fosse bem mais alto.

– É o quê, bichinha? – O cara pareceu surpreso, indignado, mas em seguida sorriu. Um sorriso nada feliz. – quer mesmo levar umas porradas, né não? Eu vou te dar umas porradas.

E Arthur só teve tempo de sentir o punho direito que esmurrou o sorriso travesso que ele carregava anteriormente em sua expressão. A força do soco o fez cair ao chão de concreto, e com sorte conseguiu aparar a queda com as mãos. A sua bochecha esquerda estava ardendo, e a dor espalhava-se por toda a sua face, além do gosto de sangue em sua boca. Mas ele apenas riu:

– Há! Hahahaha, isso nem doeu, porra! – Berrou o punk numa risada escandalosa, como se o fato de ter acabado de levar um soco fosse o fato mais cômico que já presenciara na vida.

Dessa vez não foi um punho, e sim várias mãos, que ergueram-no do chão. Não era um ato solidário, e nem pessoas que viam a briga e tentavam apartá-la, mas os quatro caras, que lhe seguraram e simplesmente atiraram-no na piscina.

Arthur nunca contara a ninguém, mas ele não sabia nadar. Tinha pavor de piscinas, ainda mais oceanos. E mesmo que o garoto estivesse completamente bêbado, aquele pavor veio à tona quando ele mergulhou dentro da água gelada e em pleno pânico lutou para voltar à superfície.

Tentou gritar, mas só o que ouviu de volta foram as risadas. Estavam rindo dele. Assim como quando ele tinha treze anos e o valentão do colégio lhe jogava na lata de lixo. Ou como quando escreviam “Arthur K é um bichona” nas paredes do banheiro. Ou como quando pichavam todo o seu armário. Sempre riam dele.

Drake poderia aparecer ali e socar os quatro caras, salvando o garoto em seus braços e levando-lhe para a cama em seguida. Mas Drake não apareceu, enquanto Arthur permanecia se debatendo na água gelada, desesperadamente tentando alcançar a borda da piscina.

Quando pensou que estivesse a ponto de morrer, Arthur encontrou algo metálico com a ponta dos dedos e imediatamente agarrou-se ao objeto, que era a escadinha da piscina que levava à superfície. Ao finalmente conseguir respirar, o garoto inalou a maior quantidade de ar que podia, arfando. E começou a rir novamente.

Sua situação não era engraçada – muito pelo contrário, chegava a ser trágica - mas Arthur continuou rindo até que perdesse todo o fôlego que tinha recuperado depois de quase morrer afogado.

Ele saiu da piscina com esforço, escorregando momentaneamente e caindo de volta na água, mas felizmente conseguindo subir a escadinha. Ninguém em volta prestava atenção nele, nem mesmo os quatro caras, que pareciam ter se cansado e ido bater em outra pessoa. Arthur empurrou o próprio corpo encharcado para fora d’água e deitou-se no chão, gargalhando entre a tosse contínua.

O céu estava bonito. Estava lindo. Estrelado. Não era possível ver muitas estrelas na cidade grande, na verdade, mas os olhos verdes de Arthur multiplicavam as luzes que brilhavam no céu. Então quando uma estrela linda, que brilhava mais do que tudo, apareceu em seu campo de visão, Arthur pensou estar sonhando.

– Arthur!! – Chamou a estrela, fitando o punk com dois preocupados olhos azuis. – Caraca, Arthur, o que você estava fazendo?

O garoto dos cabelos verdes riu abertamente, tossindo mais algumas vezes. Ele parecia extremamente feliz em ver o outro ali, como se a alegria não pudesse ser contida em sua expressão.

Alfred agachou-se, e olhou preocupado para os lados antes de segurar Arthur pelos braços e levantá-lo com pressa, e só então observá-lo direito. O punk estava completamente molhado, com a camiseta branca de mangas colando ao corpo, delineando o seu torso. Ele não era forte, mas Alfred pôde ver o contorno do seu peitoral, e mais embaixo, no quadril esquerdo, uma pontinha preta na pele. Não dava para ver direito, mas aquilo ali era um pedaço de uma tatuagem. Arthur tinha uma tatuagem.

Involuntariamente, o rosto de Alfred corou. Não devia estar pensando em coisas assim. Em primeiro lugar, não devia observar Arthur com uma camisa molhada. E em segundo, também não devia ter fugido de casa à meia-noite, furtado o carro da sua mãe e quase batido em um poste, estacionado em um lugar onde era proibido e invadido uma festa cheia de punks de moicanos capazes de partir os seus ossos.

Mas era por Arthur. Tinha feito tudo aquilo porque se importava com Arthur, mesmo que nunca tivesse percebido o quanto.

– Alfr... – Arthur tossiu, com um sorriso bobo no rosto.

– Meu Deus, Arthur, você tá bem? O que aconteceu? – Alfred perguntou, com as sobrancelhas juntas em preocupação, segurando Arthur pelos ombros (porque parecia que se o soltasse, ele desabaria no chão outra vez).

O punk abriu a boca para explicar, mas só conseguiu murmurar coisas ininteligíveis e rir como um retardado mental. Ele tinha um cheiro forte de álcool.

– Você bebeu – Concluiu o nerd, suspirando enquanto passava as mãos pelos cabelos e olhava em volta outra vez, como que preocupado que algum punk viesse e simplesmente lhe socasse.

– Eles… Eles me jogaram na piscina... Hahaha, eu nem sei nadar...

– O quê?! Quem te jogou na piscina? – Indagou Alfred, mas Arthur não o ouviu.

– O Drake, ele sumiu, ele não veio me salvar, dos caras... O cara do alargador...

Ao ouvir Arthur proferir aquele nome, a expressão do nerd endureceu de raiva. Quem era aquele malandro para simplesmente sumir e deixar o seu namorado em uma festa ser jogado na piscina e quase se afogar? Sinceramente, aquele cara era um palerma. Alfred o odiou ainda mais naquele momento.

– Foda-se o Drake – Resmungou Alfred depois de um minuto. – Eu vou te levar pra casa.

You need him, I could be him

I could be an accident but I'm still trying

That's more than I can say for him

E então Alfred – lutando contra o nervosismo - segurou o punk de lado pela cintura, fazendo-o passar o braço pelo seu ombro para ter apoio, e carregou Arthur para fora da festa. Para fora daquele tormento. Claro que não saiu pela porta da frente, ou teria que enfrentar uma multidão de punks. Ele não tinha nenhuma semelhança com um, então não seria capaz de se misturar. Além disso, já estava passando vergonha carregando Arthur bêbado nos fundos da casa, e não queria nem imaginar o tamanho que seu constrangimento tomaria se saísse pela frente.

Saíram pelos fundos, Alfred – de cara amarrada - amparando um Arthur zonzo que ria e dizia coisas indiscretas perto de seu ouvido. Perto demais.

– Alfred... Ah, Al, você veio mesmo me salvar, hm? – Murmurou o punk. – Eu sabia que você vinha... Você tá tão gostoso nesse smoking...

–... A-Arthur, para, você tá bêbado. – Disse Alfred, ainda mais embaraçado. Aquele punk tinha consciência do que estava falando? Provavelmente não.

– Eu não tô bêbado...!! Eu tô completamente sóbrio... – Riu baixinho, e Alfred revirou os olhos num suspiro profundo.

Arthur continuou falando coisas sem sentido até que os dois chegassem ao encardido carro de sua mãe no qual Alfred viera dirigindo. O loiro abriu a porta do carona para Arthur e deu a volta no carro, sentando-se no banco do motorista. Quando fechou a porta e olhou para o lado, Arthur estava fitando-o com um olhar perdido e aquele mesmo sorriso bobo.

– Você tem um carro...

– Não é meu carro, Arthur. – Disse Alfred, e tirou a própria jaqueta que colocara antes de sair, a marrom, com o número “50” nas costas. Atirou a peça em Arthur, sem olhar direto nos olhos dele. – Aqui. Você tá encharcado, se ficar assim, pode pegar um resfriado. – e o aquecedor dessa merda não funciona, Alfred adicionou mentalmente.

– Que cavalheiro... – Um sorriso bobo esticou-se nos lábios de Arthur, que estavam um pouco roxos devido ao banho gelado que acabara de tomar. Ele mesmo não percebera que estava tremendo, e como se fosse um bebê sem coordenação motora, vestiu o casaco. Tinha o cheiro de Alfred, e era quentinho como se Alfred estivesse lhe abraçando. Arthur soltou um suspiro, alto o bastante para que Alfred (ou qualquer um dentro do carro, até mesmo no porta-malas) percebesse.

Alfred ligou o carro, e Arthur continuou rindo e falando, então ele pensou em ligar o rádio em qualquer estação, apenas para que ele parasse de falar aquelas coisas embaraçosas. Só que no minuto seguinte, assim que Alfred largou o volante para ligar o som, observou que o punk tinha deitado a cabeça no vidro da janela e fechado os olhos. Como ele conseguira dormir tão rápido?

Alfred tentou simultaneamente prestar atenção na estrada e em Arthur, que dormia de boca aberta. Devia estar muito cansado, além de ter levado um soco e estar completamente bêbado. Mas ele parecia dormir um sono tão pacífico, que começara tão subitamente a ponto de parecer delicado, e se Alfred fizesse qualquer som, ele acordaria.

Bem, não foi isso que aconteceu. Arthur apagou até que Alfred virasse a esquina de sua rua, e aquilo foi bom, porque o nerd não precisou mais ouvi-lo divagar sobre coisas como “você está muito gato nesse smoking”, “eu vou chutar a bunda do Drake por você”, “queria que você não tivesse namorada”, entre outros.

Sinceramente. Além de álcool, claro, o que Arthur tinha na cabeça para dizer essas coisas? Alfred sabia que ele era gay, e gays gostavam de garotos. O nerd era um garoto. Arthur podia gostar dele. Era muito, muito, muito improvável, mas havia sim uma migalha de possibilidade crível. Porém, Arthur também tinha um namorado. E pessoas comprometidas não dão em cima de pessoas – que também são comprometidas, no caso. Então, era tecnicamente errado que Arthur desse em cima de Alfred...

Errado. Algo assim acontecer entre eles. Todavia, Alfred se viu cogitando aquela possibilidade lá no fundo de sua mente, aquele parte indomável. E se... E se ele e Arthur...

Droga, pensou Alfred, repelindo aqueles pensamentos de imediato. Só estava ajudando Arthur porque ele era seu amigo, sim, era isso. Ele se importava com seus amigos – até porque eles eram consideravelmente raros -, e era seu dever salvar um deles caso ficasse bêbado e fosse jogado na piscina por um bando de caras de alargador. Não porque, talvez, possivelmente, tivesse uma queda por esse amigo. Claro que não. Ele nem sabia dizer se Arthur era mesmo seu amigo, ainda mais um...

Ele não quis completar a frase mentalmente, mas seu subconsciente sabia qual era a definição. Naquele momento, diminuiu a velocidade e freou desajeitadamente – ele não sabia dirigir direito e nem sequer tinha carteira de motorista – na casa de Arthur, torcendo para não fazer barulho. Acabou subindo um pouco na calçada, e com o solavanco brusco, Arthur bateu a cabeça no vidro e despertou.

Alfred checou rapidamente o relógio digital por trás do volante: Uma e quinze da manhã. Bem, felizmente não tinha demorado tanto. Afinal, não havia muitos carros nas ruas àquele horário.

Ao ser acordado do seu sono profundo, o punk grunhiu algo ininteligível e tentou voltar a dormir, mas agora Alfred não o permitiu:

– Acorda, Art, estamos na sua casa.

– Nããão... Eu não quero ir pra minha casa, me deixa dormir com você hoje, Al... – Resmungou com um bico, como se fosse uma criança chorona.

Alfred abriu a porta do carona, e Arthur, que estava encostado nela, perdeu o apoio e quase caiu para fora do carro. Ele resmungou mais alguma coisa em um murmúrio que Alfred não deu importância, e apenas o ajudou a sair do carro.

Arthur foi praticamente arrastado pela grama do jardim de sua casa, com os braços em volta dos ombros de Alfred, que lhe puxava em direção à residência. O punk nem fazia questão de andar.

– Você tá com as chaves aí, não tá? – Sussurrou Alfred, tentando não fazer ruídos, mas Arthur parecia não ouvir. Então ele aumentou o volume do sussurro: – Arthur. As chaves!

– Eu não seeei onde estão!! – Berrou Arthur, ignorando o esforço do nerd para manter o silêncio.

– E como você vai entrar?! – Retrucou Alfred, já impaciente.

– Não sei... Ei, que tal se a gente dormisse no seu carro, daí a gente podia dar uns amassos...

Alfred simplesmente bufou, tentando não corar de vergonha da última parte da frase do punk. Desesperadamente, tentou achar uma saída – ou melhor, entrada – para aquela situação. Olhou em volta. Todas as luzes estavam apagadas, e o completo silêncio reinava no lugar. Além disso, todas as janelas estavam fechadas – exceto a do quarto do punk, que ficava no primeiro andar.

Com o olhar, Alfred planejou uma trajetória. Sorte que ele já tinha visto muitos filmes de ação e estratégia e sabia como agir naqueles momentos.

– A gente vai ter que subir no telhado da garagem e pular pela sua janela – Disse o nerd, sério, assim que concluiu o raciocínio na cabeça.

– O quê?! – Indagou Arthur, um pouco alto demais, ao que Alfred repreendeu-lhe com um “shh” enquanto carregava o corpo bêbado do punk até a garagem que ficava no lado esquerdo da casa. – Você vai me carregar nos braços, né, Alfie...?

–... Você tem duas pernas – Resmungou Alfred, largando o punk, que ainda estava abraçado em seus ombros. Posicionou-se sob o telhado da garagem e agachou-se um pouco para que Arthur subisse em suas costas. – Vá, suba.

O punk aéreo precisou de alguns instantes para acordar, piscou algumas vezes e subiu em Alfred, mais alegre do que antes. Alfred pôde sentir o peso do corpo do punk em suas costas, assim como o tecido do seu jeans em sua nuca. Respirou fundo, e segurando as pernas do punk porque ele ameaçava cair a qualquer momento, ergueu-se completamente.

Arthur agarrou a borda do telhado e tentou subir nele, quase escorregando e caindo – se não fosse por Alfred, que segurava firme as suas pernas -, e com esforço, pisou nos ombros do outro e saltou para cima, caindo com um barulho extremamente indiscreto.

O punk estava rindo de como ele mesmo era desajeitado quando Alfred sussurrou do chão:

– Agora me ajuda aqui, né, porra! Você não vai conseguir pular pela janela sozinho!

Um Arthur sorridente e ainda meio desconcertado debruçou-se no telhado e esticou as mãos para Alfred, que agarrou-as firmemente. Só que Arthur não tinha nem um pouco da força suficiente para erguê-lo, então assim que o nerd deu o primeiro impulso para cima, o punk quase caiu junto.

– Esquece – Reclamou Alfred, largando as mãos do outro garoto, e prontamente agarrando a borda do telhado.

Com uma agilidade inesperada – talvez um sintoma do nervosismo -, Alfred impulsionou o próprio corpo para cima, pisando na parede para se apoiar e lá deixando uma marca da sola de seus Converses. Mas o que importa é que conseguiu subir, embora tivesse pousado com um barulho pouco menos estrondoso do que o punk.

Vendo-se os dois sobre o telhado da garagem, Alfred expirou o ar e secou a testa. Arthur estava sentado ao seu lado, fitando-o e rindo. Era uma risada discreta, mas sincera, como se o fato de que eles tivessem acabado de pular sobre um telhado fosse extremamente cômico. Os seus olhos verdes brilhavam apenas com a luz fraca e amarelada do poste mais próximo.

– Qual é a graça? – Perguntou Alfred, porém, também sorrindo sutilmente.

Arthur apenas riu outra vez, mais abertamente, como se aquilo explicasse tudo. Alfred sorriu, sendo contagiado por sua risada – afinal, era tão rara! – e lhe deu um leve soquinho no ombro antes de se levantar.

– Agora é só pular pela sua janela – Disse, seguindo em passos cautelosos e silenciosos sobre as telhas até a parede externa da casa onde ficava a janela. Ela não era tão alta como o telhado, obviamente, então Arthur não precisava subir nas costas do nerd outra vez. – A honra é toda sua.

Alfred observou o punk segurar-se na beirada da própria janela e tentar subir de modo desajeitado, passando uma perna para cima e em seguida a outra, até ficar sentado no parapeito. Então ele jogou o próprio corpo para a frente, caindo como um morto dentro do quarto escuro, e Alfred não pôde mais vê-lo nitidamente, mas ouviu o barulho e não conseguiu evitar a risada. De dentro do breu, a risada ecoou. Foi diminuindo até que sumisse e o silêncio voltasse a tomar conta do lugar.

– Então, Art... É melhor você ir descansar agora – Disse Alfred, quebrando o silêncio. Por algum motivo, ele se sentia nervoso, como se borboletas estivessem dançando livremente em seu estômago. – Me agradeça quando estiver mais sóbrio.

– Eu estou sóbrio!! – Resmungou Arthur, ainda perdido no escuro.

– Tá, tá certo – Riu Alfred, e não disse mais nada por um instante. Mas permaneceu ali, na janela, tentando encontrar o rosto do punk na escuridão.

Até que ele saiu da penumbra lentamente, e aquela luz fraca dos postes iluminou o seu rosto à medida que ele se aproximava da janela e de Alfred. Ainda estava sorrindo, mas dessa vez, de um modo sutil e contente. Então seus olhos verdes grudaram-se aos de Alfred, como se eles fossem a coisa mais brilhante daquela noite escura.

O contato visual trouxe um nervosismo ainda maior ao nerd, que sentiu o rosto corando e o estômago gelando. Arthur tinha olhos muito bonitos. Ele nunca tinha conhecido ninguém com olhos como ele: eram como duas peças raras de esmeralda, com um ar misterioso e envolvente. Suas pupilas estavam dilatadas devido ao escuro, mas mesmo assim era possível ver o anel esverdeado de suas íris.

– Boa noite, Art. – Disse Alfred, sorrindo de lado.

Arthur não respondeu. E o nerd percebeu o quão próximo ele tinha se tornado. Seus olhos se fecharam à medida que ia chegando mais perto, debruçando-se sobre a janela. Arthur estava tão perto. Ele podia ver todos os detalhes do seu rosto. Os lábios finos e avermelhados, as feições delicadas contrastando com os piercings que brilhavam naquela luz tênue da rua. O hálito dele ainda cheirava a álcool, mas fora ele, havia um cheiro bom e envolvente, o perfume de Arthur em si.

O que ele está fazendo?, exasperou-se Alfred mentalmente, um pânico nervoso começando a engoli-lo. Seu rosto estava bastante corado, e suas mãos começaram a suar... Arthur estava prestes a beijá-lo. Beijar. Arthur ia beijá-lo.

Mas Arthur tinha um namorado. Por que ele beijaria alguém que não fosse ele? Além disso, por que Alfred? O que em Alfred lhe dava aquele desejo? E... O que faria o namorado do punk se descobrisse que seu namorado tinha beijado outra pessoa?

Num impulso, sem saber como reagir, Alfred cerrou os olhos com força e virou de leve o rosto, e então os lábios de Arthur roçaram sua bochecha, perto do canto da boca. Foi um breve toque, mas Alfred ficou alerta durante todos os milésimos de segundo nos quais Arthur tocava os lábios em seu rosto.

Até que ele se afastou, e no rosto não carregava nada mais do que indiferença, embora fosse claramente possível ver que seus olhos estavam semicerrados e um sorrisinho ainda era presente em sua expressão.

– Boa noite, Al. – Murmurou apenas, dando as costas para a janela e penetrando novamente na escuridão. E deixando um Alfred paralisado e pasmo diante de sua janela.

Depois de alguns meros segundos congelado e tentando entender o porquê de seu coração estar batendo tão rápido e seu rosto estar tão vermelho, Alfred afastou-se da janela, dando passos para trás sobre o telhado. Quase escorregou numa telha, e apressadamente pulou de volta para o chão.

Caminhou até o carro, ainda em estado de choque – os olhos perdidos, os movimentos mecânicos – e entrou, sentando-se e segurando o volante. Mas não deu partida. Ficou ali dentro do carro, parado na frente da casa de Arthur.

Arthur. Aquele punk que tinha atirado uma bandeja de almoço em sua cabeça poucos meses atrás e que agora tinha tentado lhe beijar.

Além disso, durante a noite, ele tinha feito muitos comentários... Comprometedores. Tudo bem, ele estava bêbado, mas... Alfred se perguntou se ele realmente pensava em coisas assim mesmo quando não bebia. Será que... Ele pensava em Alfred? Quer dizer… De um jeito… Romântico?

Mas Arthur tem um namorado, era o que Alfred tentava se lembrar sempre que aqueles pensamentos lhe sucumbiam à mente. E como Alfred detestava aquele cara. Honestamente... Ele tinha aparecido do nada e agia como se Arthur fosse uma propriedade dele. Quando ele apareceu, Alfred passou quase um mês sem falar com Arthur, porque a cacatua laranja tomara todo o seu tempo. Além disso, como provado naquele dia, aquele cara ignorava o fato de seu namorado ter sido jogado numa piscina quando ele nem sequer sabe nadar. Onde é que estava o cara na festa, afinal? Argh. Aquele cara nunca seria bom o bastante para Arthur.

Então... Quem seria? Depois dos ocorridos naquela noite, Alfred não podia deixar de pensar que... Arthur gostasse dele. Ele também não se sentia bom o bastante, sinceramente. Mas... O modo como eles trocaram olhares tinha algo tão cúmplice, como se eles estivessem confiando segredos. Os segredos daquela noite.

Maybe he won’t find out what I know

You were the last good thing about this part of town

He won’t find out

Mesmo o próprio nerd não conseguiria explicar o que estava acontecendo consigo mesmo naquele momento. Depois daquela noite agitada, ele deveria estar ainda mais cansado, mas assim que chegou em casa e alcançou a cama outra vez, não conseguiu fechar os olhos. Apenas olhava para o nada, enquanto Arthur ocupava a sua mente, sua voz ecoando como se estivesse gravada em um toca discos travando. Boa noite, Alfred.


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Notas finais do capítulo

Então... Eu não sei ao certo se vão ter raiva ou vão ficar contentes com isso, mas é...O que acharam? Pelo menos tivemos algum progresso, ahaha. Eu me diverti muito escrevendo. Sério, vocês não têm ideia de quanto tempo eu passei planejando esse capítulo. Quer dizer, eu comecei a escrever essa fic há quase um ano, e tive essa ideia há muito tempo. Cheguei a fazer vários rascunhos de desenhos pra ela e tal (porque eu costumo desenhar as cenas, talvez pra ver se elas ficam como eu tinha imaginado).
A música é a mesma do capítulo anterior (porque os últimos três capítulos narram praticamente apenas um dia), Grand Theft Autumn/Where Is Your Boy do Fall Out Boy (eu ouvi essa música tantas vezes, meu deus) :3
Então, as lindas pessoas que mandarem review vão... Ganhar um beijinho na bochecha do Arthur qq Ok, não, mas mandem mesmo assim! Quero ver como reagiram aos acontecidos desse capítulo, ahaha! Eu amo todas vocês uwu