Terra da Fuga escrita por crowhime


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Primeira história desse tipo que escrevo, acho até que deveria ter feito outra em algo que é mais minha praia, mas não vou conseguir até dia 31, então postando assim mesmo ;;
Peguem leve e no final me amem com reviews ♥
Brincadeira. Ou não. Deixem reviews sim. q
Boa leitura!



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Os olhos tentavam se ajustar à escuridão, a respiração pesada soava no imenso vazio, parecendo ser o único som presente e que perdia tão logo inspirava e expirava. Seus sentidos pareciam estranhos. Era como se o mundo tivesse sido sugado; com todas suas cores, todos os seus sons.

Mesmo quando ficou de pé, a sensação não era a mesma. Sabia que tinha se erguido mecanicamente, mas duvidou que suas pernas estivessem lá, pois não as sentia. Tentou se lembrar como caminhar e assim o fez, um pé depois do outro, em passos hesitantes. Seguiu em linha reta, tateando o espaço para o caso de ter algo com que pudesse trombar, porém nunca havia. Era como se estivesse em um corredor sem fim.

Não soube quanto tempo ficou nessa brincadeira de cabra-cega, estava tão escuro que não via nem mesmo seu corpo. Foi quando um pensamento lhe ocorreu: onde estava? E como foi parar ali? Suas lembranças pareciam tão vazias quanto aquele lugar.

Uma fonte de luz se acendeu repentinamente, fazendo os olhos doerem até que se acostumasse. As imagens se materializaram à sua frente como um filme antigo e parecendo ter alguma interferência no som. Mas ouvia, focalizando também as cenas que se desenrolavam, o que fez a névoa que encobria suas memórias pouco a pouco se dissipar.

A garota se chamava Isabelle. Com o Halloween se aproximando, ela e os amigos tiveram uma ideia. Ou melhor, um deles teve e os outros concordaram.

- Vamos, vai ser divertido – dizia Eduardo. – O jogo é pura bobagem, mas depois podemos nos gabar de termos jogado no Halloween! Todo mundo vai achar que somos incríveis!

Um a um, todos acabaram aceitando a ideia. Elegeram Isabelle como médium, simplesmente por ela ser a mais centrada do grupo, ao mesmo tempo possuindo uma personalidade forte. Eduardo era energético demais, perderia facilmente o foco; Samantha, apesar de interessada nesses assuntos, já teve depressão, então – só por precaução – melhor evitar, enquanto Diego era quieto em excesso, simplesmente por não gostar de falar.

Dia 31 de outubro, fim de tarde. Todos se reuniram na casa de Diego, que morava sozinho em uma área residencial bem calma da cidade. Eduardo colocou o tabuleiro ouija sobre a mesa, com contornos e grafia de aspecto antigo.

- Que incrível, Edu! – observou Samantha. - Como fez isso?

- Foi fácil! Peguei da internet, na verdade, e imprimi em uma folha grande. Não dá um ar mais legal?

Edu riu, acomodando-se enquanto Diego trazia um copo da cozinha, testando-o sobre a folha. Confirmando que deslizava bem, também se sentou.

- Acho que este serve.

- Tudo pronto então?

Isabelle perguntou, terminando de acender as velas e fechar as janelas e cortinas. Todos estavam sentados em torno da mesa redonda, o sol baixava, aos poucos deixando o ambiente iluminado apenas pelas chamas das velas. Samantha fez suas preces agarrada ao crucifixo que tinha no pescoço, só quando todos estavam prontos, colocaram os indicadores sobre o copo. Isabelle, Eduardo, Diego e Samantha, nessa ordem. A voz da médium se ergueu forte.

- Tem alguém aí?

Silêncio. Nenhum movimento, mas todos ficaram apreensivos e se entreolharam. Isabelle repetiu:

- Tem alguém aí?

Mais silêncio. Porém, antes que pudessem desviar o olhar, o copo lentamente se moveu para a palavra “sim”. Quatro pares de olhos se levantaram ao mesmo tempo, um buscando os do outros. Pela expressão de surpresa ou assombro que possuíam na face, não era nenhum deles movendo o copo de brincadeira.

Havia um espírito ali.

Isabelle respirou fundo e recuperou a compostura. Normalmente tinha boa memória, mas nesse momento em específico sua cabeça parecia pesada e era difícil se recordar as perguntas que elaboraram juntos e decorou mais cedo.

- Há mais espíritos aqui?

Novamente, “sim”. Oito. Fizeram perguntas básicas como tudo que leram antes recomendava. Mas quando Isabelle se lembrou de uma delas, era tarde demais.

- Qual o seu nome?

Os lábios foram sibilando as letras que o copo marcava.

- E-U-S-O-U

- A-Q-U-E-L-E

- Q-U-E-V-A-I

- M-A-T-A-R-V-O-C-E-S.

“EU SOU AQUELE QUE VAI MATAR VOCES! Matar. Matar. Matar. Matar. Matar.”

A face de Samantha perdeu a cor. Eduardo arregalou os olhos e abriu a boca como se fosse gritar. Diego paralisou e Isabelle suava frio. O copo começou a se mover mais rápido no tabuleiro, sendo impossível acompanhar com os olhos. Uma corrente de ar frio que passou pelo recinto, mesmo que este estivesse com as janelas e portas fechadas, fez tremular a luz das velas.

A médium foi a primeira a reagir. Pegou o copo no susto e o atirou no chão, a respiração acelerada sendo a única coisa soando no ambiente pesado. Uma brisa mais forte apagou as velas, arrancando gritos de terror e susto dos outros três. Isabelle, a essa altura, já havia sido jogada na escuridão e agora o filme parecia ser transmitido do alto. O problema era que não era um filme, tudo era real e Isabelle, a verdadeira, estava assistindo de camarote. Ela viu o rosto que não era mais seu se contorcer em um sorriso assombroso, os olhos bem abertos enquanto estalava o pescoço. Quis gritar para que seus amigos corressem, porém também não tinha voz para isso.

- Humanos... criaturas tão tolas e patéticas – a que saiu da boca de Isabelle era mais grave. O corpo se levantou de onde estava, quebrando em mais alguns pedaços um estilhaço de vidro. Abaixou-se para pegar um caco maior, pressionando-o na mão e sentindo o sangue escorrer quente pela pele. – A porta que abriram é uma porta dupla. Agradeço por me trazerem para cá.

Os três se encolhiam em um canto. Samantha berrou quando foi puxada por Eduardo, vendo Diego ser segurado pelo pescoço e erguido do chão como uma pluma, o rosto alvo mudando de cor pela falta de oxigenação.

- Pare com isso, Isabelle! – berrou Eduardo, empurrando Samantha porta afora. – Assim você vai...

Interrompeu a própria fala quando os olhos azuis gelados se fixaram em si. Naquele momento, não era mais Isabelle. E, seja lá quem estivesse no corpo dela, desejava justamente isso: matá-los. Naquele momento, o rapaz ficou sem ar, só conseguindo respirar quando Samantha o puxou pela blusa, atraindo seus olhos para ela.

- Precisamos fugir.

- Mas... o Diego...

- É tarde!

Som de ossos quebrando embrulharam-lhe o estômago. Sentiu ímpetos de se virar para trás, mas sabia – de algum modo – que se o fizesse, não teria tempo para mais nada. Eduardo agarrou a mão da garota, correndo para fora do prédio, ganhando as ruas desertas. A lua brilhava amarelada, parcialmente encoberta por nuvens negras.

“Pare com isso!”, pensava Isabelle, sem conseguir reagir frente às imagens que lhe eram exibidas. De fundo, ouvia a voz grave que utilizava seu corpo cantarolando uma canção, o sangue pingando da mão ferida.

Em todo lugar que os amigos se escondiam, o espírito aparecia, parecendo ainda estar se acostumando ao novo corpo. Contudo, era sempre por muito pouco que não segurava um deles. Samantha chorava e Eduardo estava apavorado, ambos, movidos pelo medo, continuavam a correr, tentar se esconder e correr novamente. Mesmo as ruas que deveriam estar cheias se encontravam sem uma alma viva para quem pudessem pedir ajuda. A certa altura, Samantha desabou no chão, os pés envoltos pela sandália sangrando.

- Sam... tente se esconder em algum lugar. Vou distrair aquela coisa, tudo bem?

- Mas Edu...

- Vamos, não faça essa cara. Eu vou livrar a gente dessa, você vai ver.

Samantha choramingou, mas concordou. Levantou-se e saiu mancando, enquanto Edu procurava algo, qualquer coisa que pudesse usar para se defender. Achou junto ao lixo uma perna quebrada de uma cadeira ou mesa, empunhando-o enquanto via o corpo de sua amiga se aproximando em passos lentos, o sorriso macabro nos lábios e os cabelos pretos escorrendo pela face, cobrindo-lhe os olhos.

“Não, Edu... não... Por favor, não faça isso...”

Mas Eduardo não conseguia ouvir seus pensamentos, avançando para golpear o espírito. Não queria machucar o corpo da amiga, mas não via outro jeito. Diego já se fora... Tudo culpa dele que resolveu sugerir que fizessem aquele jogo estúpido.

- Devolva o corpo de Isabelle!

Acertou a lateral da cabeça dela, fazendo o sangue escorrer. Tinha sido fácil demais, viu o corpo dela tombando para o lado. Mas não tão fácil assim, a mão ensanguentada agarrou o pedaço de madeira, endireitando-se enquanto segurava o pulso do rapaz com a outra.

- É tarde. Ela está bem aqui e em lugar nenhum. No momento em que quebrou aquele copo, ela concedeu uma chance para este espírito voltar ao mundo dos vivos... Agora ela está presa no espaço entre a vida e a morte. E de lá não conseguirá sair. Talvez se um de vocês descobrir meu nome...

Era difícil acreditar naquelas palavras, ainda mais com a dor em seu pulso, cujos ossos pareciam ter sido esmagados. Urrou de dor, a cabeça girando quando bateu contra o chão. O corpo de Isabelle parecia pesar muito mais que o usual. Através da visão embaçada, viu a madeira ser erguida.

- Mas... adivinha? Nenhum de vocês vai viver o suficiente para isso.

A mão baixou com força, batendo uma vez na lateral da cabeça de Eduardo, fazendo-o gritar de dor. O processo se repetiu até que ele não tivesse mais forças para falar um A que fosse, alimentando o riso histérico do espírito. O rosto de Eduardo caiu de lado, os olhos agora sem vida encarando eternamente o vazio.

Samantha estava encolhida junto ao altar da igreja, orando fervorosamente com o crucifixo entre as mãos. Os nós dos dedos estavam brancos e os pés sangravam, feridos pela corrida com aqueles sapatos não adequados. Esperava que Eduardo estivesse bem. Queria Isabelle de volta. Pobre Diego... Devia ser uma punição por ter concordado. Devia ter insistido mais em alertar sobre os perigos do ouija. Mas, ali, estava segura. Se ao menos tivesse os amigos...

Pensou cedo demais. A porta se abriu com um rangido e a figura ensanguentada entrou pela fresta. O cantarolar ecoou pela estrutura da igreja, fazendo parecer um coro vindo de diversas direções, aumentando o volume da voz.

- Mas... como?

Samantha estava pálida, encolhendo o corpo e arregalando os olhos.

- Ingênua. Originalmente, todos éramos seres de luz, mas alguns escolheram um caminho diferente. Se acha que uma igreja ou seu crucifixo irá nos afastar, está enganada.

- Não... não pode ser...

Balbuciou, fazendo o rosto de Isabelle se contorcer com uma expressão insana, ao mesmo tempo em que se divertia com aquilo. Antes que se desse conta, Samantha teve o queixo erguido, obrigada a encarar com os olhos marejados os olhos azuis da amiga pelo qual o demônio falava.

- Eu até gosto de você, Sam. Você sempre sentiu inveja dos seus amigos. Eu realmente gosto disso. Acho que vou dar a você uma morte sem sofrimento.

- Não, eu...

- Não tente me enganar. Eu realmente conheço você, Samantha.

Ela ainda tentou falar algo, mas os lábios quentes roçando aos seus tiraram seus pensamentos. Aquela sensação lhe era familiar. Quando orava, era o mesmo calor que lhe envolvia e fazia com que se sentisse protegida. Agora sabia: não orava para um anjo. Seus pensamentos mais profundos atraíram os seres da escuridão. Eram eles quem lhe protegiam.

- Sim, Sam. A culpa é sua.

Parecia ler seus pensamentos. Isabelle tentava entender o que se passava, sentindo raiva por estar tão incapaz.

Samantha sempre sentiu inveja de Isabelle. Porque ela era alegre, forte, bonita e decidida. Todos sempre a preferiam, lhe causando ciúmes. “Se ao menos ela não existisse”, já tinha pensado muitas vezes, incontáveis. Nesse momento, um brilho de reconhecimento passou por suas íris e se arrependeu de seus pecados. Agora sabia quem era aquele demônio – era parte de seu ser. Responsável por muitos crimes desde os tempos mais antigos.

- Eu sei. Já entendi tudo. Porque você é...

Um pedaço de vidro perfurou-lhe a garganta, cortando-lhe a voz. Apertou os olhos com a dor, o rosto caindo para o lado e o sangue escorrendo pela boca, juntando-se à poça que se formava abaixo de si. As lágrimas escorriam quentes e, com suas últimas forças, os lábios se movimentaram sem extrair som.

Mas foi o suficiente.

O corpo acima do de Samantha estremeceu, por um momento tudo ficou escuro para Isabelle, a tela que transmitia imagens do mundo real escureceu e perdeu os sentidos, sem saber por quanto tempo.

Quando ergueu o tronco, se deparou com o rosto de Samantha desfigurado. Queria pensar que tudo aquilo tinha sido um sonho ruim do qual acordaria, mas tinha sido real. Seu corpo estava banhado com o sangue dos amigos, por mais que gritasse, nada mudaria.

Ela tinha matado os três.

Sua punição? A loucura eterna.


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