“Eu saio da cama

E eu limpo minha cabeça

Eu não quero ir

Mas é o que eu faço

Nós somos sonhos

Dentro de um sonho”

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Josh sentia o corpo todo dolorido, latejante e tenso. Sentia como se tivesse dormindo sobre pregos e quando olhou para o cômodo que estava não o reconheceu. Não era a primeira coorte. Olhou para a cama e logo reparou em porquê se sentia tão dolorido, a cama não tinha a mesma qualidade da primeira coorte, o colchão era mais duro e o travesseiro mais fino. Estava na quinta coorte, a mais baixa de todas as coortes.

Josh não queria sair da cama dura, não queria sair para lugar nenhum, mas se forçou a sair da cama e limpou a cabeça, apagou os pensamentos ruins e se concentrou no dia que tinha pela frente. Olhou para a cama e viu seu baú, o abriu e encontrou todos os seus pertences lá, o arco e a aljava que ganhara de seu pai quando Patric e Luci o encontraram no beco, mudas de roupas, sua guitarra envolta pelo estojo, algumas palhetas espalhadas pelo fundo do baú, a bolsinha com denário, seu kit de primeiros socorros e algo que ele não se lembrava de ter. Uma foto. Lá estava ele, com 14 anos, imaginou, treinando com a aljava. Virou a foto, uma letra pequena e muito bem desenhada estava gravada atrás em tinta vermelha.

Tirei esta foto num dia em que você esteva treinando particularmente pesado. Você não sabe, mas eu sempre estive lá. Foi nesse dia que saímos para o refeitório juntos, pela primeira vez, dando origem a um costume diário. Espero que agora isso não se altere. Com amor, Alice.

Josh sorriu. Ainda tinha esperança para ele, mas o garoto não tinha certeza se a merecia, ficava pensando em como condenara Denise a morte e pensou que merecia isso, merecia ter sido rebaixado de coorte e legião, merecia dormir numa cama dura que o deixava dolorido, merecia as cicatrizes das chibatadas e merecia todo o sofrimento que a solidão o trazia.

O garoto saiu do dormitório da quinta coorte com a cabeça baixa, olhando para o chão, desejando que pudesse ser invisível para que ninguém visse como estava mal, física e mentalmente.

– Josh!

– Josh! Espere!

Alice parou na frente do garoto e olhou feio para ele.

– Mas que saco Josh! Não pode me esperar ou não quer falar comigo?- Alice disse.

– Não tem medo que você possa ser a próxima da minha lista?- Josh riu, sarcástico- É isso o que a maioria anda comentando por ai.

– Claro que não! Deuses! Você sabe que acredito em você e porque Plutão você ainda ouve essas pessoas? Elas só querem te fazer mal Josh! Você é um cara legal, inteligente e ainda nos salvou ontem e o que você ganhou? Nem um obrigado de toda aquela gente ingrata. Muito menos curativos para seus machucados, ah Josh!

– Não recebi nada disso porque não mereço Lice.

– Como não merece? Um herói não merece nem ao menos um cuidado especial?

– Um herói sim, um assassino não.

Alice estremeceu, ia ter que usar o charme.

– Tudo bem, você foi correlacionado nessa tragédia, é triste e tudo, mas você tem que pensar em você. Eu estou com você, eu vou te proteger de tudo isso porque eu sou sua amiga Josh, eu não vou te deixar e você é meu amigo, você não pode me deixar.

Josh concordou com a cabeça, mal reparando que a amiga acabara de usar o charme com ele.

– Vamos comer algo e então eu vou fazer uns curativos nos seus ferimentos, pode ser que infeccione e vire uma coisa terrível se você não cuidar.

– Eu sei, é isso que eu quero.

– Não, não é isso que você quer Josh, você só quer se punir pelo acontecido e tudo bem, se puna, mas quando eu estiver perto, eu cuido de você.

– Tudo bem.

Alice odiava usar o charme com Josh, mas não podia mais fazer nada nesse momento, era a única maneira de salvar o amigo de uma depressão ou coisa pior.

Tomaram café da manhã juntos e durante toda manhã os dois tiveram que unir forças para ignorar os olhares dos outros campistas, cruéis e muitos com medo. Mas aos poucos o alvoroço foi passando para dar lugar a preocupação com o sumiço de Julie e Paul, aparentemente ambos sumiram antes de toda a confusão do acampamento.

O resto do dia Alice passou ao lado de Josh, ajudou-o com os ferimentos e ficou surpresa ao ver que nas costas ficaram apenas cinco linhas incolores, marcando onde o chicote tocara na pele de Josh. Os outros ferimentos haviam sumido e ele não sentia dores físicas nem nada, a não ser aquelas causadas pela cama dura.

– Aparentemente a luz solar o curou- Alice disse, mais pra si mesma.

– Pode ser...

– Isso é bom, odiaria ter que fazer algo realmente importante tipo suturas.

– Você desmaiaria se visse sangue ai, imagine se tivesse um machucado enorme aberto, você morreria, no mínimo.

– No mínimo?

– Vamos treinar está bem?

Alice riu. Aos poucos Josh voltava a ser o Josh de sempre. Quando a noite chegou Josh foi chamado para falar com Collin, o responsável temporário pelo acampamento, ela ficou o esperando do lado de fora da Casa do Senado, onde os dois debatiam sobre algo, talvez o perdão de Josh frente às coortes, Alice desejava.

Porém depois de umas três horas, Josh saiu de lá, com a cabeça baixa, parecia terrivelmente triste.

– Josh? O que foi?

– Nada Lice, vou pro dormitório, tudo bem?

– Não Josh. Fale.

O garoto olhou para a filha de Vênus, ela estava fazendo aquela cara mandona e de quem exigia explicações e ele sabia, não tinha como resistir àquilo.

– Collin me disse que meu açoitamento ficou nas cinco chibatadas por eu ter salvado o acampamento. Ótimo. Disse também que ficarei na quinta coorte, sem possibilidade de retornar a primeira. Ótimo...

– Isso não é o fim do mundo- Alice interveio.

– Tem mais. Disse também que estou desclassificado pra qualquer tipo de cargo aqui no acampamento e não tenho mais minha legião de arqueiros, não sou mais o líder deles, Scott que é agora.

Alice entristeceu, sabia que para Josh a legião dos arqueiros que comandava era muito importante, como se fosse uma parte dele e agora ele havia perdido até isso.

– Sinto muito.

– E também tenho que sair do acampamento para deixar as coisas se acertar por aqui. Tenho uma semana até ter que ir.

Alice empalideceu, nunca ocorrera a ela a ideia de que Collin expulsaria Josh do único lar que conhecera em toda a vida.

– O que?? NÃO! Ele não pode fazer isso!

Josh permaneceu calmo como sempre.

– Pode sim e fez. Não é uma expulsão, ele disse que tenho que ficar fora no mínimo três meses, para que tudo volte ao normal.

– Eu vou junto então- Alice disse, decidida como sempre.

– Não vai Alice, é perigoso lá fora.

– Como se eu não soubesse, já fiz missão tá? Eu sei os perigos que estou disposta a enfrentar e eu vou e fim.

– Tudo bem...

– Ótimo. Vou dormir, nos vemos amanhã, passo na quinta coorte pra te pegar pra tomar café.

– Ótimo.

– Ótimo.

Josh deitou na cama dura e fechando os olhos percebeu que nós não passamos de sonhos dentro de um sonho. Como um microcosmo dentro de um macrocosmo, podemos fazer nossas próprias escolhas, mas há algo de maior acima de tudo isso, escolhendo nosso caminho, contornando nossas vidas por um objetivo maior, nos moldando como se fôssemos sonhos.