A Boneca de Kafka - Um Outro Olhar escrita por Mayra B


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Eu fiz essa história pra um trabalho de faculdade e tive uma resposta positiva dos meus colegas. Espero que gostem.



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Sabia que estava sentada em algum lugar. Olhava pros lados e tudo o que encontrava eram alguns arbustos ao meu redor. Mas por sorte, a visão daquela praça, por mais que nomeassem de modo diferente, para mim seguiria sendo uma praça, não me tinha sido tirada. Ao longe escutava os barulhos característicos do parque de Steglitz pela tarde. Crianças brincando, algumas moças sendo cortejadas, os pássaros piando alegremente alguma canção.

Mas em algum momento um ruído se sobressaltou a todos os outros. Começou bem baixo, mas depois foi aumentando a ponto de angustiar qualquer um que escutasse. Eu a vi. Sentadinha em um banco que estava bem na direção dos meus olhos. Vestida como eu me recordava daquela manhã. Um lindo vestidinho roxo que se estendia até seus joelhos, os cabelos lisos, presos em uma pequena trança. Porém tinha algo errado. Ela não parecia feliz como da última vez que estivemos próximas. Seu rosto estava vermelho, os pequenos olhos verdes inchados de tão sofrido que parecia seu pranto.

Eu queria correr até ela. Fazer com que parasse de chorar. Dizer-lhe que tudo estava bem e que qualquer coisa que não estivesse, um dia ficaria. Mas eu não podia me movimentar. Sentia como se estivesse presa no chão. Olhava para baixo, procurando algo que pudesse me soltar, mas nada acontecia. O pânico começava a crescer em mim, a vontade de gritar, assim como Lizzie estava fazendo apenas aumentava. Sim. Lizzie era seu nome.

Quando olhei novamente em sua direção, torcendo para que ela olhasse em algum momento para o lugar onde eu estava, vi que ela conversava com um casal. O homem estava abaixado, com um dos joelhos no chão em sua frente. Não estava totalmente de costas para mim, mas a visão de seu rosto não me era total. Não conseguiria dizer sua idade ao certo, mas era notável que não estava em seu melhor estado de saúde. Ele falava com Lizzie, tentando acalmá-la de alguma forma, enquanto sua companheira, que estava de pé, mirando tudo com completa calma, observava a interação dos dois em silêncio. Eu ficava mais tranquila, vendo que ela também estava.

Lizzie aos poucos foi ficando quietinha, mudou de uma expressão de completo desespero para uma pouco desconfiada, e depois, abriu um sorriso pequeno, mas sincero que iluminaria qualquer escuridão. Iluminava meu mundo. Não sabia o que aquele homem, um tanto quanto estranho, lhe tinha dito, mas agradecia-lhe imensamente. Não queria vê-la triste. Os três devem ter passado não mais que poucos minutos conversando. Logo a mãe de Lizzie chamava seu nome e ela se despedia do casal com um pequeno abraço.

Ela saiu tão animada daquele banco que nem ao menos olhou em minha direção. Ela seguiu o caminho de casa, não olhou pra trás. Um suspiro saiu dos meus lábios. O que eu poderia fazer? A noite caia em Berlim e a resposta, aos poucos, ia aparecendo em minha mente. Nada. Simplesmente nada poderia ser feito. Então só me restava uma coisa naquele momento. Cair em um sono sereno, se é possível chamar isso de dormir.


No outro dia, voltei à consciência apenas porque os raios de sol estavam me incomodando. Olhei ao redor para saber se ainda permanecia no mesmo lugar e infelizmente constatei que sim. Alguns poucos minutos, olhando apenas o que me era permitido - devido à fresta de tamanho médio entre os arbustos -, Lizzie apareceu. Hoje trajava um vestido cinza, que de alguma maneira contrastava com seus belos olhinhos que não pareciam mais tristes. Ela chegou ao mesmo banco saltitando e nele se sentou. Esperando por algo, alguém. Talvez por mim, eu pensava esperançosamente.

Não demorou muito para que o mesmo homem do dia anterior surgisse. Agora, repousado a seu lado, eu conseguia ver seu rosto com mais clareza. Possuía a mesma expressão facial que eu via no pai de Lizzie, quando o mesmo voltava para casa, depois de horas e horas fora. Parecia esgotado e eu diria que estava a ponto de desmaiar. Mas ao contrário de seu pai, que após chegar, se sentava na poltrona, fazendo questão de bradar em bom tom que estava exausto e reclamar de seu dia. Esse não parecia se deixar abater.

Sei que estou fazendo muitas suposições sobre uma pessoa que nem ao menos conheço, mas precisava de algo que me distraísse enquanto via os dois conversarem. Eu não os ouvia, apenas poderia imaginar o assunto que estavam tendo. Era como um filme mudo.

Tentei prestar um pouco mais de atenção no meu objeto de observação. Ele parecia estar lendo alguma coisa para ela. Ela lhe sorria amável e torcia seus dedinhos na barra do vestido. Sempre fazia isso quando estava nervosa. Quando ele terminou sua leitura, dobrou o papel e lhe entregou. Deu um pequeno beijo em sua testa, que foi retribuído com um abraço carinhoso. A menina saiu animada do banco e se dirigiu para longe. O homem ficou parado por alguns poucos segundos, como se estivesse em um transe interno. Sorriu na direção em que ela fora, se levantou com alguma dificuldade e tomou o caminho oposto.

Aquela foi a primeira vez, de muitas, que vi tal cena. Se repetiu por todos os dias durante duas semanas. Acontecia sempre do mesmo modo. Minha menina chegava, esperava por alguns minutos e o homem misterioso aparecia. Às vezes sozinho, às vezes acompanhado daquela mesma moça jovem que eu tinha visto no dia em que Lizzie chorava. Eu lhes via rindo, limpando algumas lágrimas solitárias que teimavam em cair. Eu vi momentos em que o homem consolava minha menina, que ao que parecia tinha ficado triste com o que quer que seja que ele lhe tenha lido. Ele segurava sua mãozinha e fazia carinho em seus cabelos até que ela se acalmasse. Ele fazia tudo aquilo que eu não poderia fazer.

Ao que parecia ela estava bem. Eu sentia a falta dela, isso era algo que eu não poderia negar. Mas de alguma maneira, graças aquele homem misterioso, ela estava sorrindo, brincando. Como qualquer menina de cinco anos deve fazer. Se ela estava feliz, eu estava feliz.

O dia mais uma vez estava chegando ao fim e a noite viria me acolher como uma velha companheira. Eu estava me preparando para cair dentro de minha mente quando ouvi alguns passos em minha direção. Fiquei alerta, esperando pelo próximo som. Galhos pequenos estavam sendo quebrados à medida que se aproximavam. Eu ouvia um pequeno choro e, depois do que pareceram segundos, me senti sendo levantada e abraçada. Não era o abraço de Lizzie, eu sabia. Mas eu senti tanto amor vindo daqueles pequeninos bracinhos que não pude me conter. Depois de algum tempo, ouvi um nome sendo chamado por uma voz grossa. Beatrice, ele gritava. E a menina que me segurava, saiu correndo na mesma direção, sem nunca me soltar. Quando vi o homem, ele não se parecia em nada com o que eu imaginava. Vestia roupas que pareciam de segunda mão, remendadas em alguns pontos. Os olhos eram acinzentados e pareciam tristes. A menina me estendeu para ele que lhe sorria docemente. Senti seus olhos me analisarem e com um aceno de cabeça, ele me devolveu para ela. Foi nesse momento em que a vi. Os olhos eram do azul mais profundo que já tinha mirado. Seus cabelos estavam um pouco sujos, mas eram loiros. Suas roupas pareciam um pouco grandes para uma menina tão pequena. Ela sorriu com os dois dentes da frente faltando, certamente os tinha perdido para a fada dos dentes, como a mãe de Lizzie contava.

Lizzie. Pensar nela não doía mais. Eu sabia que ela estava bem. Beatrice me abraçou fortemente junto a seu corpo, estendeu a mãozinha para seu pai e eles começaram a caminhar. Meu rosto estava escondido em seu pescoço. E naquele momento, eu percebi que aquele era meu novo lugar.

Sim, eu sou a boneca. Você pode já ter percebido isso, mas sinceramente não me incomoda. Eu não queria criar um suspense sobre quem eu sou. Eu apenas queria contar-lhes um pedaço da minha história.


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Notas finais do capítulo

Então? O que acharam? Ficou bom, ruim, uma droga? Comentem e façam uma autora feliz *-*



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