Compras de sábado a noite escrita por Fran Carvalho
Notas iniciais do capítulo
Num universo alternativo em que Bibiana e Rodrigo vivem no nosso tempo, um romance trágico.
O sinal tocou, Bibiana batia impaciente os dedos no volante, enquanto Bolívar teimava chorando no banco de trás.
– Não quero ir, mãe - choramingava - Aqueles garotos, eles riem de mim, porque não tenho pai, eu não quero ir.
Bibiana abriu a porta do carro, chamou o filho pra fora, que relutante, saiu, e pôs as duas mãos no rosto da criança, a voz calma.
– Meu amor, você tinha um pai - ela sorriu - Um pai maravilhoso que o amaria muito se te visse assim, tão esperto. Mas tenho certeza que ele ia querer que você fosse a escola.
– Meu pai morreu, mãe? - a criança enrugou a testa, Bibiana sentou-se numa pedra próxima, e a criança estava agora do seu tamanho - Vovô disse que ele era bonito. Mas que não era bom.
– Seu avô não gostava muito do seu pai, mas isso não faz com que ele não seja bom. Ele era um homem e tanto, seu pai.
Bolívar sorriu, e entusiasmado gritou.
– Me conta, mamãe - ele pediu, extasiado - Me conta como conheceu meu pai, eu vou na aula se me contar.
Ela fez que sim, e com os olhos em algum lugar longe dali, contou.
***
"Houve um tempo em que a honra era mais valiosa que o ouro. Que as roupas eram obras-de-arte e a mulher era tratada como merecia. Mas foi também nessa época que o fanatismo religioso fez perder-se milhares de livros e a magia era tratada como crime mortal.
E foi também nessa época que eu nasci."
Eu levara horas para escrever aquele texto bobo, apesar de saber que os livros de história estavam a minha frente, esperando para serem lidos para a prova de amanhã.
Eu tinha quinze anos, um futuro promissor e um amor proibido. É claro que não nascera na época medieval, bem que queria. Mas era assim que sua personagem, a princesa da França, iniciava sua história.
Gostava demais de História, principalmente quando se tratava da Idade das Trevas. Mas sempre me perguntava por que tinha que fazer provas e entregar trabalhos sobre algo que todo mundo sabia que era minha paixão.
A segunda, na verdade.
Foi fácil escutar as pedras batendo na janela, mas mesmo assim sabia que meus pais não escutariam. Fora o combinado.
Desci a janela bem devagar, caindo nos braços de Rodrigo. Ele era capitão do time de futebol da escola, quase sempre estava de uniforme, e fazia o tipo conquistador. Pedro Terra, meu pai, não aprovou o namoro, por culpa da fama do jogador.
Claro que isso não nos impediu.
O beijo durou certo tempo, até que finalmente resolvêssemos caminhar de mãos dadas.
– Tenho uma surpresa pra você, minha prenda - me derretia com o modo como ele me chamava, pelo fato de termos nos conhecido na invernada juvenil de um C.T.G, onde dançávamos juntos.
– Onde estava, Rodrigo? - meu coração pulou. Claro que sabia que ele fora encontrar a filha do dono da padaria ali perto, toda a cidade de Santa Fé conhecia essa história.
– Preparando nossa noite, meu amor - ele sorriu, os dentes perfeitos se iluminando - Vamos a um shopping 24 horas, em Cruz Alta.
O fitei de testa enrugada.
– E onde arranjou dinheiro pra isso? - indaguei.
Ele sorriu outra vez.
– Encontrei alguém que me devia muito dinheiro - ele contou - Por isso acho que merece uma noite de compras.
De carro alugado e tudo, seguimos a caminho da cidade vizinha, em silêncio. Estávamos juntos há alguns meses. Lembrava ainda da briga de soco dele com o mimado do filho do prefeito, que queria namorar comigo e não deixava Rodrigo se aproximar. Também lembrava das noites infinitas passadas juntos. Éramos um casal lindo, quase como os de novela de época. Se escondendo dos pais da moça.
– Rodrigo - estava já em Cruz Alta, quando eu resolvi contar - Eu vou ter um filho.
Rodrigo levou um susto, mas depois sorriu.
– Ótimo - ele tentou argumentar - Temos uma boa desculpa pra marcar o casamento.
Como se isso impedisse as aventuras dele, pensei. Dei de ombros. O importante era que iamos ter uma família, ficarmos juntos para sempre, até que a morte nos separasse.
Eu sorri.
As ruas estavam tão escuras. Enxerguei o shopping que ele me falara, bem ao longe, com iluminação doentia.
– Pode comprar roupa pro bebê, né? - ele virou pra mim, a mão em minha barriga - Vai se chamar Anitta, como a Garibaldi - sorriu.
Ela fez que sim.
– Ou Bolívar, se for menino - decidiu - Como o herói gaúcho.
Tudo se iluminou de repente. Sem tempo de gritar, vi o caminhão vindo na nossa direção.
Nem mesmo eu acreditei quando acordei no hospital três dias depois, com minha mãe ao meu lado. Estava com o rosto irreconhecível, mas pedi notícias de Rodrigo.
– Sinto muito, filha - minha mãe resmungou, em seu jeito tímido - Ele partiu.
***
Bolívar arregalava os olhos, surpreso. Não conhecia a história dos pais, nem mesmo sabia que ele só tinha quinze anos quando morreu.
– Meu pai era corajoso - sorriu o garoto - Posso contar isso pros garotos agora.
Bibiana fez que sim, sorrindo.
O menino correu, entrando na escola, finalmente. Uma menina de cabelo crespo o esperava do lado de fora. Luzia, a menina rica. Diziam que tinham uma imaginação enorme.
Acenou para o filho. O menino pegou a mão de Luzia e entraram, os dois.
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